Carolina Deslandes faz-nos companhia e sussurra-nos canções ao ouvido há uma década. Ao longo do seu caminho, a cantora convidou-nos a entrar na sua "Casa" (título do seu terceiro álbum, editado em 2018), fez alertas, sem barreiras ou filtros, em "Mulher" (EP de 2020), e aqueceu corações com as canções de "Blossom" ou do EP "Mercúrio" (com Jimmy P).

Cinco anos depois do último álbum ("Casa", de 2018), a artista está de volta às canções com "Caos" - o novo disco chegou esta sexta-feira, dia 10 de março, e já se encontra disponível em todos os serviços de streaming de música e nas lojas - ouvir aqui.

Com mais de 10 anos de canções, Carolina Deslandes é hoje uma das maiores artistas nacionais e voz ativa de uma geração. "Acho que um artista não acredita sempre nele. Nós somos, por condição quase, inseguros, ansiosos e tudo mais. Mas sempre acreditei muito no trabalho e na consistência. Depois também há o fator sorte, o timing e houve alturas em que funcionou e outras em que não funcionou - até hoje, há singles que funcionam e outros que não. Quando falas de emoções, de arte, não há uma fórmula e há sempre um lugar para a dúvida", confessa em conversa com o SAPO Mag.

"Podes fazer canções lindas... mas se ninguém te quiser ouvir, o que vais fazer com isso?"

"Se tu me perguntas se eu esperava? Não. Mas eu sonhei, sim. Sinto que trabalhei, que dei tudo e dou tudo? Sim, mas não depende só de mim e nunca vai depender só de mim. Tenho tido esses fatores como bons aliados, que é trabalhar muito e as pessoas terem esta predisposição para me ouvirem há 10 anos - tu podes trabalhar muito, tu podes fazer canções lindas... mas se ninguém te quiser ouvir, o que vais fazer com isso? Nada", acrescenta.

Há uma década, a indústria da música também era diferente - o Spotify ainda estava a dar os primeiros passos e as redes sociais não tinham peso na divulgação e comunicação. "O problema de agora - não é um problema, é uma circunstância: há muita gente a fazer música, sai muita música nova. Na altura em que eu comecei, na minha geração, eu era das únicas mulheres que estavam a fazer o tipo de música que estava a fazer - as mulheres distinguiam-se mais pelo fado do que pelo pop - e não sentia muito isso", recorda Carolina Deslandes.

CAROLINA DESLANDES NO CONCERTO DE LANÇAMENTO DE 'CASA' (2018) créditos: TIAGO DAVID

"Sentia que era um jogo que estava viciado, ou seja, eram os mesmos grandes nomes há muitos anos. Era muito difícil alguém da nova geração entrar, furar e fazer palcos grandes e ter bons cachês. Essa foi a dificuldade que senti quando comecei, há 10 anos. Foi um caminho", recorda. "Foi um caminho, foi passo a passo, começar a ganhar alguma credibilidade,  começar a ser bem paga,  começar a ser chamada para coisas com com mais dimensão. Desta nova geração da música, há dez anos, começar a ser vista como: 'calma, ok, não é uma pessoa que veio aqui fazer um hit de verão e nós nunca mais vamos ouvir falar dela a vida. É uma pessoa que tem consistência, que quer ficar aqui e que está a fazer os possíveis para ficar aqui'", acrescenta.

Na caminhada, Carolina Deslandes também cresceu artisticamente e transformou-se, especialmente na escrita: "Fui aprimorando a minha forma de escrever e de compor. Se bem que há uma certa ingenuidade nas primeiras canções que tu fazes e que gosto muito - coisas que hoje em dia diria de outra maneia -, mas que me dá ternura".

