À Solta na Internet
A HISTÓRIA: Três atrizes, três quartos de criança, 10 dias e 2458 predadores sexuais. Uma experiência que lança uma luz sobre a questão da exploração online de crianças. Três atrizes, maiores de 18 anos, mas com ar bem juvenil, fazem-se passar por meninas de 12 anos em falsos perfis nas redes sociais. Em quartos de criança recriados num estúdio, elas conversam através de chats e de Skype com homens de diferentes idades que as procuraram e contactaram online. A maioria destes homens pede-lhes vídeos sexuais e enviam-lhes fotos suas bem explícitas. Alguns até tentam chantageá-las.
"À Solta na Internet": nos cinemas a partir de 28 de outubro.
Crítica: Hugo Gomes
Um termo que se popularizou com a conexão cada vez mais fulcral via online foi “catfish” [peixe-gato], a atividade de alguém que recorre ao engodo das identidades falsas, "isco" se quisermos, para se aproveitar ou enganar alguém através das ferramentas virtuais. Para os mais atentos, “Catfish” é também um programa transmitido pela MTV de grande popularidade em que uma equipa de investigadores auto recreativos tenta desmontar precisamente esse esquema e os seus utilizadores.
O documentário “À Solta na Internet” aproveita muito bem essa gíria: todo ele é uma farsa, um filme dentro de um filme, para nos provar ou simplesmente demonstrar os perigos da internet, principalmente aos mais novos, e como estes podem facilmente ser manipulados e arrastados para a teia de pessoas perversas. Toda a sua ideia parte da construção de um gigantesco isco, o de atrizes contratadas para encarnar "miúdas de 12 anos" em cenários minuciosamente elaborados para atrair a escória que povoa essa “world wide web”.
Poderíamos tecer aqui ensaios éticos quanto à jogada dos realizadores checos Barbora Chalupová e Vít Klusák, muito bem explícita e detalhada, ou do desfoque parcial da face dos “perversos” que abordam as jovens (os olhos e a boca mantêm-se intactos, construído assim um retrato demonizado e agonizante), vampiros que sugam a sua inocência através de um convidativo mundo de experiências prometidas. Mas “À Solta na Internet” parte de um dos termos mais antigos do cinema, a mentira, para concentrar um manual para pais e sociólogos e também ser um gesto de moralidade justa e vingativa, da mesma forma que, ainda que em maior escala, Joshua Oppenheimer colocou uma farsa ao serviço de uma denúncia de assassinos e carrascos de um genocídio silencioso na Indonésia em “O Ato de Matar” (2013).
Este retrato facilmente poderia cair nos extremos da parcialidade ou da imparcialidade do tema e da sua interpretação, mas “À Solta na Internet” não deseja ser uma ‘coisa’ nem outra, e sim uma advertência-choque que não exclui as discussões. Nesse sentido, um documentário que nos inquieta e que deixa acessível todas as suas ferramentas para um eventual debate tem o seu valor.
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