A HISTÓRIA: Um filme Pixar passado na Cidade Elemento, onde os residentes de Fogo, Água, Terra e Ar vivem em conjunto. A história apresenta Chispa, uma jovem perspicaz e impetuosa, cuja amizade com um rapaz divertido, sentimental e descontraído, chamado Nilo, desafia as suas crenças sobre o mundo em que vivem.

"Elemental": nos cinemas a partir de 13 de julho.


Crítica: Francisco Quintas

Graças ao pulo da animação tridimensional, durante os anos 90, a Pixar depressa cimentou uma reputação de respeito entre as produtoras de animação que começavam a concorrer com a Disney.

Tal mudança no paradigma do entretenimento global concretizou-se, também, com uma abordagem narrativa ligeiramente diferente. A verdade é que o género da animação, em prol de um tom consentâneo com todas as idades, “family friendly”, ostenta uma premissa predileta: a personagem principal pequena em descoberta ou confronto com um mundo gigante e assustador.

Embora não completamente desfasada desta ideia, foram obras como “Toy Story” (1995), “Monstros e Companhia” (2001) e “À Procura de Nemo” (2003) que permitiram à Pixar criar uma imagem de marca distinta, face às histórias habitualmente românticas e fantasiosas da Disney. Contudo, após quase 30 anos de inúmeros sucessos comerciais e artísticos, não se pode (mais) afirmar que "em equipa que ganha não se mexe".

Há alguns anos que a Pixar é a maior concorrente de si própria, no sentido em que batalha contra uma certa previsibilidade que já se tornou difícil de ignorar para o fã acérrimo ou até mesmo o público casual. Por mais divertidas, charmosas e visualmente apelativas que as histórias mais recentes consigam ser, suspeita-se de uma excessiva adesão a jogadas do passado.

É prematuro concluir, no entanto, se tal se deve a uma falta de imaginação ou à mão matreira da Disney. Relembre-se que a casa do Rato Mickey adquiriu a Pixar em 2006 por aproximadamente sete mil milhões de dólares, visando uma cooperação produtiva. Parece dar-se, agora, o oposto: uma Pixar desleixada e controlada pela empresa-mãe.

Isto para dizer que “Elemental” ocupa um assento pouco lisonjeiro na filmografia do estúdio, superando somente “Carros 2” (2011) e “A Viagem de Arlo” (2015). Este último, aliás, também sendo da autoria de Peter Sohn, realizador a quem, estranhamente, optaram por entregar um guião carregado de possibilidades únicas. Guião esse escrito a oito mãos: as do próprio Sohn e de escritores estreantes.

Acusando, mais uma vez, insensibilidade em animação, Peter Sohn rege-se por uma fórmula embaraçada, repleta de momentos apressados, autoexplicativos e, por vezes, melodramáticos. É incompreensível que se subestime a inteligência do público infantil, presumindo a incapacidade deste de acompanhar a trama e as emoções das personagens. Talvez o erro mais alarmante num filme desta natureza.

"Elemental" será, inclusive, um dos títulos da Pixar com o humor mais repetitivo, a maioria correspondente a personagens secundárias de uma nota só. Lentamente, este torna-se ineficaz e intruso de muitas cenas que se desejavam subtis e até silenciosas. Reitere-se: uma criança consegue perfeitamente entender o que vai na mente de uma personagem sem que lho digam a toda a hora.

Felizmente, o filme também reabre a janela para a sofisticação e criatividade audiovisual do estúdio, assim como o engenho para recrutar jovens talentos. Nesta alegoria sobre a ignorância e o preconceito segregados em sociedade, a dupla principal, na versão original, composta por Leah Lewis e Mamoudou Athie, encarna as personagens com brio dramático.

Não existe, por sua vez, grande esforço em contornar obstáculos expectáveis de uma história de amor proibido aos olhos de família e comunidade, nem sequer um olhar sobre a génese da Cidade Elemento, pelo menos um que vá além do humor envolto dos variados habitantes.

Justiça seja feita. A receção pouco alegre de um produto da Pixar é, felizmente, um fenómeno incomum. A esmagadora parte do seu portefólio continua a servir de referência e a habitar corações cinéfilos. Encarando o comodismo como o novo supervilão de uma história de adormecer, é meio caminho andado para se expurgar a medianidade.