A inspiração para as canções: "Eu sou um lugar de criação e isso tem de falar sempre mais alto"

"O meu maior desafio é não ser corrompida pela indústria", sublinha a cantora. "Ou seja, tu teres sempre na memória porque é que começaste e lembrar sempre que, sim, isto também vive de números, de tendências, de Youtube e de views... mas isto é sagrado para mim. Tenho de permitir que tenha um lugar sagrado - o poder de estar a viver uma coisa, de a transformar em canção e fazer dessa pessoa, desse sentimento, dessa mágoa, dessa alegria, uma coisa eterna. Tem de ser um lugar de limpeza da alma e não pode ser um lugar onde tu vais porque queres competir contra, porque queres ser maior. Eu não vejo a música assim", garante.

Mas a pressão dos números está sempre a ecoar na indústria, onde mais seguidores podem significar mais concertos e reproduções nos serviços de streaming: "Há indústria inteira por trás a falar constantemente disto - 'tens de fazer aquilo e olha que não sei o quê e investe aqui'. Essa é a dificuldade que sinto: manter as portas fechadas e estar no meu lugar de criação. Eu sou um lugar de criação e isso tem de falar sempre mais alto do que o lugar de produção, o lugar de comunicação, o lugar de projeção. Sou um lugar de criação e para a criação acontecer pelos motivos certos tem de haver limpeza da cabecinha, não posso estar a pensar nisso".

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CAROLINA DESLANDES NO LANÇAMENTO DO SINGLE "ADEUS AMOR ADEUS" (2018) créditos: TIAGO DAVID

Para Carolina Deslandes, "tendemos sempre a avaliar as canções consoante as canções que nós gostamos de ouvir". "Eu gosto sempre mais de canções que à primeira vista seriam um lado B, ou seja, seriam canções do disco que não seriam escolhidas para serem singles. Nos álbuns dos outros artistas, essas são sempre as canções de que mais gosto. Tenho sempre tendência a escolher singles que, talvez, seriam mais lado B. Por exemplo, o caso da 'Nuvem', nunca foi single porque tem cinco minutos e disseram-me que para ser single tinha de encurtar. E disse: 'Não vou encurtar a 'Nuvem', está fora de questão'", recorda a cantora, dando vários exemplos de canções com mais de cinco minutos, como "Bohemian Rhapsody" ou "Stairway To Heaven".

"Nunca será a mesma coisa tu dizeres: 'eram três porquinhos, chegou lá um lobo que bateu na primeira, bateu na segunda e na terceira queimou o cu na panela'. Há um contexto, as canções são histórias e claro que tens de ser sucinto, mas há uma continuidade. Se tens cosias para dizer para dar como terminado, não faz sentido estar a cortar e, então, não a cortei... hoje em dia, a 'Nuvem' é uma das canções do 'Casa' que as pessoas mais cantam, é a grande balada do álbum e ninguém acreditou naquela canção, além de mim e do Diogo [Clemente]. É muito engraçado ver isso", lembra.

Mas o contrário também acontece e há canções que, "de repente, a malta, por alguma razão, pega e diz 'fogo, adoro aquela'". "É a parte mais assustadora e a parte mais excitante da minha profissão: o que é que vem a seguir? Não faço ideia, não sei. Qual vai ser a música mais não sei quê do disco? Não sei, não faço ideia", confessa.

"Os últimos anos da minha vida estão neste disco"

CAROLINA DESLANDES
CAPA DE "CAOS"

E a partir desta sexta-feira, dia 10 de março, serão as pessoas a escolher a vida das canções de "Caos". "Por um lado, estou aterrorizada com essa ideia e, por outro lado, estou descansada. Já estou a chegar a altura em que estou mais descansada do que aterrorizada. Os últimos anos da minha vida estão neste disco, anos em que a minha vida deu uma volta de 180 graus, foram anos em que sofri muito, foram anos de muita aprendizagem, de muita dor, mesmo. Entrego este disco e sinto que terminou o meu luto. Terminou este pesar, já não estou numa fase de adaptação a uma nova vida porque já tenho uma nova vida. Já sou uma nova pessoa, já estou reconstruída deste processo e isto ainda é a única coisa que me prende a uma fase de muita dúvida, de muito pesar e, então, sinto que vou largar uma corda. Vou largar a corda e o barco vai e sinto que estou a precisar desse desapego, a precisar de não conviver com este disco todos os dias", assume a cantora.

