Vários cineastas brasileiros homenageados esta semana pela 31.ª edição do Festival francês Biarritz América Latina, esperam que a primeira volta das eleições presidenciais no próximo domingo permita "que acabe, enfim" o período Bolsonaro.

Para o bicentenário do país, que conquistou a sua independência de Portugal em 1822, o festival no sudoeste da França optou por dar carta branca ao realizador Kléber Mendonça Filho.

O recifense, coroado em 2019 com o Prémio do Júri em Cannes por "Bacurau", apresenta em Biarritz "toda a assimetria do Brasil", "a sua beleza, a sua feiura, sua confusão" através de 10 longas-metragens e 14 curtas-metragens.

Sem esquecer "a sua violência política", traduzida pela "intolerância normalizada" desde a chegada ao poder, em 2018, do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, estima.

"Um milhão de armas de fogo foram legalizadas e cada cidadão pode ter até sete armas em casa", denuncia o cineasta.

Em julho, um membro do Partido dos Trabalhadores (PT), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi morto a tiros por um polícia pró-Bolsonaro. No início de setembro, um simpatizante do presidente matou um apoiante de Lula com 15 golpes de machado durante uma discussão política.

"Hoje existe o medo de usar símbolos ou exibir efígies", aponta Kléber Mendonça Filho, muito crítico de um Bolsonaro, cujo "grande trabalho terá sido normalizar a estupidez". A sua vitória é "impossível", recusa-se a acreditar.

"País de futuro indesejável"

"Aquarius"

As últimas sondagens creditam Lula com 47% das intenções de voto, contra 33% de Jair Bolsonaro.

"Os partidários de Bolsonaro estão numa dimensão paralela e espero que, com a derrota dele, voltem a um certo senso de realidade", continua o realizador conhecido ainda pelo filme "Aquarius".

"Será que esta gente vai acordar ou entrar numa caverna ainda mais profunda?", pergunta.

O cineasta Filipe Galvon, convidado a Biarritz pela sua mais recente curta-metragem "L'année prochaine à Tulle" [O Próximo ano em Tulle, em tradução livre), teme "uma nova desilusão".

Mesmo que Lula vença, ele "não vê como vamos sair do bolsonarismo", marcado pelo advento de uma "verdade alternativa" e de uma "conspiracionismo industrializado".

Para ele, o seu país, longe de ser "exótico", "dá sempre uma visão saturada do que pode acontecer numa democracia ocidental".

Na sua curta-metragem, o brasileiro radicado na França desde 2013 ilustra uma "sensação de déjà vu" vivida em 2018, quando esteve nos Champs-Elysées, em Paris, durante uma mobilização dos coletes amarelos.

"Foi muito parecido com os protestos de 2013 no Brasil, que começaram por causa do aumento do custo dos transportes", antes de se estender para o alto custo de vida.

Expatriado, Filipe Galvon não vislumbra um regresso ao seu país natal, este Brasil que "seria o país de um futuro indesejável", pelo qual "temos de fazer algum luto".

"Desejo uma vitória de Lula, ele leva-me a votar sem hesitação, mas temo que seja apenas um fôlego para se preparar para a luta dos próximos anos", continua.

"Teremos que reconstruir o que é a moral e a cidadania brasileira", acrescenta Kléber Mendonça Filho.