Presos no Tempo
A HISTÓRIA:Durante umas férias paradisíacas, várias pessoas descobrem que a praia isolada onde estão está, de alguma forma, a fazê-los envelhecer rápida e inesperadamente... reduzindo toda a sua vida a um único dia.
"Presos no Tempo": nos cinemas a partir de 29 de julho.
Crítica: Hugo Gomes
Não confundamos subtileza com sugestão: M. Night Shyamalan nunca seguiu a primeira e isso nota-se no seu mais recente filme, centrado na intriga de três famílias “enclausuradas” numa praia remota por quem o tempo passa a velocidade anormal. Ou, diríamos mesmo, quase sobrenatural.
Inspirado numa BD francesa de Pierre-Oscar Lévy e Frederick Peeters intitulada “Sandcastle” (“Castelo de Areia”), este “Presos no Tempo” poderia usufruir-se como um exercício de surrealismo e de metáfora visual em relação ao nosso comum medo da hiperatividade temporal, do constatar das nossas mudanças corporais, ao estilo do “body horror”, ou da experiência amargurada e inconsolável que é o de testemunhar os nossos entes queridos a desvanecer-se perante os nossos olhos, como os tais castelos da areia “acolhidos” pelas ondas do mar.
“O tempo destrói tudo”, frase célebre e imortalizada no genuíno drama temporal de Gaspar Noé – “Irreversível” – poderia situar-se aqui como uma boa nota de cadência. Infelizmente, a tal subtileza permanece na matéria-prima (a BD), mas o filme segue por uma outra via para encontrar um fundamento para o que não tinha explicação, tentando com todo este embrulho concentrar-se na materialização de teorias de conspiração, um jogo habitual de Shyamalan.
O resultado de tudo isto é que se perde a humanidade. Aliás, ao sucumbirem pelas artimanhas do tempo, pouco resta ao espectador para consolidar uma ligação com estas condenadas personagens, mesmo nos momentos em que elas se redimem ou exibem o seu valor emocional. E isto deve-se ao facto de não existir um trabalho de composição afetiva ou sequer psicológica, que seria (e será) um fator em jogo neste falso filme de cerco.
Shyamalan podia e devia ter investido nas suas personagens, mas preferiu ficar-se por caricaturas. Desde a introdução do seu leque de “vítimas”, o espectador pouco conhece sobre os seus motivos, as suas aflições, os seus medos e até mesmo as suas personalidades (Gael Garcia Bernal, por exemplo, é um avaliador de seguros e grande parte do seu discurso deriva disso mesmo). O que vemos não são mais do que condenados a merecer a sua decadência numa prisão. E “Presos no Tempo” precisava mesmo de personalidades por quem nos pudéssemos afeiçoar, estabelecer laços de cumplicidade e torcer para que contrariassem o seu "destino".
Em relação ao poder da "sugestão", as transformações corporais e mentais provocadas pela passagem do tempo são terreno fértil para o “body horror”. Nesse aspeto, há que louvar Shyamalan por não seguir o traço óbvio, pois o filme não é grotesco, preferindo jogar diversas vezes com o fora-de-campo, com o que não é visto, mas automaticamente apercebido. Contra todas as colagens a Spielberg que a imprensa americana foi tentado ao longo dos anos, o realizador é um real herdeiro de Jacques Tourneur (1904-1977), um cineasta cuja obra permanece um guia para sugerir aquilo que os nossos olhos não alcancem.
Com vários truques e tiques, “Presos no Tempo” revigoriza os seus contornos de "thriller" de prestígio, acima do cinema "série B" que não assume de forma alguma mas ao qual se mostra eternamente grato. Infelizmente, essa veia de vincada absurdidade deveria funcionar como o seu ponto forte, face ao desprezo de Shyamalan por outras realidades, mas o que sobra é um filme que cobiça ser mais do que é. Se “Presos no Tempo” fosse um real disparate do início ao fim, conseguiria colocar-se ao nível do surrealismo da história e do cinema do seu criador. Mas o que fica é uma obra frágil constantemente a cair e só o tempo dirá se merece um dia ser vista com outros olhos...
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