"Este álbum é o que eu quero dizer como quero dizer e ponto"

Criado ao longo de três anos, entre o caos e a calma, o álbum passou por várias fases: "Este disco teve altos, teve baixos, teve fases em que foi difícil continuar e teve fases em que a única coisa que queria continuar. É um disco desconcertante por ser tão frontal - não estou a tentar arranjar uma forma bonita de dizer coisas feias; estou a dizer coisas feias e é a primeira vez que faço isso".

"É para dizer 'que me fodeste a vida'? Eu vou dizer fodeste-me a vida. Não vou dizer que me arreliaste, que me chateaste. Vou dizer fodeste-me a vida. Vou dizer 'sou eu que sou a louca ou és tu que fazes merda'. Não vou dizer 'sou eu que sou a louca ou és tu que brincas comigo?'. Este álbum é o que eu quero dizer como quero dizer e ponto. Foi uma terapia, foi um estado cáustico, por vezes, mas sinto que foi a purga que eu precisava", confessa Carolina Deslandes ao SAPO Mag.

Entre "Casa", de 2018, e "Caos" passaram-se cinco anos e dois EPs - "Mercúrio", com Jimmy P, e "Mulher": O regresso aos álbuns também foi o desafio para a cantora. "Fiz o 'Mulher' e o 'Mercúrio', com o Jimmy P, são dois EPs e o processo dos EPs é muito menos desgastante porque são menos canções, é mais fácil teres um fio condutor e tudo é mais fácil. Já não estava habituada a esta coisa de 14 canções - 14 canções é bué e não tinham de ser 14, podiam ser 12".

CAROLINA DESLANDES

Para o novo álbum, Carolina Deslandes foi ao 'arquivo pessoal' recuperar canções do pretérito recente, mas que ainda não tinham sido lançadas. Ao reunir as letras, a cantora percebeu que refletiam dois momentos e sentimentos diferente e, por isso, decidiu abraçar a ideia de um álbum duplo - "Caos" e "Calma", que será lançado em setembro. "Quando comecei a olhar para as canções que tinha, algumas do tempo da pandemia ou outras que ainda não tinha lançado, pensei: isto está muito diferente, isto tem uma vibe completamente diferente... isto simboliza mesmo dois momentos completamente diferentes da minha vida e, então, decidi que queria fazer um álbum duplo - com um disco que sai numa altura e outro para outra altura. E quero que sejam opostos porque as canções são opostas", explica.

"Pensei só neste conceito e quando comecei a ouvir a parte mais triste e mais agressiva, pensei: 'ok, estas canções falam todas deste tema, falam todas sobre o fim de uma relação'. Não foi uma coisa que fiz conscientemente e comecei a perceber que estas canções tinham todas o mesmo tema. Assim surgiu o 'Caos' e a 'Calma', que sai no final de setembro. Na verdade, só agrupei canções que já tinha dentro desse conceito", recorda a cantora.

Entre o amor e o ódio: "Ninguém quer soar a maluco"

"Caos" conta com 14 canções - "Paz", "Vai Lá", "Precipícios", com Carlão, e "Saia da Carolina" foram os quatro singles revelados antes do lançamento do álbum. Já "Raiva" foi o tema escolhido para abrir o disco e dar mote às histórias de amor e desamor, sem filtros e em discurso direto.

CAROLINA DESLANDES

"Toda a gente é muito educada quando se fala do ódio no amor, na raiva no amor. Ninguém quer soar a maluco, só o Eminem, que fala disso com um nível de especificidade. Ninguém quer assumir, especialmente as mulheres. O meu disco começa com: 'eu bebi da raiva como sumo/ deve ser por isso que eu não durmo'. Toda a gente já fez isso para esquecer alguém - pegar nas coisas más e alimentar isso para ganhar raiva e para não voltar àquele lugar. Sinto que este disco fala dessa perspectiva do amor e que é muito pouco abordada, especialmente no feminino", resume a artista.

