A HISTÓRIA: Depois de perder a mãe, um homem arrisca tudo para abrir um restaurante italiano em sua honra, com um grupo local de avós ao leme da cozinha.

"Nonnas": na Netflix desde 9 de maio.


Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).

Frequentemente, dou por mim a assistir a um filme sobre o qual não sei absolutamente nada - algo já habitual, visto que evito trailers e tento entrar às cegas na maioria das situações. Por vezes, nem sequer consigo formar quaisquer expectativas prévias. "Nonnas", da Netflix, é um destes casos. Apenas tinha noção de que Vince Vaughn ("O Herói de Hacksaw Ridge") era o protagonista e, pelo título, que envolvia avós italianas.

Realizado por Stephen Chbosky ("Wonder - Encantador") e escrito por Liz Maccie ("Siren"), a obra baseia-se na história real de Joe Scaravella, um homem que, ao lidar com a perda da sua mãe e avó, decide abrir um restaurante onde senhoras idosas de descendência italiana - as "nonnas" - são convidadas para trabalhar como chefes de cozinha. Ao lado de Vaughn, o elenco conta ainda com Linda Cardellini ("Green Book - Um Guia para a Vida"), Joe Manganiello ("Magic Mike") e um grupo extraordinário de atrizes séniores que preenchem este drama culinário de coração cheio: Susan Sarandon, Talia Shire, Brenda Vaccaro e Lorraine Bracco.

créditos: Netflix

À partida, a premissa de "Nonnas" parece encaixar-se na fórmula típica de um filme "feel-good": uma história inspiradora, repleta de clichés e caminhos narrativos previsíveis. É inegável que não reinventa a roda, nem tenta desconstruir o género. No entanto, onde muitos projetos semelhantes falham em criar algo memorável, Chbosky e Maccie triunfam através da sua honestidade emocional, diálogos autênticos e um profundo respeito pela cultura italiana - não só na sua representação gastronómica, mas sobretudo na forma como abordam temas universais como o luto, a família e o legado.

O protagonista, interpretado por Vaughn - com um registo mais contido e vulnerável do que é habitual - é um dos destaques. Joe é um homem marcado pela perda, que tenta perpetuar a memória da sua "nonna" e da sua mãe através da comida e da criação de um espaço comunitário onde todos são bem-vindos. A certo ponto, uma das avós diz: "Grief doesn't have a timeline, why should we?" (em tradução livre, "O luto não tem prazo, porque havemos nós de ter?").

Este revela-se um diálogo simbólico, sintetizando o espírito do protagonista e, em certa medida, do próprio filme. A dor de Joe nunca é tratada com superficialidade, mas sim como uma força motriz para algo maior do que ele próprio: criar uma família escolhida, onde as histórias de vida, as receitas passadas entre gerações e o amor por aquilo que se cozinha se tornam nos ingredientes principais.

créditos: Netflix

O núcleo mais cativante de "Nonnas", contudo, reside precisamente nas quatro avós que, embora com passados muito distintos, se unem através da cozinha. A química entre as mesmas é contagiante, alternando entre o humor asneirento - cenas de bate-boca que arrancam gargalhadas - e momentos de profunda emoção. A cena em que as quatro partilham as suas histórias de vida ao final de um dia de trabalho é, sem dúvida, o momento mais memorável. Através de memórias, perdas, conquistas e traumas, esta sequência humaniza-as profundamente, conferindo-lhes camadas que transcendem o mero papel de "figuras ternurentas".

Até o enredo romântico secundário, que poderia facilmente ter sido descartável, torna-se essencial para o crescimento emocional de Joe. A relação entre ele e Olivia (Cardellini) é construída com base em erros do passado, numa tentativa honesta de reconciliação e cura mútua - algo raro de ver retratado com tanta maturidade neste tipo de filmes. Manganiello, por sua vez, assume o papel de melhor amigo, oferecendo um contraponto leal e cómico, mas igualmente com uma história que fala sobre os sacrifícios que fazemos por aqueles que amamos. A amizade entre ambos é sólida e convincente, contribuindo para a base emocional do seu arco partilhado.

créditos: Netflix

As sequências culinárias também merecem menção especial. Não só são visualmente apelativas - filmadas com uma luz calorosa e textura apetitosa - como também capturam o prazer quase ritualístico da preparação da comida caseira. Estas passagens reforçam a ideia de que cozinhar não é apenas um ato funcional, mas sim uma forma de transmitir amor, cultura e tradição. Em cada prato servido, há uma história contada. Em cada tempero, uma memória. Em cada molho, um segredo.

Tematicamente, "Nonnas" oferece uma exploração emocionante sobre legado - não apenas o que deixamos quando partimos, mas o que escolhemos honrar enquanto vivemos. Através da dor do luto, da partilha intergeracional e da reconexão com as raízes culturais, o filme encontra a sua alma. A cozinha é o cenário, mas o coração está nos afetos e nas relações humanas. O restaurante torna-se uma metáfora clara para o renascimento emocional de Joe, bem como um palco onde vidas distintas se juntam para formar uma nova família.

Ainda que ronde as duas horas de duração, o tempo passa relativamente rápido. Existe, é certo, uma fase no segundo ato onde a narrativa abranda e perde o bom 'momentum' que tinha. No entanto, Chbosky compensa facilmente ao demonstrar, mais uma vez, a sua capacidade de tratar temas sensíveis com empatia, sensibilidade e humanidade - um talento já evidente nos seus projetos anteriores.

No que toca a narrativas inspiradoras e reconfortantes, "Nonnas" destaca-se por conseguir conectar-se com os espectadores sem recorrer a manipulações baratas ou sentimentalismos forçados. Sim, é uma história previsível. Sim, segue uma estrutura familiar. Mas fá-lo com uma autenticidade e entrega tais que é impossível não ficar com o coração mais quente e, talvez, quem sabe, com vontade de ir cozinhar ou saborear algo da nossa infância.

créditos: Netflix

Conclusão

"Nonnas" pode não reinventar o género nem surpreender com grandes reviravoltas narrativas, mas aquilo que lhe falta em originalidade compensa com um coração gigantesco e uma honestidade emocional que ressoa muito para além do ecrã. Stephen Chbosky conduz a história com uma sensibilidade palpável, enquanto o elenco enche a obra de vida, humor e alma. É uma homenagem comovente à família, à cultura, às mulheres que nos criaram e ao poder que a comida tem de unir pessoas e curar feridas do passado. Uma carta de amor às raízes que nos moldam e à partilha que nos aproxima. Um prato simples, mas confecionado com ingredientes de qualidade, que deixa uma marca duradoura.