Terror a Alta Velocidade
A HISTÓRIA: Nesta nova versão do filme original “Super Expresso 109”, o clássico japonês de 1975 que inspirou “Speed — Perigo a Alta Velocidade”, de 1994, as autoridades entram numa corrida contra o tempo para salvar todas as pessoas a bordo de um comboio de alta velocidade que explode se abrandar para abaixo de 100 km/h.
"Terror a Alta Velocidade": na Netflix desde 23 de abril.
Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
"Terror a Alta Velocidade" marca o regresso japonês a um dos 'thrillers' ferroviários mais intensos do cinema, quase cinquenta anos após o lançamento do clássico "The Bullet Train", de Junya Sato.
Esta "legacy sequel" é realizada por Shinji Higuchi ("Shin Godzilla", "Shin Ultraman") e conta com um argumento de Kazuhiro Nakagawa e Norichika Ōba. Apesar de atualizar o conceito ao mundo contemporâneo, a premissa narrativa é, em muito, semelhante à obra original, colocando novamente um comboio de alta velocidade no centro de uma ameaça explosiva: um misterioso terrorista plantou uma bomba no "comboio-bala" - Shinkansen, na língua materna - Hayabusa 60, sendo que a mesma explode se o comboio abrandar para menos de 100 km/h.

O filme de 1975 é frequentemente citado como uma das inspirações primárias para 'thrillers' modernos centrados em veículos em movimento, tendo servido de referência direta para o popular "Speed", protagonizado por Keanu Reeves e Sandra Bullock. Combinando comentário social, tensão crescente e uma narrativa contida no espaço físico de um comboio, o clássico japonês moldou um subgénero que alia ação claustrofóbica a dilemas morais.
"Bullet Train Explosion" (no original) tinha, por isso, sapatos bem grandes para calçar. A distância respeitosa ao material original permite que novos espectadores possam envolver-se com a narrativa sem necessidade de conhecimento prévio, ainda que surjam pequenas referências que terão muito mais valor para fãs de longa data da obra de Sato. Entre as várias semelhanças entre os filmes, a diferença mais notória prende-se com o tom e impacto narrativo. Logo, a recomendação pessoal passará sempre por assistir à obra de 1975, sempre que possível.

Enquanto o clássico é marcado por situações de grande intensidade emocional e moral, "Terror a Alta Velocidade" aposta numa linha mais contida, com menos vítimas e um foco ligeiramente mais comercial, através de sequências de ação admitidamente impressionantes que, sem dúvidas, merecem elogios - contrariamente à produção de 1975, a empresa ferroviária japonesa apoiou a sequela com o "empréstimo" de comboios e locais reais para a rodagem. No entanto, a ausência de riscos mais sérios retira-lhe parte da gravidade e do peso dramático que definem o original, tornando esta sequela mais acessível, mas também, por vezes, mais superficial.
Entre os passageiros do comboio, existem personagens que oscilam entre o genérico e o potencial perdido. Jun Kaname interpreta um influenciador narcisista cujo arco de coragem é mais uma exigência do guião do que uma evolução natural. Um homem que procura redenção pelos erros do passado vê a sua história chegar ao fim sem qualquer tipo de resolução satisfatória. Uma professora, que poderia representar a indiferença institucional ou a negligência civil, é um vazio narrativo. Até o protagonista interpretado por Tsuyoshi Kusanagi, o responsável/inspetor do comboio, é igualmente uma figura que promete complexidade, mas, com a exceção de um ou outro momento, peca por maior profundidade.

Dito isto, as prestações do elenco são geralmente convincentes, com Kusanagi a liderar o filme com um desempenho contido, mas cheio de nuances, mesmo quando o argumento não lhe dá espaço suficiente para explorar verdadeiramente a complexidade moral do protagonista. A atriz e cantora Rena Nōnen, profissionalmente conhecida como Non, representa a condutora do comboio e é fantástica na sua contenção emocional.
O argumento planta várias sementes narrativas - um escândalo político, o trauma de um passageiro com pecados passados, uma ligação intrigante com o filme anterior - mas nem todas estas linhas narrativas recebem o nível de desenvolvimento necessário para se tornarem genuinamente interessantes. A revelação sobre quem está por detrás do atentado terrorista e as motivações intrínsecas a tal ação criminosa são claramente os aspetos que levam "Terror a Alta Velocidade" para porto seguro.
As justificações encontram-se enraizadas em assuntos sensíveis e pertinentes como a violência doméstica, o luto e a falta de reconhecimento de verdadeiros heróis. Esta dimensão temática traz o tal peso emocional complexo que a narrativa tanto precisava e, por momentos, relembra o público de que o cinema também serve para abordar questões sociais de forma instigante. Pessoalmente, consideramos desnecessária a insistência de Higuchi em explicar explicitamente as motivações, visto que a clareza forçada de um dos diálogos finais subestima o espectador e dilui a ambiguidade moral que podia ter deixado uma marca mais profunda.

Do ponto de vista técnico, existe muito para elogiar. Higuchi demonstra saber orquestrar momentos de tensão com precisão cirúrgica. As sequências de maior suspense são desenhadas com mestria, beneficiando de uma montagem eficaz e de uma linguagem visual clara que convida o espectador a perceber problemas intrincados através de pistas e analogias visuais engenhosas. A mão firme do cineasta mantém os níveis de tensão altos o suficiente para agarrar a atenção da audiência até ao final, mesmo que o desfecho seja mais previsível e narrativamente seguro do que seria desejável.
Conclusão
"Terror a Alta Velocidade" é uma sequela que honra o espírito do original sem se deixar amarrar, optando por uma abordagem mais acessível e contemporânea. As sequências de tensão são eficazes, o elenco desempenha os seus papéis com competência e existe uma tentativa corajosa - ainda que não inteiramente bem-sucedida - de abordar temas sociais relevantes no meio da ação intensa. A falta de desenvolvimento mais assertivo das personagens, a inclinação por explicações desnecessárias e um enredo inconsequente impedem que a obra atinja o verdadeiro impacto emocional que ambicionava. Entretém, provoca reflexão em certos momentos, mas podia - e talvez devia - ter ido mais longe.
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