"Odiar é a única coisa que pode fazer para não me amar desesperadamente"

No álbum, Carolina Deslandes diz "Amei-te", mas pede "Odeia-me" e explica: "Na canção 'Odeia-me', não estou a dizer que odeio a pessoa, mas o facto de eu ter de aceitar que a pessoa me está a odiar porque é a única coisa que pode fazer para não me amar desesperadamente. É como um lugar de compaixão e aceitação - 'eu entendo-te o que está a fazer, aceito o que estás a fazer. Queres falar mal de mim? Vai falar se isso te deixa mais tranquilo'. É este lado não instagramavél do amor, mas que toda a gente passa por isto em determinada altura da vida".

"Acho que não pensei nas coisas de uma nova forma, mas perdi a vergonha de assumir que isso também fez parte das minhas relações e da minha forma de amar. Nós tendemos muito a chamar os outros de tóxicos e negar a nossa própria toxicidade", confessa.

"Quando tu te permites a uma relação tóxica, quando entras naquilo - não quer dizer que não tenha havido alguém a dar o mote -, mas tu também és tóxico, também tens de te rever. Isso foi um trabalho muito fodido que fiz neste disco. Não quero ser uma pessoa aqui que diz: 'tu és o culpado e o culpado, culpado e culpado'. Eu também tenho a minha culpa, também tenho a minha toxicidade, também tenho o meu trauma e também sinto que quero ser uma boa companhia para mim e ser saudável para mim, nos meus pensamentos, na minha autoestima, no meu estímulo, naquilo a que eu me apego, nas coisas que procuro... e ser uma boa companhia dentro de uma relação - e a verdade é que, neste tempo da minha vida, também não senti que fosse um elemento válido e saudável numa relação", conta Carolina.

"As emoções são todas muito primárias"

No novo álbum, a artista abraça a tristeza, sem medo, e passeia por sentimentos comuns a todos."Achamos sempre que a nossa tristeza é uma coisa que é nossa e ninguém passa por ela. Achamos sempre que os nossos problemas são de um nível de especificidade... mas as emoções são todas muito primárias, são muito básicas. Nós sofremos todos mais ou menos pelas mesmas coisas. Sentimos saudades, medo, amor e perda", defende.

"De repente, abres o mote de um assunto, que pensas que é só teu, e percebes que o assunto é comum a muita gente e é incrível. Não é que tu queiras que toda a gente esteja a sofrer, mas se toda a gente assumisse que em tempos da sua vida, que em dias da sua vida, já sofreu, parece que o peso é divido, parece que não nos sentimos tão sós e abandonados. O sofrimento é uma coisa de comunidade e com este disco queria abrir essa comunidade, uma comunidade de 'olha, está tudo bem, é assim que é'", explica a artista.

"Sim, já vomitei o almoço com dois dedos na garganta"

Ao longo de álbum, através das canções, a cantora revela sentimentos e momentos de "caos" e não apenas no amor - quis contar toda a verdade e não ficar pela metade. Em "Trauma de Abandono", canção finalizada no dia em que tinha de entregar o álbum, Carolina Deslandes canta na primeira pessoa sobre 'daddy issues', bulimia ou 'body shaming': "Senti que a minha verdade com este disco estava a ser um bocadinho seletiva porque estava falar de desgosto, de desamor, mas não estava a falar de outras coisas, como 'daddy issues', bulimia, 'body shaming', do horror que tem sido em relação a mim e à minha imagem nos últimos anos. Isso tudo também me trouxe a este lugar. A soma dessas coisas todas também me trouxe a este lugar e senti que se não incluísse este capítulo, a história ficaria inacabada. Ficava mal contada", revela, explicando que com o ioga e com a sua professora é que conseguiu ter "abertura e honestidade" para escrever a canção.

