A HISTÓRIA: Num espaço rural, um velho homem recebe a notícia de que a sua falecida mulher foi vista a fazer compras na feira. Revoltado,pretende esconder-se de todos, despeitado e triste, mas os seus amigos insistem para que não dê ouvidos ao povo e aproveite tal facto para se fortalecer e, quem sabe, casar-se de novo.

"Surdina": nos cinemas a 9 de julho.


Crítica: Hugo Gomes

É de forma surdina que o realizador Rodrigo Areias, mas também o fundador da produtora Bando à Parte, determina como aberto, na sua totalidade, a temporada cinematográfica em Portugal. E involuntariamente, lhe dá um novo sopro de vida após quase três meses de salas fechadas.

A história de um ancião vimaranense que resiste à sua própria libertação, enquanto que um luto incentivado lhe toma conta do seu quotidiano, transforma-se a passos largos num conto sobre o desconfinamento. Claro que não foi essa a intenção do realizador, nem sequer do argumentista (o escritor Valter Hugo Mãe), mas nada se pôde fazer perante a emergência e a constante mudança do nosso Mundo.

É esse mundo que tão bem cabe em São Cristóvão de Selho, pequena localidade na freguesia de Guimarães, povoada por todo o tipo de “portugalidades”, algumas delas já esquecidas com a centralização e o enfoque das metrópoles.

Rezando aos prazeres mundanos da vida, dos “comes e bebes”, das grosseiras conversas de tasca (estas embrenhadas numa espécie de exotismo medieval, pensa o crítico da cidade), das vizinhas coscuvilheiras e das invocações do passado cada vez mais longínquo, “Surdina” constrói em tão pouco e com centralidade no seu protagonista, Isaque (António Durães, com ares de Anthony Quinn), um filme-comunidade (ou antes, filme-comunitário).

Entrevista: Rodrigo Areias fala sobre o seu “Surdina”, o "filme mártir" do pós-COVID-19
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Rodrigo Areias, produtor e um dos realizadores mais focados em dinamizar histórias no cinema nacional (basta contar o saltitar de géneros: o western alentejano de “A Estrada de Palha”, o “tuga noir” de “Ornamento e Crime”, e a tão portuguesa docuficção de “Hálito Azul”), entranha-se nas memórias geográficas e costumeiras da sua “génese”, partilhando com isso o mesmo desejo de Valter Hugo Mãe, o de tracejar um norte a esta localidade ilustrada.

No fim de contas, é isso mesmo, um relato sobre a nossa superação, idealizada no corpo de uma mulher de felicidades passadas que liberta pássaros enjaulados e sugere a matança de “monstros” que grunham pela sua intima miséria.

“Surdina” é um pequeno filme, castiço, embelezado e um tanto rural. Poema bucólico que constrói para lá das imagens (fotografia de Jorge Quintela), onde a sonoridade de Tó Trips funciona como “grilo da consciência” para este Isaque.

Para além da inserção emocional ao filme, a música tem um outro papel, é uma das peças para uma arquitetura maior, a de um pedestal autoral de Rodrigo Areias, onde cada banda sonora dialoga diretamente com a próxima, unindo passado e futuro pelo seu consequente presente...

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