Poderá soar descontextualizado, mas vamos desenhar uma linha reta a unir esta "Greta - Viúva Solitária", o mais recente filme de Neil Jordan, e o imensamente debatido “A Vila”, de M. Night Shyamalan.

O filme de 2004, semi-fracasso nas bilheteiras norte-americanas e completamente arrasado pela crítica local, apresentava-se como uma parábola a uma América pós-11 de setembro, inteirado numa paranoia e cultura de medo ao suposto perigo vindo do lado de fora da fronteira. Com isto era uma América desconfiada e que tudo faz para manter os seus cidadãos numa imaginária redoma. Não é novidade que essa mesma cultura suscitou o país de hoje, que também teve algumas repercussões no resto do mundo.

Mas onde entra "Greta - Viúva Solitária" nisto tudo? Certamente que entre os dois filmes surgiram outros exercícios de tais parábolas e representações fílmicas, mas "Greta" instala-se num cenário onde a dita cultura do medo encontra-se enraizada nos genes destes habitantes. Até porque este "thriller" parte de uma simples premissa: "castigo aos bons samaritanos".

Frances McCullen (Chloë Grace Moretz) é essa ingenuidade em pessoa que, eventualmente, será atormentada pela prática do civilmente correto. A jovem, recém-chegada a Nova Iorque, depara-se com uma bolsa perdida numa das carruagens do metro que apanha diariamente. Apesar da desaprovação da amiga e colega de apartamento (Maika Monroe), Frances decide entregar a mala em mãos da pessoa que a perdeu, uma tal Greta Hideg (Isabelle Huppert).

Depois do ato generoso, Frances encara Greta como uma viúva solitária e portanto, está determinada a criar laços com a mulher, desconhecendo o seu passado e porque não… presente.

O que vem a seguir é a citação de todo uma lista de características "stalker", com Huppert a realçar uma resumida personagem-fusão da sua carreira, nomeadamente, buscando as variações estabelecidas pelas suas presenças nas obras de Michael Haneke (“A Pianista”, “Final Feliz”), Paul Verhoeven (“Ela”) e Hal Hartley (“Amador”). Escusado será afirmar que é ela, mesmo sob um certo automatismo, o grande vetor de um filme que se irá barricar nos convencionais códigos dos contos-psicopatas ou dos "jumpscares" imensamente invocados no género.

Nesse sentido, a viagem cinematográfica faz-se pelo menor esforço por parte de Neil Jordan e longe de imprevisibilidades que nos valha.

Contudo, voltando ao ponto inicial, essa cadeia do medo do "estrangeiro" e da “anormalidade” que perturba o nosso quotidiano, a bolsa encontrada e reavida vai contra os princípios implementados nos EUA pós-11/09, que dava (e continua a dar) enfoque à vigilância. "If you see something, say something" [“se vir alguma coisa, diga alguma coisa”], assim era o lema lançado pelo Departamento de Segurança Interna. Acrescentar a isso, a escolha da francesa Huppert como uma estrangeira antagonista, a "serpente" a desvirtuar as qualidades do "bom americano".

Porém, “A Vila” era uma obra para refletirmos sobre tais elementos, enquanto que "Greta - Viúva Solitária" é o inconsciente gerado por essas partituras.

"Greta - Viúva Solitária": nos cinemas a 11 de abril.

Crítica: Hugo Gomes

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