carolina deslandes

"Foi um olhar para mim com honestidade e sem vergonha de mim. Há certas coisas no nosso caminho que nos envergonham. Tu não queres dizer, sim, já me forcei a vomitar, tive uma fase na minha vida. E quando ouves uma canção que diz 'já vomitei o almoço com dois dedos na garganta; sim, já gostei da pessoa mais perigosa porque era o que me era próximo'. Foi estranhamente libertador. No dia em que fiz a canção, fartei-me de chorar. Mandei ao Miguel Cristovinho: 'Ouve esta canção e diz-me se achas demasiado'. E ele ligou-me, em Facetime, a chorar no carro, e a dizer: 'Foda-se, que bonito porque é desconcertante. Estás a entregar-te e não tenhas medo'. Eu disse 'ok, vou fazer a canção, gravar e meter no disco'. E foi assim", recorda.

Se em temas como "Conta-me" ou "Trauma de Abandono", Carolina Deslandes aborda as complexidades do amor, em "Supermercado", tema gravado em parceria com Bárbara Tinoco", a cantora simplifica os sentimentos e mistura-os com o quotidiano. "A coisa que mais gosto é misturar o poético do poético com o mundano do mundano. Tens um disco em que eu digo 'amei-te os restos silêncios / amei-te os gestos suspensos / amei-te o cheiro a futuro' e depois tens o 'fica uma caixa com fotografias, escondida em algum lugar / vais ser um estranho no supermercado, que eu, um dia, vou evitar'. Gosto muito dessa dualidade porque temos todos esses dois universos - um universo mais corriqueiro, de estarmos à vontade de chinelos e com meias; e o outro universo mais introspectivo, mais poético", confessa.

Melim e Carolina Deslandes
CAROLINA DESLANDES NO ROCK IN RIO BRASIL

"O disco tem um bocadinho dessas duas partes porque, apesar de gostar de falar do amor com palavras bonitas, com palavras antigas, acho que é nas coisas e nos pormenores do dia a dia que tu te apaixonas verdadeiramente pela outra pessoa - é a forma como a pessoa ajeita os óculos, a forma como a pessoa penteia o cabelo com as mãos ou como fica a pigarrear quando está nervosa. Isso é que te apaixona pelo outro", defende a artista na conversa com o SAPO Mag.

"Há coisas que não merecem uma canção"

E para escrever canções como "Supermercado" ou "Terapia", Carolina Deslandes precisou de se afastar do presente e das histórias para ganhar perspectiva. "Não queres deixar uma canção eterna sobre uma coisa que tu sentiste e que já não te lembras dela. É importante sentir e ganhar perspectiva sobre isso e pensar: 'isto merece uma canção ou não merece uma canção?'. Há coisas que não merecem uma canção e só tens de ter tempo para olhar para o momento e pensar se faz sentido - às vezes, escreves a quente, mas são coisas que estás a sentir no momento de uma história que já vem de trás. Fiz muitas canções que nunca vou lançar porque foi mais um penso rápido do que canção", conta.

A saia da Carolina tem um lagarto que dá ao rabo

Na passada quarta-feira, Dia Internacional da Mulher, Carolina Deslandes revelou o último single do álbum. Em "Saia da Carolina", a artista reinventa o a canção tradicional "A Saia da Carolina", que terá nascido entre a Galiza e o Norte de Portugal. A letra foi adaptada pela própria cantora, que contou com o apoio de Diogo Clemente na melodia.

O single adopta o nome e algumas melodias e versos da popular cantiga que "assombrou" a artista na infância. "'A Saia da Carolina' irritava-me sempre muito porque odiava usar saias. Desde pequena que a minha mãe me conta que me vestia toda bonitinha para o Natal e chegava ao pé de mim e eu já estava de tronco nu, sem vestido, sem nada, e furiosa. Então, pensei:  a maneira como todas as canções populares falam da mulher, não faz sentido nenhum", frisa.

"Esta canção tem o meu nome, eu nunca usei saia e sempre senti que aquela canção não me representava minimamente. Então, pensei em fazer uma versão para todas as Carolinas, para todas as mulheres", acrescenta a artista.

