Compreende-se o ódio que muita crítica norte-americana tem em relação a "Beach Bum: A Vida numa Boa", ainda mais vincada nas novas gerações, alicerçadas a um tom politicamente correto e, sobretudo, de "ativismo justiceiro".

Na verdade, a carreira de Harmony Korine nunca foi das mais consensuais. Argumentista do polémico "Miúdos" (Larry Clark, 1995), "desvirginou-se" na realização com “Gummo” (1997), especializando-se num olhar de um embusteiro "trash" aos devaneios de uma juventude inconsequente.

Dividido entre curtas e alguns videoclipes, como "Rihanna: Needed Me", Korine chamou as atenções do público mais "mainstream" em 2016 com "Spring Breakers: Viagem de Finalistas", onde se apropriava das antigas estrelas da Disney para as distorcer em “coquinados” arquétipos das gerações atuais, reduzidos à violência dos seus respetivos meios e às promessas de oásis de sexo, drogas e juventude eterna.

Esse filme, que contou com o protagonismo de Vanessa Hudgens, Selena Gomez e um alienado James Franco  como o pesadelo de qualquer pai, foi furtivamente fustigado pela crítica e pelo público, muitas vezes não habituados a narrativas não-convencionais aludidas ao universo do videoclipe, assim como à abordagem rebelde de Korine. Mesmo assim, "Spring Breakers" rendeu 30 milhões de dólares em todo o mundo, o que é um feito para um projeto de 5 milhões de orçamento.

Como "consequência", chega-nos agora um novo trabalho que não arreda pé à sua estética plástica, nem mesmo à sua temática. Porém, não são mais jovens que ingressam neste quadro, o que o faz pertencer a um país (que) é para velhos. Além de mais, "Beach Bum: A Vida Numa Boa" é uma fantasia sobre uma juventude interna, aquela que parece não abandonar a Moondog (Matthew McConaughey), um poeta de um sucesso longínquo que virou um hedonista irresponsável, abençoado de talento, mas sempre pronto para a farra.

O ponto central da narrativa deste McConaughey fisicamente decadente é a ausência de conflito, que transforma tragédias em banalidades e uma jornada de supostas epifanias em trilhos meramente passivos com a sua festividade. A certa altura, o protagonista justifica a sua sorte afirmando "que todos os elementos do mundo conspiram para trazer a sua felicidade".

Possivelmente, o nosso gosto por dramas moralistas, ou pelas cadências propícias nos diversos atos, levam-nos a repudiar este (pseudo)enredo. Dito de uma forma vulgar, "Beach Bum" é um "filme-charrado", onde as personagens são mero peões de um júbilo mimetizado e o riso despreocupado de McConaughey é a expressão dominante de todo este acerto estético. Aliás, por vezes é a estética que recai num arquétipo de "Malick drogado", se não fosse o facto de Korine assumir como paralelismo ao realizador da "Árvore da Vida", convertendo a suposta metafísica fílmica num primo bastardo do videoclipe cinematográfico.

Mas então porquê defender um filme como "Beach Bum"? É que o cinema atual parece regido pelas preocupações internas nas mais diferentes questões morais ou no sendo de representatividade. A própria crítica norte-americana tem vestido essa pele de apazigador entre indústria e a ética do público. Tudo tem que ter um propósito, aliás, ser um exemplo. O politicamente incorreto de Harmony Korine é escasso na indústria norte-americana de hoje, mas sobretudo é uma libertinagem de coração cheio. Aqui, tudo é sincero, incluindo a sua despreocupação com as leis massivas do audiovisual.

Ver Matthew McConaughey de charro na boca, bêbado e em orgias confundidas com convívio poderá ser encarado como indulgência... possivelmente é... mas esta inconsequência de alguém que renega a maturidade serena, como uma criança impedida de crescer na Terra do Nunca de Peter Pan, é um espírito que transcende o grande ecrã. Harmony Korine é isto mesmo, com toda a sua loucura. Ama-se ou odeia-se aqui. E esses são sentimentos fortes que muito do cinema parece ter esquecido.

"The Beach Bum: A Vida numa Boa": nos cinemas a 9 de maio.

Crítica: Hugo Gomes

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