Trinta anos depois de ter editado "Cavaquinho" (1981), o álbum que lhe definiria a carreira na música portuguesa, Júlio Pereira voltou a pegar no instrumento para compor e gravar novas músicas, surgindo agora "Cavaquinho.pt", a editar na segunda-feira.
Este novo disco é como um cartão de visita para um projeto maior em torno do instrumento de cordas e que inclui um processo de investigação e inventariação de modelos do instrumento, partituras, tocadores, compositores e construtores em todo o mundo. É um trabalho que será feito pela Associação Cultural e Museu Cavaquinho, criada no verão passado, e que será apresentada na segunda-feira, em Lisboa, juntamente com o álbum.
"Fez trinta anos que tinha gravado o 'Cavaquinho' [1981], o disco mais importante da minha vida, que me tirou do anonimato, e porque teve consequências fantásticas, define a minha carreira como instrumentista", recordou Júlio Pereira, 60 anos, à agência Lusa. O músico explicou que este é projeto de uma vida, de cartografar a identidade de um pequeno instrumento de cordas, popular, de tradição minhota e que deu a volta ao mundo ao longo dos séculos, deixando descendência no Brasil, em Cabo Verde, no Havai e na Indonésia.
"Dei-me conta que, no mundo inteiro - isto é uma comunidade gigantesca, de 200 milhões de pessoas -, somos referenciados, com o cavaquinho português como dando origem ao ukulele. Reparei que havia muito afeto nessa referência, mas também me dei conta que o mundo não conhece o nosso cavaquinho", justificou. Essa constatação serviu de mote para se lançar nessa ideia de registar tudo, viajando pelo país, espantando-se por saber que existem mais de 200 grupos ativos a tocar o instrumento.
No âmbito da associação, Júlio Pereira não esconde alguns dos projetos que pretende conquistar: associar-se à comunidade académica, a escolas de música, a construtores e tocadores. "Tenho noção que as coisas têm de ser feitas por passos. Primeiro e antes de mais há que inventariar tudo isto. O universo é grande demais e está tudo disperso", afirmou o músico, referindo a hipótese de criação de uma escola, de um curso de cavaquinho, de ter uma sede e um museu físicos para o instrumento.
E há ainda a possibilidade de submeter uma candidatura do cavaquinho a património mundial da UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. "A associação vai dar todos os passos necessários para isso, porque faz todo o sentido, porque é uma história transcontinental. Estas ramificações são prática concreta do cavaquinho no mundo e não tenho dúvidas que aqui há matéria, porque ela é real, é física, existe hoje. Eu acho que vai chegar a bom porto", afirmou.
Júlio Pereira sublinhou ainda que a associação quer "mostrar trabalho" antes de avançar com qualquer pedido de apoio oficial à tutela da Cultura: "Prefiro levar trabalho inequivocamente feito, com resultados".
O músico fez parte do movimento rock da década de setenta, no pós-25 de Abril, empunhando uma guitarra eléctrica e gravando com grupos como os Petrus Castrus e os Xarhanga.
Já gravou com bandolim, viola braguesa, guitarra portuguesa e bouzouki, mas foi o cavaquinho que lhe traçou o rumo da carreira, também por "culpa" de Zeca Afonso. "O cavaquinho nasce de um acaso, de uma necessidade quando trabalhava com Zeca Afonso, de fazer um arranjo de um tema dele, chamava-se 'O Cabral fugiu para Espanha'", recorda Júlio Pereira. Estava na altura em 1980.
"O Zeca gostou de ouvir o cavaquinho nessa música e, a partir daí, pediu para tocar sempre nos concertos dele. Também para descansar a voz. A primeira reação que eu conheço do público a esse instrumento foi na Alemanha. Começámos com uma tournée grande pelas universidades. Foi a primeira vez que vi o entusiasmo de pessoas face a esse instrumento e isso motivou-me". Depois disso gravou "Cavaquinho" e, trinta anos, depois "Cavaquinho.pt".
@Lusa
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