Na canção, a cantora apresenta-se em nome próprio - "Sou Maria Carolina, Deslandes para vocês" - e apresenta quem a rodeia. "Decidi fazer aquele verso meio em rap e assumir uma parte autobiográfica em que explico o nome próprio, a forma como as pessoas me conhecem, o nome dos meus pais e o nome do meu manager", resume.

Carolina Deslandes

Em "Saia da Carolina", a cantora também fala sobre o mediatismo. "A cena da malta achar que eu quero muito chamar a atenção e não sei o quê e digo: 'debaixo do meu hoodie eu não gosto de dar nas vistas'. E é verdade. Não quero isso para mim. Eu gosto de dar opinião, de falar de um assunto quando acho pertinente, mas não falo para lado nenhum há muitos anos. Todos os convites para entrevistas de família e de capa de não sei o quê, eu nunca aceito nada disso. Sinto que é polémico porque ainda aceite que as mulheres sejam tão livres como os homens - os homens dão muitas opiniões e uma mulher, quando dá três opiniões, já é desesperada, carente", sublinha.

"A Vida Toda", a segunda parte

A canção "A Vida Toda" é um dos maiores sucessos da carreira de Carolina Deslandes. Para fechar o álbum e um ciclo de caos, a cantora juntou-se a Diogo Clemente para uma "segunda parte" do tema. "A canção começou quando eu ganhei o Globo de Ouro pelo tema 'Por Um Triz'. Uns tempos antes, tive a ideia de fazer esta canção porque, pronto, quando me separei a piada era... 'então, não era para a vida toda? não era para a vida toda?'. Eu e o Diogo já nos ríamos disso e é o Diogo que está a produzir o meu segundo disco deste ano, o 'Calma'", explica.

carolina deslandes

"Esta canção foi produzida nas sessões de estúdio do 'Calma', não no 'Caos'", recorda a cantora. "Pedi para o Diogo gravar o baixo, sentei-me no estúdio e escrevi. Mostrei-lhe e emocionámo-nos muito os dois, foi um momento muito bonito. Ainda bem que conseguimos deixar em ata que sim, acabou, mas a história foi muito bonita. Somos muito amigos, temos três filhos e um disco em conjunto. Foi uma coisa quase de missão, de vamos deixar escrito que isto não foi uma piada, lançar 'A Vida Toda' não foi um erro, e nada disto foi um erro. É a vida acontecer", sublinha Carolina Deslandes.

"Quando recebi o Globo de Ouro de 'Por Um Triz' eu estava mal"

Em a "A Vida Toda - parte II", a cantora também reflete sobre a solidão entre os aplausos. "Aplaudiram-me no Coliseu, eu sem colo e sem ser eu, só levantei a mão / Mas não dormia há cinco dias e depois de cinco dias, prémios só sabem a solidão", canta a artista.

"Quando recebi o Globo de Ouro de 'Por Um Triz' eu estava mal. Não estava fixe. Quando recebi o Globo por 'A Vida Toda' também estava mal, não estava fixe", revela ao SAPO Mag. "Pela primeira vez, percebi aquela cena do 'fogo, os artistas lá de fora têm tudo e, de repente, estão depressivos e estão internados'. E ficas a pensar que têm uma vida tão boa, uma carreira incrível... e, aí, foi a primeira vez que fiquei a perceber isso - a solidão dentro do sucesso. E é difícil explicar que tens tudo e te sentes tão triste. Parece quase ingratidão e não é - tens noção da sorte que estás a ter, só gostavas de estar noutras condições para receber essa sorte", sublinha.

"A Vida Toda - parte II", que fecha o disco "Caos", abre portas a "Calma", que chega em setembro. "Achei que era um ótimo terminar de ciclo, do disco, porque... concordo com o abraçar a tristeza, mas todos nós, até na mais profunda tristeza, temos de conseguir ver uma frecha de luz e sinto que a música final do disco tem isso, a frase final do disco trás isso: 'há sempre uma frecha de luz, há sempre uma esperança, uma alegria, uma semente que vem dar outra coisa. Há sempre'. Quis terminar o disco com uma nota de esperança".