Diário de uma separação (e de uma tremenda reinvenção)

Se a opção de fazer um álbum como "Blur" já foi arrojada, "13" (1999) elevou a ousadia a níveis a que nem a própria banda imaginou. Com a média de idades dos seus elementos a rondar os 30 anos, foi o disco que marcou a transição de uma pós-adolescência arrastada para uma idade adulta que chegou sem poupar ninguém - Damon Albarn que o diga, tendo composto o disco após o doloroso final da relação de oito anos com Justine Frischmann, separação que assombra estas canções.

Com os restantes músicos também em fases não especialmente felizes das suas vidas, os Blur aproximaram-se, mais uma vez, da dissolução, que aqui se supunha inevitável. "Mal funcionávamos enquanto banda, por isso o que quer que tenhamos tirado daquela situação e quaisquer concertos que tenhamos dado foram mesmo um milagre", relembra Damon Albarn no booklet da reedição do disco.

Apoio fundamental, William Orbit foi o mago (leia-se produtor) de serviço, colaborando com a banda depois de ajudar Madonna a criar o seu melhor disco ("Ray of Light", de 1998). "13" talvez não seja, de fio a pavio, o melhor dos disco dos Blur, mas é o que a banda aponta como o melhor exemplo de colaboração, num desafio capaz de contrariar as muitas tensões internas.

"Se tiver de escolher a minha canção favorita dos Blur, seria a 'Caramel'. Essa e a 'Tender'. Ouvi-a obsessivamente no meu carro, vezes e vezes seguidas. Podes ouvi-la várias vezes de seguida porque começa e acaba da mesma forma. Orgulho-me muito dela. É uma canção adulta e o tipo de coisa que tentávamos fazer há muito mas que nunca tinha funcionado. Aí funcionou a 100%", destaca Dave Rowntree. É difícil não concordarmos com o baterista quando "Caramel" é uma composição assombrosa como poucas: mostra-nos uns Blur mais abstratos e inclassificáveis do que nunca, impondo o ponto alto de um disco assente no improviso e numa busca de liberdade estilística digna de respeito.

"13" não mantém, ainda assim, esta estranheza durante todo o alinhamento. O arranque com "Tender", com a participação inesperada de um coro gospel, foi suficientemente radiofónico, como o foi também "Coffee & TV", outro single e a canção mais caracteristicamente Blur do disco (cuja popularidade deve muito ao irresistível videoclip protagonizado por um simpático pacote de leite). Além de assinalar uma das viragens mais importantes do grupo, este é ainda o disco "sem o qual os Gorillaz não teriam sido possíveis" nos moldes em que os conhecemos hoje, admite Damon Albarn sobre o projeto paralelo que criou em 1998.

África deles (ou pelo menos de Damon Albarn)

"Depois do '13', foi muito difícil saber para onde ir a seguir. Havia muita pressão. Eu estava sempre de ressaca - não era uma grande ajuda para mim próprio, para ser honesto", admite Graham Coxon, que acabou por abandonar o grupo (a pedido de Damon Albarn) no disco seguinte, "Think Tank" (2003), ainda o último dos Blur. O guitarrista, que na altura tinha iniciado já uma discografia a solo que mantém até hoje, chegou a gravar alguns temas para o sétimo álbum mas apenas "Battery in Your Leg" integrou o alinhamento.

Tal como "13", a produção de "Think Tank" foi entregue a um nome associado à música de dança, Norman Cook (ou Fatboy Slim), que co-produziu o disco com Ben Hillier. E também à semelhança desse antecessor, é um disco pouco ou nada dançável, com um som quente e lânguido que se aproxima de alguma música africana. Não por acaso, foi gravado em Marrocos numa altura em que Albarn preparava "Mali Music", colaboração com músicos do Mali que abriu portas ao vocalista para um contato regular com a world music.

A belíssima "Out of Time", com a voz de Albarn a soar-nos melhor do que nunca, ainda chegou a tempo de fazer parte das canções mais apaixonantes dos Blur. O outro single do disco, "Good Song", mais um convite à introspeção, fez jus ao título. Depois destes, poucos mais singles surgiram entretanto: "Fool's Day", em 2010, e "The Puritan" e "Under the Westway", já em 2012, foram mesmo os únicos em quase dez anos marcados por um hiato, entre 2004 e 2008, e o regresso aos palcos em 2009, com um também regressado Graham Coxon. E é, pelo menos, dos palcos que os Blur se despedem, por tempo indeterminado (embora garantidamente longo, dizem eles), já neste domingo, 12 de agosto. Mas se continuaram a regressar, não obstante um percurso acidentado q.b., não há motivos para não acreditarmos que os teremos de volta mais cedo ou mais tarde...

@Gonçalo Sá