A HISTÓRIA: Um "thriller" psicológico que é uma extensão do último álbum de The Weeknd (Abel Tesfaye), que interpreta o papel de um músico famoso atormentado pela insónia e por uma crise emocional. Durante uma noite muito turbulenta, é levado numa odisseia com uma fã misteriosa que começa a desvendar o cerne da sua existência.

"Hurry Up Tomorrow": nos cinemas desde 15 de maio.


Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).

"Hurry Up Tomorrow" é realizado por Trey Edward Shults ("Ele Vem à Noite"), cineasta que aqui colabora com Abel "The Weeknd" Tesfaye e Reza Fahim ("The Idol") no argumento. Protagonizado por Jenna Ortega ("Beetlejuice Beetlejuice") e Barry Keoghan ("Os Espíritos de Inisherin"), com o próprio Tesfaye a assumir uma versão ficcionalizada de si mesmo no papel central, o filme conta a história de como o músico famoso é atormentado por insónias e pesadelos, atravessando uma crise emocional. Durante uma noite turbulenta, conhece Anima (Ortega), uma fã misteriosa que o leva numa viagem que desafia tudo o que ele conhece de si próprio e lhe permite desvendar o cerne da sua existência.

"Hurry Up Tomorrow" promete uma odisseia audiovisual intensa, navegando temas como a depressão, a fama e a auto-expressão artística. No entanto, apesar do talento presente tanto à frente como atrás das câmaras, o resultado final revela-se incrivelmente frustrante - um exercício estilizado até à exaustão que, ironicamente, carece de subtexto impactante, coerência e, acima de tudo, emoção genuína.

Logo à partida, é inegável o esforço visual do diretor de fotografia, Chayse Irvin ("Blonde"). Silhuetas recortadas contra luzes pulsantes, composições em ângulos instigantes e um uso ousado de cores e desfoques oferecem à obra um estilo visual distintivo. Dito isto, tal como a maioria dos elementos de "Hurry Up Tomorrow", o excesso revela-se rapidamente como um problema. O recurso incessante a câmaras tremidas, lentes desfocadas e repetições estéticas torna a experiência visual não só cansativa, como também desconcertante. Shults e Irvin parecem constantemente tentar hipnotizar os espectadores através de um nublado estilístico, mas o efeito perde-se pela repetição e falta de progressão narrativa.

Aliás, é precisamente na narrativa que "Hurry Up Tomorrow" colapsa. Durante grande parte da sua duração, o público é atirado de cena em cena sem qualquer bússola emocional ou lógica dramática. As sequências de sonho e alucinatórias - muitas vezes sob o efeito de substâncias ou simbolismos metafóricos - parecem ter sido concebidas mais como videoclipes de música do que como peças de uma história coesa. Não existe uma verdadeira exploração de personagens, nem uma evolução temática palpável. Tudo parece girar em torno do personagem de Tesfaye - um protagonista tóxico, egocêntrico e emocionalmente inacessível - sem que a obra se preocupe em criar qualquer empatia ou compreensão à sua volta.

O terceiro ato oferece talvez o momento mais revelador das intenções de "Hurry Up Tomorrow", mas não pelos melhores motivos. Numa longa cena de exposição, um determinado monólogo tenta justificar os sentimentos e ações do protagonista através de uma leitura dramática - ou mais melodramática - das suas próprias letras musicais. Ortega demonstra todo o seu talento e dedicação nessa sequência, talvez o momento mais honestamente interpretado de toda a obra, mas nem a sua entrega é capaz de mascarar o tom narcisista que contamina o clímax. Sabe mais a um momento de validação pública disfarçado de catarse emocional. É uma tentativa desesperada de convencer a audiência de que a dor expressa nas canções de Tesfaye possui um valor universal e profundidade poética - quando, na realidade, o guião limita-se a repetir a ideia superficial de "fui deixado por uma rapariga, por isso estou deprimido".

Este tratamento redutor de temas tão complexos como a saúde mental e a depressão é, talvez, o aspeto mais lamentável de "Hurry Up Tomorrow". Ao invés de explorar verdadeiramente as camadas emocionais e psicológicas das personagens, o argumento opta por uma superficialidade revestida de pretensiosismo. A dor é apresentada como estética, não como experiência humana. O sofrimento torna-se um artifício visual e lírico, esvaziado de empatia ou reflexão.

Ortega e Keoghan mereciam muito mais do que esta viagem sem rumo. As suas personagens, tal como todas as outras ao longo do filme, encontram-se envolvidas por uma toxicidade latente que nunca é desconstruída ou desafiada. Não há redenção, não há crítica, não há transformação - apenas um acumular de comportamentos autodestrutivos glorificados por uma câmara demasiado apaixonada pelo seu protagonista.

Estruturalmente, "Hurry Up Tomorrow" é um verdadeiro labirinto de intenções falhadas. A montagem parece querer provocar um estado de transe, mas rapidamente se transforma num exercício de paciência. As transições abruptas, a ausência de ritmo dramático e a indecisão entre o que é real e o que é imaginado tornam a experiência cansativa. A reflexão nunca se concretiza. Tudo fica na superfície: a imagem do artista torturado, a festa interminável como metáfora do vazio, a mulher como figura de desejo e abandono. Não existe questionamento, apenas reciclagem de clichés.

Conclusão

"Hurry Up Tomorrow" é uma das obras mais confusas e frustrantes do ano. Um exemplo flagrante de como a forma pode afogar o conteúdo e de como o ego artístico, quando não é devidamente controlado, pode transformar uma obra potencialmente interessante num exercício de auto-indulgência vazia. Apesar de algumas qualidades visuais inegáveis e de interpretações esforçadas por parte do elenco, Trey Edward Shults e Abel "The Weeknd" Tesfaye falham a todos os níveis essenciais: narrativa, estrutura, emoção e propósito. É uma experiência obscura que deixa os espetadores perplexos e distantes. Uma oportunidade desperdiçada para todos os envolvidos.