A Minha Vida com John F. Donovan
"A Minha Vida com John F. Donovan" é uma carta aberta do realizador Xavier Dolan a si próprio. À sua versão adolescente, fascinado por Leonardo DiCaprio e em busca de um porto seguro para com a sua homossexualidade.
Foi assim que o próprio descreveu o seu sétimo filme, quando, empolgado, mostrava a sua correspondência trocada com o actor norte-americano. O primeiro em inglês, em que faz um sumário egocêntrico dos seus temas chave, como a alienação homossexual, a debilidade entre as relações mãe e filho, a solidão das celebridades e e a luta e crença para cada um continuar a ser verdadeiro consigo próprio.
Conseguiu-o, exacerbando a sua premissa "fanboy": "A Minha Vida com John F. Donovan" narra o conteúdo da correspondência entre o adolescente Rupert e uma estrela da TV americana, uma década após a sua morte.
Guiados pela entrevista que a jornalista Audrey (Thandie Newton) faz a Rupert (Ben Schnetzer), entretanto já adulto e escritor, Dolan mostra-nos cenas da vida de Donovan (Kit Harington), como o seu casamento fachada, o romance homossexual, o relacionamento com a sua mãe alcoólica (Susan Sarandon), e de Rupert aos 11 anos, a procurar ajustar-se à vida de Inglaterra e à sua sexualidade, sem o apoio da mãe (Natalie Portman).
Ambos têm um caminho repleto de obstáculos para percorrer. E de acordo com Dolan, o escape e a superação para ambos está na partilha destas cartas escritas à mão, com uma metafórica tinta verde. Que, como vemos, não teve o final esperançado.
Apesar dos temas familiares, o resultado fica distante do nível a que o realizador nos habituou: melodrama exuberante minado de artifícios de câmara e "slow-motions" descabidos, "A Minha Vida com John F. Donovan" é vazio, confuso, a "mostrar" o que se perdeu na sala de montagem, onde 300 páginas de argumento foram retalhadas ao ponto de omitir por inteiro uma personagem a cargo de Jessica Chastain. Enquanto isso, Kit Harington, no papel principal, é insípido e um peão empurrado pelos restantes atores, todos eles demasiado bons para este exercício de indulgência altiva.
Esta condescendência tem também representação estilística na forma como Dolan escolhe as músicas: “Stand by Me” para um reencontro chuvoso entre mãe e filho, o uso de "Rolling in the Deep", de Adele, ou “Bittersweet Symphony”, dos The Verve, são truques simplistas que nos fazem crer que o cineasta não acredita na nossa capacidade de perceção emocional.
É frustrante a abordagem do canadiano para explorar temas como a dificuldade de se ser gay em Hollywood ou a procura do verdadeiro eu, quando os tabloides indicam o que cada celebridade é ou devia ser. Mas o argumento também funciona assim, como uma afirmação ríspida, em que as personagens são dotadas de arrogância e prepotência, esfregando-nos na cara o que pensar e acusando-nos do que não conseguimos enxergar.
No final de "A Minha Vida com John F. Donovan", uma questão é colocada: “O que devemos saber de um artista e o que é que ele deve revelar?”. Dolan responde às suas próprias perguntas da forma como imaginava e, esquecendo-se de nós, não fez mais do que materializar o seu delírio de infância.
"A Minha Vida com John F. Donovan": nos cinemas a 1 de novembro.
Crítica: Daniel Antero
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