Criado por uma mãe com problemas mentais, o cineasta britânico Sam Mendes afirma que o teatro e o cinema foram a sua verdadeira família na juventude.

Uma realidade complexa que ele mostra no seu novo filme "Império da Luz", que era para ter estreado nos cinemas portugueses a 23 de fevereiro, mas ficou sem data pouco depois de só ter conseguido uma nomeação para os Óscares de 12 de março, na categoria de Melhor Fotografia.

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"Não cresci numa família funcional. Portanto, as famílias que conheci na juventude foram o teatro, o cinema e o desporto, as equipas pelas quais joguei", recorda o realizador de 57 anos em entrevista à France-Presse.

"Império da Luz" conta a história de uma mulher bipolar de meia idade, papel de Olivia Colman, que administra, da melhor maneira possível, um cinema numa pequena cidade do litoral britânico no final dos anos 1970.

O seu chefe (Colin Firth) tem um caso extraconjugal com ela. Apenas a equipa do cinema a apoia, até que a chegada de um novo funcionário, um jovem negro (Micheal Ward), vira a sua vida de cabeça para baixo.

"Neste filme, o cinema é uma espécie de encruzilhada para pessoas, gerações, que de outra forma nunca se veriam. E adoro isso. Essa é definitivamente a minha experiência", explica.

Decisão estratégica

Formado no teatro, ao qual sempre volta depois de rodar um filme, Mendes ganhou popularidade com "Beleza Americana" em 1999, que lhe valeu o Óscar de Melhor Realização.

Em "Revolutionary Road" (2008) apresentou outra descrição dura da classe média americana.

Depois vieram dois filmes do agente 007 ("007: Skyfall" e "007: Spectre") e, em 2019, uma longa-metragem que lhe rendeu ótimas críticas e uma chuva de prémios: "1917", um imponente fresco sobre a Primeira Guerra Mundial.

Para "Império da Luz", adota um ritmo bem mais lento, um tom intimista.

"Fazer um filme nem sempre é uma decisão estratégica. Às vezes, sentimo-nos compelidos a contar a história", explica.

Mendes reconhece que havia chegado o momento de abordar esta parte decisiva do seu passado.

Uma mãe cheia de vida

"Ela era uma boa mãe, cheia de energia, cheia de vida. Mas tinha aquela doença... ela ficava louca, loucamente feliz", explica.

"Ela não conseguia dormir, começava a ter alucinações. Era levada ao hospital e medicada. Quando voltava, tinha engordado, tinha perdido a autoestima. E o ciclo recomeçava", narra.

Filho de pais divorciados, Mendes passou a infância entre a casa da mãe e a do pai.

"Comecei a entender que ela estava doente, que era um ciclo, quando cheguei à adolescência. Mas quando se é criança, tudo desmorona" a cada crise, confessa.

Estas experiências "transformaram-me num observador, alguém reservado e que se preocupa com os outros", acrescenta.

Mendes começou a escrever argumentos e a dirigir os seus primeiros trabalhos ainda como estudante. Comandar uma equipe de filmagem, ou uma companhia de teatro, não é muito diferente de cuidar de alguém com problemas, diz ele a rir.

"É tudo uma questão de observar e controlar, sabe? Você constrói um universo alternativo que, ao contrário da sua vida, você pode controlar", explica com um sorriso na conclusão da entrevista.