A HISTÓRIA: Al Capone, um cruel empresário e contrabandista de bebidas que governou Chicago com mão de ferro, foi o gangster mais famoso e temido na história dos EUA. Aos 47 anos, após quase uma década na prisão, a demência deteriora a mente de Capone, e o seu passado torna-se presente. Memórias angustiantes das suas origens violentas e brutais fundem-se com a sua vida real. Enquanto passa o seu último ano rodeado pela família, com o FBI à espreita, o debilitado patriarca luta para se recordar da localização dos milhões de dólares que escondeu na sua propriedade.

"Capone": nos cinemas a 30 de julho.


Crítica: Daniel Antero

Depois de explorar modificações corpóreas superlativas e sobrenaturais com "Crónica" (2012) e uma nova versão de "Quarteto Fantástico" (2015), onde as personagens se confrontavam com poderes e abriam novos episódios nas suas vidas, o realizador Josh Trank trilha agora o último capítulo de uma figura de poder, sobranceira e aterrorizante: Al Capone.

Estamos em 1947 e Capone, ou Fonzo, como apelidado pela família que o rodeia, sofre de neuro sífilis. Libertado da prisão, recolhe-se agora na sua mansão da Flórida, onde um pantanal visitado pontualmente por crocodilos espelha a sua mente lamacenta, por vezes rodeada de verdade, mas noutras alucinada por inimigos, aliados e filhos abandonados.

Enquanto coloca Capone em guerra com o passado que se lhe resvala, Trank mostra como a decadência do estado mental pode colher os podres das nossas escolhas e trazer consequências prolongadas a um envelhecimento que reduzirá o homem aos seus instintos e necessidade primários.

Neste percurso de memória que ocorre durante um ano, o realizador opta por não dramatizar as antigas conquistas do famoso gangster. Eventos mais cinematográficos da sua saga - o Massacre de São Valentim ou a sua prisão luxuosa em Alcatraz - não têm lugar aqui, dando antes espaço à ruína da memória e do mito.

E que ruína. O actor Tom Hardy encarna Capone como uma caricatura grotesca de um vilão de "Dick Tracy", encapsulada num rosto de olhos sangrentos e pele lívida, cheio de próteses difíceis de assimilar.

Por outro lado, as suas linhas de diálogo são grunhidos ininteligíveis, que funcionam com a sua própria lógica interna, e os seus gestos um espectáculo de grandiosidade tosca.

Há algo selvagem e bizarro na forma magnética como este filme nos cativa a atenção, mesmo quando assumimos as deficiências de maquilhagem e a "tour de force" mais cómica do que eficiente do ator principal. Como num gabinete de curiosidades onde vagueamos sempre em busca de algo ainda mais excêntrico do que a peça anterior.

Que Trank e Hardy eventualmente nos dão, através do corpo frágil e inchado de Capone, onde o rosnar e os olhares trazem flatulência e escatologia numa tentativa de subtexto demasiada gratuita para ser eficaz.

O realizador procura ainda compor um registo surreal e uma viagem ao desvanecer da mente, enquanto navega nas margens delirantes de David Lynch (o actor Kyle MacLachlan e o director de fotografia Peter Demmings são habituais colaboradores do cineasta de "Mulholland Drive"), ou de Martin Scorsese e o seu "Shutter Island", procurando justificação para o descontrolo.

Embora o propósito seja evidente, o descompasso nos maneirismos que Hardy apresenta, de tom exagerado e imprevisível, acaba por nos alienar do trabalho de Trank, fazendo-nos sentir vergonha alheia da miséria existencial e corpórea de "Capone" e das escolhas artísticas do actor inglês.