Não era distintivamente perfeito, mas em 2002, Sam Raimi conseguiu ultrapassar um dos maiores tabus do cinema espetáculo e concretizar uma adaptação viável e coerente do universo do Homem-Aranha.

Protagonizado por Tobey Maguire e tendo Willem Dafoe como o antagonista Duende Verde, o primeiro "Homem-Aranha", de 2002 e hoje convertido pelas “areias do tempo” num exercício "camp", percorria os lugares-comuns do subgénero dos super-heróis.

Homem-Aranha 2

A sofisticação surgiria dois anos depois, com uma sequela musculada mas que cujo êxito vinha de uma clara mudança de holofote: o Homem-Aranha não era mais o epicentro da intriga, mas sim o “rapaz” por detrás da sua máscara, Peter Parker.

O resultado foi óbvio: em “Homem-Aranha 2” houve um compromisso com a dramaturgia emocional da personagem, auferindo um quê de existencialismo, a juntar obviamente, aos efeitos visuais de topo (para a época) e um carinho especial pelo seu vilão de serviço, aqui o Doctor Octopus, encarnado por Alfred Molina.

Passemos à frente em "fast forward": um terceiro filme aconteceu com umas intervenções do estúdio Sony que transformou algo promissor numa barafunda narrativa e Sam Raimi e os atores recusaram continuar para um quarto; passam-se cinco anos e há um "reboot" com Andrew Garfield, agora "O Fantástico Homem-Aranha", e depois um segundo capítulo que não correu tão bem como se esperava.

Finalmente, a Sony "emprestou" os direitos à Marvel/Disney e o “aranhiço” chegou a tempo de integrar a equipa dos Vingadores, perdendo a sua essência de herói proletário (apesar de ser constantemente mencionado como tal), assim como toda a carga trágica que caracterizava as anteriores variações.

Dentro e fora de "casa", este Homem-Aranha, com Tom Holland carismático como sempre, é um mero servente do militarismo em que estão enraizados muitos destes heróis ao serviço da Disney. E isso é frustrante em "Homem-Aranha: Longe de Casa", visto que, depois dos eventos de “Vingadores: Endgame”, esperava-se uma introspecção da personagem, assim como uns “pozinhos” de existencialismo. Ainda para mais quando estamos a lidar com um herói adolescente em constante deambulação pelas tramas generalizadas da sua idade.

Por tudo isso, este pingarelho percurso heroico de um jovem deprimente se resume somente a uma coisa: o fato. Porque todas as soluções para os nossos problemas são resolvidos pelo fascínio do armamento, do "high-tech" assumido como "easter egg" para subtilmente induzir-se no "merchandising", que torna este “Longe de Casa” inconsequente e farsolas na tentativa de insuflar complexidade.

Se isto são apenas meros tostões (afinal, não se esperava outra coisa nesta saga), o resto oscila entre os tiques da pura comédia romântica adolescente (com jovens estereotipados e ridicularizados em caricaturas histéricas), a repetição das temáticas de "Homem-Aranha: Regresso a Casa" e um enredo previsível para quem está familiarizado com a fórmula Marvel com mais de 10 anos de existência.

“Homem-Aranha: Longe de Casa” era tudo aquilo que esperávamos neste tipo de produção: um exercício sem personalidade, refém do seu universo partilhado, oleado e formatado como código binário da linguagem pretendida pela Marvel / Disney. A infelicidade é que este é um dos capítulos mais inúteis, onde nada é acrescentado nem retirado, para além do novo “exoesqueleto” do super-herói.

Fica ainda o aviso aos amantes do super-herói no grande ecrã: existe uma surpresa reservada numa das cenas pós-créditos. Pequenas felicidades, ainda que em pequenas prestações.

"Homem-Aranha: Longe de Casa": nos cinemas a 4 de julho.

Crítica: Hugo Gomes

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