A HISTÓRIA: Passaram quase três décadas desde que o vírus da raiva escapou de um laboratório de armas biológicas e agora, ainda numa quarentena implacavelmente imposta, alguns encontraram forma de existir entre os infetados. Um desses grupos de sobreviventes vive numa pequena ilha ligada ao continente por uma única passagem fortemente defendida.

Quando um membro do grupo deixa a ilha numa missão no coração sombrio do continente, descobre segredos, maravilhas e horrores que transformaram não apenas os infetados, mas também outros sobreviventes.

"28 Anos Depois": nos cinemas desde 19 de junho.


Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).

Confesso, com alguma vergonha cinéfila, que nunca tinha visto "28 Dias Depois" (2002), nem a sua sequela "28 Semanas Depois" (2007), até à semana passada.

Esta lacuna foi preenchida com bastante entusiasmo, dado o impacto duradouro do filme original na história do cinema moderno e na revitalização do subgénero zombie, algo que se tornaria um fenómeno cultural durante as décadas seguintes. O clássico de 2002 revelou-se uma obra muito mais humana e profunda do que inicialmente esperava, com uma abordagem crua e realista que ainda hoje se destaca. A sequela expande eficazmente o mundo apocalíptico, mas com menos sensibilidade emocional. Sendo assim, entrei com uma perspetiva fresca para "28 Anos Depois", o tão aguardado terceiro capítulo desta trilogia pós-apocalíptica.

Realizado por Danny Boyle, com argumento de Alex Garland e cinematografia de Anthony Dod Mantle - o regresso dos artistas originais - "28 Anos Depois" passa-se quase três décadas após o vírus da raiva ter escapado de um laboratório de armas biológicas. Apesar da quarentena imposta, ainda existem sobreviventes a tentar coexistir com os infetados, nomeadamente um grupo que vive numa pequena ilha ligada ao continente por um passadiço fortemente defendido. Jamie (Alfie Williams) deixa a ilha para tentar encontrar ajuda para a sua mãe doente, Isla (Jodie Comer) e descobre segredos, maravilhas e horrores que transformaram não só apenas os infetados, mas também os restantes sobreviventes.

Começando já pelas interpretações: excecionais e elevam significativamente o material. Comer ("O Último Duelo") oferece um retrato dilacerante de uma mulher doente com falhas de memória, perdida num corpo que já não reconhece. A sua prestação é subtil, evitando dramatismos fáceis, mas profundamente sentida, captando a tragédia de alguém que vive entre momentos de lucidez e escuridão. Já Williams, numa das estreias mais notáveis de um jovem ator nos últimos anos, lidera "28 Anos Depois" com uma maturidade emocional impressionante, ainda mais louvável tendo em conta a brutalidade física do papel. A sua química com Comer sustenta os momentos mais emotivos do filme, apesar de determinados problemas narrativos não aproveitarem totalmente este potencial.

Por outro lado, Aaron Taylor-Johnson ("Nosferatu") parece algo desperdiçado num papel estereotipado, sem grande espaço para se destacar, ao passo que Ralph Fiennes ("Conclave") representa uma figura inesperadamente gentil que introduz camadas temáticas inesperadas na reta final, servindo como veículo para explorar questões de ética médica, compaixão e o legado da humanidade após o colapso social.

Do ponto de vista técnico, "28 Anos Depois" é, algo naturalmente, a entrada mais refinada da trilogia. Mantle demonstra uma evolução clara na forma como manobra a câmara, trazendo até uma criatividade bizarra com um sistema de múltiplos iPhones para capturar uma imagem de alta definição, mas sem perder a instabilidade propositadamente crua. No entanto, nunca chega ao ponto de causar confusão ou distração, como nas obras anteriores. A composição de planos é mais cuidada e existem momentos de verdadeira beleza, como as silhuetas de infetados a correrem sobre colinas ao pôr-do-sol ou os vastos campos vazios que reforçam a solidão do mundo apocalíptico. A tensão constrói-se de forma visual, sem recorrer ao clássico "jumpscare".

A banda sonora composta por Young Fathers aproxima-se mais de uma linguagem orquestral, com arranjos emocionais que, em certos momentos, substituem com eficácia a ausência de diálogo. Particularmente no clímax, há uma tentativa evidente de tocar nos corações dos espectadores... pena que a narrativa não ofereça razões suficientes para tais sentimentos mais poderosos.

É precisamente no argumento que "28 Anos Depois" revela as suas maiores fragilidades. Garland tenta, talvez com demasiada ambição, conjugar várias obras numa só. Existe um enredo "coming-of-age" sobre um jovem a tentar tornar-se num homem ao proteger a mãe e afastar-se do pai alcoólico e mentiroso; existe um filme de zombies violento com mortes viscerais e diversas "versões" dos infetados - lentos, rápidos, inteligentes; e ainda um estudo sociopolítico sobre nacionalismo e revisionismo histórico, com inserções abruptas de imagens de batalhas antigas e referências a políticas contemporâneas.

Até temas como a eutanásia, o aborto e a dignidade da vida humana surgem - com pouca preparação - dando a sensação de uma salada temática onde tudo é importante, mas nada é desenvolvido com a profundidade que merecia. Garland já demonstrou, em filmes como "Ex Machina" (2014) ou "Aniquilação" (2018), que gosta de provocar e desafiar, mas aqui a sua abordagem fragmentada prejudica a coesão da narrativa.

O final é particularmente divisivo. Existe uma longa sequência catártica, mas que acaba por não resultar totalmente devido à escassa construção relacional entre Jamie e a sua mãe. As lágrimas que deviam escorrer ficam retidas pela sensação de que não conhecemos estas personagens o suficiente. Dito isto, são os últimos dois minutos que deixarão a vasta maioria do público absolutamente perplexo.

Para um público não britânico - e até, possivelmente, para uma pequena parte do mesmo - esta conclusão parece uma paródia. Um momento tonalmente dissonante, demasiado estilizado e inexplicável, que mais parece ter sido retirado de um 'sketch' cómico do que de um drama apocalíptico. Após alguma pesquisa, descobre-se que é uma referência cultural a uma figura criminosa do país, simbolizando o ciclo da violência e decadência, mas mesmo com esta contextualização, a execução continua a parecer despropositada e forçada.

Conclusão

"28 Anos Depois" é uma obra imperfeita, mas admitidamente corajosa, sendo uma adição válida à saga. É mais polida tecnicamente, possui performances de excelência e, mesmo com alguns riscos narrativos a saírem ao lado, a ambição temática é louvável, ainda que falhe na integração de todos os seus elementos num todo coerente. Danny Boyle e Alex Garland comentam sobre o estado do mundo moderno – da crise de identidade nacional até à ética da sobrevivência humana - oferecendo momentos de grande intensidade, questionamentos morais relevantes e uma realização visualmente marcante. Não sendo totalmente satisfatório, deixa uma curiosidade assertiva sobre a sequela direta que chega dentro de poucos meses.