A HISTÓRIA: A saga da família Bourbon de Linhaça e do seu bem mais valioso: o Colar de São Cajó, que está na família há mais de 3500 anos, e esconde segredos, maldições e uma lendária receita de bacalhau.

"Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó": nos cinemas a partir de 3 de agosto.


Crítica: Francisco Quintas

A popularidade de um produto audiovisual opta por um de dois caminhos: ou a máquina para ou continua. Apesar de soar uma escolha descomplicada, dependente da imaginação dos respetivos criadores e do apelo financeiro, a verdade é que a continuidade da série origina um dilema considerável. Ou se corre o risco de o capítulo seguinte ser inferior aos demais, porventura manchando a memória dos fãs acérrimos, ou se arruma papel e caneta, deixando a marca respirar, ganhar novos fôlegos nos anos posteriores, semear saudade.

Enquanto as terras 'hollywoodianas' recuperam de uma pandemia, e aguardam o abalo das greves de guionistas, atores e artistas de efeitos visuais, quantas sagas não vemos a ser exploradas até à exaustão? Com tantas variantes de “Star Wars” e do Universo Cinematográfico Marvel, por exemplo, é natural que, não obstante a qualidade de alguns títulos, o público seja contaminado com um inevitável fastio.

Já nas férteis herdades da ficção portuguesa, surgiu um fenómeno chamado “Pôr do Sol”, a série que começou por parodiar as telenovelas e que, na insistência dos autores em não conceber uma terceira temporada, migrou para o cinema nacional. Sem dúvida, num dos melhores títulos de comédia que este já viu.

Enquanto é trémula a certeza de que ficará por aqui o universo da cereja e dos copos partidos, é garantido que “Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó” consiga correr com as próprias pernas. Para a frente e para trás, qual Testículo.

É evidente que as estruturas narrativas de televisão diferem bastante das de cinema. Como tal, face à natureza episódica (passe a redundância) de “Pôr do Sol”, saltitante entre distintos blocos – dos agro-betos aos maus, bairristas e empresários –, o guionista Henrique Cardoso Dias tinha a árdua tarefa de transitar para um modelo clássico de três atos.

Movido pela ambição de contextualizar a origem de diversas personagens, “O Mistério do Colar de São Cajó” é, por vezes, contraproducente, visto que nem sempre reúne o tempo necessário que lhes faça justiça ou os respetivos arcos contribuem para o esqueleto da história. Ademais, algumas presenças cruciais da série, como Marco Delgado, Sofia Sá da Bandeira e Manuel Cavaco, tornaram-se secundários. Como se os criadores quisessem oferecer-lhes descanso.

Em contrapartida, além da tragédia grega de Simão Bourbon de Linhaça, interpretado por um Rui Melo fenomenal, o realizador Manuel Pureza repete com primor a direção de atores. Outrora em segundo plano, Vítor Andrade, João Vicente e Rita Salema têm mais para fazer, enquanto a soma de Patrícia Tavares, Diogo Infante e José Raposo, entre outros, vem revitalizar o bolo da cereja com sabor a marisco. Sem jamais prescindir dos suspeitos do costume, como Gabriela Barros, Diogo Amaral, Carla Andrino e o falecido Luís Aleluia. Perante a quantidade e velocidade de piadas, bizarrias situacionais e referências à cultura popular, cada peça do elenco exibe, novamente, uma dedicação de excelência.

Agora munido com apetrechos de superior requinte, Pureza agarrou a oportunidade de compor um produto mais vistoso, sensorial e até musical (não desfazendo os adoráveis 'cameos' de Toy), sem esquecer o que o conduziu ao episódio-piloto: a sátira aos absurdos, conveniências e idiossincrasias das telenovelas nacionais. Não poderiam faltar as cabeleiras, os 'product placements', os efeitos visuais de terceira categoria e os deliciosos excessos de representação.

Uma das coisas mais impressionantes de “Pôr do Sol”, e por consequência de “O Mistério do Colar de São Cajó”, é a genialidade com que Dias, Pureza e Melo conseguem fortalecer uma ligação afetiva entre espectador e personagem. Através da comicidade elevada ao extremo melodrama, todas as barreiras do ridículo são derrubadas, o que permite um elo genuíno que só as melhores histórias se podem orgulhar de fazer. O público não quer apenas rir-se destes bonecos, quer acompanhá-los, compreendê-los, conhecê-los.

Se o trio maravilha decidir nunca mais voltar aos hectares inestimáveis da Herdade do Pôr do Sol, à calçada da Madragoa ou aos reluzentes escritórios da Blaze, este universo ficará selado com chave de ouro. E o audiovisual português grato e de barriga cheia.