Paulo Branco afirmou hoje que o Festival de Cannes “não está acima da lei” e recusou as críticas feitas pelos responsáveis do evento no âmbito do processo que o opõe ao realizador Terry Gilliam, que acusou o produtor de mostrar "a sua verdadeira face".

Num comunicado assinado pela advogada Claire Hocquet, que o representa e à Alfama Films, em reação à tomada de posição pelos dirigentes do festival de cinema de Cannes sobre o processo legal em torno do filme “O Homem que Matou D. Quixote”, Paulo Branco rejeitou que utilize qualquer “método de intimidação ao recorrer à justiça para fazer valer os seus direitos” e afirmou que “a virulência e agressividade do tom [do festival de Cannes] não mudarão nada”.

A direção do Festival de Cinema de Cannes saiu hoje em defesa do realizador Terry Gilliam e do filme "O Homem que Matou D. Quixote", deixando duras críticas ao produtor Paulo Branco por causa da disputa judicial que pode comprometer a exibição do filme, incluindo no encerramento do festival que se realiza entre 8 e 19 de maio.

"Como o senhor Paulo Branco tem estado muito visível nas áreas da comunicação social e judicial, parece ser necessário salientar as razões que nos levaram a escolher o filme e a arriscar as ações do produtor, cujo advogado, Juan Branco, gosta de salientar que a sua imagem e a sua credibilidade são essencialmente construídas pelas suas numerosas aparições em Cannes e pela sua proximidade com os grandes autores homenageados pelo Festival. A última parte é verdadeira, o que aumenta a nossa diversão", começa o duro texto do comunicado.

"Afirmamos firmemente que estamos do lado dos realizadores e, em particular, do lado de Terry Gilliam. Desta última vez, os problemas foram causados pelas ações de um produtor que mostrou a sua verdadeira face de uma vez por todas durante este acontecimento e que nos ameaçou, através do seu advogado, com uma 'derrota humilhante'", explica a organização.

"Derrota seria sucumbir às ameaças", esclarece de seguida, recordando que foram convidados dois realizadores em prisão domiciliária para apresentar os seus filmes na seleção oficial e um outro, "Rafiki,", acabou de ser censurado no seu país de origem, o Quénia.

“O Festival de Cannes, apesar de estar ao corrente de todos os processos, decidiu ignorar as decisões dos Tribunais e foi por essa razão alvo de um processo de interdição. É indecente, para não dizer abjeto, que o Festival de Cannes, para se justificar, compare a situação de Terry Gilliam, que se recusa a respeitar decisões judiciais num Estado de Direito, à dos realizadores vítimas de repressão e censura nos seus países”, realçou por sua vez Branco.

Em causa está uma ação de interdição interposta pelo produtor português, através da produtora Alfama Films, para impedir que o festival de Cannes exiba o filme de Terry Gilliam no encerramento desta 71.ª edição.

Por decisão judicial do Tribunal de Paris, está marcada uma audiência para a próxima segunda-feira, véspera de abertura do festival, e aí se saberá se o filme poderá ou não ser exibido.

No comunicado conjunto do presidente do festival de Cannes, Pierre Lescure, e do delegado-geral, Thierry Frémaux, é estabelecido o paralelo entre a situação de Gilliam e a de realizadores como a queniana Wanuri Kahiu, que viu o seu filme ser proibido no país de origem.

“O Festival de Cannes esquece assim que sem os produtores, que assumem os riscos financeiros, nem os filmes, nem o Festival existiriam. Durante 16 anos, de 2000 a 2016, Terry Gilliam não arranjou um único produtor que tenha aceite retomar este projeto. Se o filme existe hoje, é graças ao trabalho e aos investimentos realizados pela Alfama Films Production e Paulo Branco, quando já ninguém acreditava neste projeto”, acrescentou o comunicado do produtor.

O festival, noutra passagem do comunicado, referiu que não estava a forçar a questão, como defendeu um represente legal de Paulo Branco, e carregou no tom: "Toda a nossa profissão sabe que 'forçar a questão' tem sido sempre o método preferido do senhor [Paulo] Branco e devemos recordar que ele organizou uma conferência de imprensa há alguns anos onde acusou o Festival de Cannes porque não tinha mantido 'a promessa de selecionar' um dos seus filmes. Esta foi uma acusação que não chegou a lado algum porque o Festival não faz promessas de selecionar filmes: ou os seleciona ou não. Hoje, o senhor Branco permitiu ao seu advogado fazer declarações intimidatórias e difamatórias, tão irrisórias quanto ridículas, uma das quais tem como alvo o antigo presidente de um evento que ele usou ao longa da sua carreira para criar a sua própria reputação."

No centro desta polémica está pelo menos um processo judicial que opõe o realizador Terry Gilliam ao produtor Paulo Branco, por causa do filme "O Homem que Matou D. Quixote".

O projeto chegou a contar com produção de Paulo Branco, mas Terry Gilliam acabou por não concretizar a parceria, alegadamente por problemas de financiamento, optando por trabalhar com outra produtora portuguesa, a Ukbar Filmes.

Terry Gilliam pediu a anulação do contrato de produção com a produtora Alfama Films, de Paulo Branco, mas, no ano passado, o Tribunal de Grande Instância de Paris declarou que aquele continua válido.

"Continuo a ter os direitos sobre o filme e será difícil que a situação seja revertida. A decisão de 15 de junho, que foi comunicada, não resolve nada. Há ainda um processo no Reino Unido", disse Paulo Branco à agência Lusa no passado dia 4 de abril.

Nesse dia, Pandora da Cunha Telles, da Ukbar Filmes, explicou à agência Lusa que este processo "não inviabiliza nem a exploração comercial nem a circulação do filme".

Sobre este processo está marcada para 15 de junho uma audiência no Tribunal de Recurso em Paris na qual será conhecida a sentença sobre a possível indemnização do cineasta ao produtor português, por causa de direitos sobre o filme.

"O Homem que Matou D. Quixote", um projeto antigo de Terry Gilliam, é uma coprodução entre Portugal, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra, com um orçamento de cerca de 16 milhões de euros, que teve filmagens em Portugal.

À Lusa, Paulo Branco recordou que "os direitos do filme ainda pertencem à Alfama Films" e disse estar há pelo menos dois anos "disposto a sentar-se à mesa" para negociar com o realizador.