É obesa, com uma imagem bem diferente das cantoras pop de linha de montagem e tem sido alvo de um mediatismo crescente. A descrição assenta bem em Susan Boyle, mas neste caso a cantora em questão é Beth Ditto, a carismática vocalista dos Gossip que já contraria estereótipos desde o início da década passada.

Embora a sua figura pudesse jogar contra si no cenário pop actual, onde o corpo surge muitas vezes mais valorizado do que a voz, não impediu que Ditto seja um dos ícones femininos do rock alternativo recente (sobretudo para a imprensa britânica) e junto da comunidade LGTB (é lésbica assumida).

Grande parte da maior visibilidade que o grupo norte-americano tem tido deve-se, sem dúvida, a ela, que além de uma imagem singular conta com uma voz capaz de injectar alma soul em canções onde o rock colide com o funk ou o punk (e estilhaços disco). Isto sem retirar o mérito à baterista Hannah Billie e ao guitarrista Brace Paine, que ajudam a tornar os Gossip numa das bandas mais coesas dos últimos anos - e quem viu, por exemplo, o seu óptimo concerto no Festival Alive!08 pôde comprová-lo ao vivo.

No quarto disco de originais, "Music for Men", o trio demonstra que essa coesão permanece inabalável. Tal como os anteriores este é mais uma colecção de temas enérgicos, frequentemente tempestuosos, onde a voz de Ditto surge tão reconhecível como as texturas sonoras que juntam o nervo da herança riot grrrl ao embalo rítmico das produções da DFA (editora de James Murphy, dos LCD Soundsystem).

Se por um lado essa eficácia merece, mais uma vez, ser elogiada, por outro volta a acusar um traço que, até agora, tem definido todos os álbuns dos Gossip, já que a consistência vocal e instrumental não oferece muitos momentos particularmente surpreendentes.

O single de apresentação, "Heavy Cross", é um bom exemplo disso. Mostra-se contagiante, apela à dança, tem um refrão forte, mas não desfaz a sensação de soar a um sucedâneo de "Standing in the Way of Control", o arrebatador single e faixa-título do disco anterior - cujo sucesso, pegando no título da nova canção, pode reflectir-se numa cruz que os Gossip têm de carregar por não terem feito nada ao mesmo nível no novo álbum.

Não é que não tenham tentado, com algumas variações sonoras ao longo do alinhamento. "Love Long Distance" é provavelmente a melhor, onde o piano ganha protagonismo numa deliciosa canção ondulante que chega a citar Marvin Gaye ("I heard it through the bassline/ Not much longer would you be my baby").
E há pelo menos mais uma citação, em "2012", que arranca com sabor new wave (a lembrar as The Organ) para a meio revisitar "I Was Made For Lovin' You", dos Kiss (nas frases "My heart may never beat again, baby/ Have you got the best of me?").

Também conseguidos e atmosféricos, "Love and Let Love" e "Four Letter Word" convidam mais sintetizadores e reforçam a aura pop - à semelhança dos Yeah Yeah Yeahs em "It's Blitz!".
De ambientes distintos, "Dimestore Diamond" é mais árida, com Ditto em modo contido, e "Vertical Rythm" resulta nervoso mas implosivo. "Pop Goes the World" e "8th Wonder", pujantes e ruidosas, prometem ser gigantes ao vivo, embora em álbum não se afastem muito de temas de registos anteriores.

Mais electrónico do que o que os Gossip fizeram até agora e nem sempre tão explosivo, "Music for Men" acaba por ser o disco mais versátil do grupo - o que não é suficiente, ainda assim, para evitar alguma redundância a espaços, até porque os contrastes estão mais no recheio das canções do que na sua essência. Não sendo indispensável, é pelo menos recomendável, e chega para atestar que a crescente atenção de que os Gossip têm sido alvo é merecida. O concerto desta tarde deverá voltar a comprovar a adesão.

Os Gossip actuam hoje, às 21h55, no Palco Super Bock do Optimus Alive!10, que decorre até amanhã no Passeio Marítimo de Algés.

@Gonçalo Sá

Videoclip de "Heavy Cross":