Há cinco anos, quando editaram o seu primeiro álbum (homónimo), houve quem não visse nos Cansei de Ser Sexy mais do que um pequeno fenómeno com tanto de divertido como de passageiro, até porque a essência das suas canções, misto de espontaneidade, energia e imediatez, seria difícil de replicar. O segundo disco, "Donkey" (2008), quase comprovou isso mesmo, cortando boa parte do ambiente de festa do antecessor e recebendo pouco mais do que um encolher de ombros de grande parte dos fãs e da crítica (apesar de já termos ouvido segundos álbuns bem mais desapontantes).

Depois desse passo, editar um terceiro disco e conquistar alguma atenção já seria, por si só, quase uma vitória. Felizmente, "La Liberación" consegue ser um pouco mais do que isso. O quinteto paulista parece ter seguido à letra o título do álbum e, após um antecessor algo contido e homogéneo, tentou recuperar a liberdade criativa da estreia. Não chega lá - pelo menos não de forma tão regular -, mas já esteve mais longe. Ao longo das onze novas canções, o alinhamento traz algumas novidades e ainda chega a tempo de funcionar como cativante banda sonora para o verão (mesmo que um verão imaginário).

"La Liberación": Do Brasil a Espanha, com paragem em Nova Iorque

"I Love You", a abrir, é logo um ótimo arranque e eclipsa quase tudo o que ouvimos em "Donkey". Mais eletrónico, mergulha a voz de Lovefoxxx em sintetizadores borbulhantes e apresenta uma vocalista capaz de conciliar candura e atitude. Saboroso concentrado de algodão doce para a pista de dança, só peca por prometer mais do que aquilo que o disco acaba por ofecer, embora as outras primeiras faixas sejam, ainda assim, exemplarmente convidativas.

"Hits Me like a Rock", com a participação especial de Bobby Gillespie, dos Primal Scream (os convidados são uma das surpresas deste disco), é uma história boy meets (ou misses) girl à beira-mar, com uma leveza que os Cansei de Ser Sexy já não nos mostravam há muito. O tom calipso, certeiro para uma festa com caipirinhas na praia, volta a sugir em "Echo of Love" ou na mais tranquila "Red Alert", esta última em colaboração com os Ratatat.

Outra colaboração, desta vez com os electro rockers Ssion, torna "City Grrrl" num dos momentos obrigatórios de "La Liberación". A influência de "nuestros hermanos", que a banda diz ter sentido neste disco - começando logo pelo título -, confirma-se na guitarra espanhola que se ouve aos primeiros segundos.
Mas o tempero latino não dura muito, uma vez que a canção aposta numa pop pujante e dançável, com um balanço que não destoaria num álbum de Ke$ha.
A própria letra, sobre uma adolescente do interior que se muda para a cidade grande - nada menos do que Nova Iorque, aqui vista como um paraíso sem preconceitos -, também tem algo a ver com a cantora de "TiK ToK" ("In the big city, nothing hurts", termina o refrão de um tema que bem poderá vir a ser um dos hinos do disco).

A influência espanhola volta a refletir-se na faixa-título, devaneio de pouco mais de dois minutos. Com guitarras trepidantes e ritmo acelerado, a canção tem a mais valia de ser cantada em castelhano, situação que não nos importaríamos de ver repetida no disco (até porque o português, infelizmente, parece ter ficado mesmo confinado ao registo de estreia). Apesar de curto, é um dos episódios mais desbragados e inesperados do álbum e não ficaria nada mal num dos filmes mais espevitados de Almodóvar (cuja obra foi um dos pontos de partida para a atmosfera de "La Liberación").

Menos frenética, "You Could Have It All" conta com um dos refrães mais contagiantes e o piano que o condimenta volta a a ouvir-se em "Partners in Crime", bem sucedida incursão dos Cansei de Ser Sexy nas baladas (ou o mais próximo desses domínios até agora). Mike Garson, colaborador de David Bowie ou dos Nine Inch Nails, é aqui o pianista de serviço.

"Ruby Eyes" e "Rhythm to the Rebels" alternam entre heranças da escola riot grrrl e a fação mais agitada de uns Go!Team, conduzindo a um final escorreito, mas um tanto forçado, com a anarquia punk de "Fuck Everything". Não fecham o disco de forma tão apelativa como o arranque, mas também não faz mal: quando aqui chegamos, já estamos suficientemente entusiasmados com os Cansei de Ser Sexy de "La Liberación".

@Gonçalo Sá

"Let's Make Love and Listen Death from Above" (single de "Cansei de Ser Sexy", 2005):

"Rat id Dead (Rage)" (single de "Donkey", 2008):