Foi com um grito colecivo, um daqueles que acontecem antes de um importante e decisivo jogo musical, que os Julie & The Carjackers iniciaram a sua atuação no Terraço do Tivoli. Com o recomendado “Parasol” acabadinho de sair, a banda decidiu oferecer desde logo um tema novo, uma balada que mantém uma das ideias do disco: o amor é tramado e está feito para acabar mal.

Com uma presença feminina em palco que não fica nada atrás de umas Au Revoir Simone em termos de beleza e dotes musicais, a banda fez-nos o retrato de Mr. Williams, uma pessoa azarada, sem grandes motivações e que teima em se apaixonar pela pessoa errada. The chain on my swing, provavelmente a canção pop mais natalícia que Portugal viu nascer este ano, serviu para que abandonássemos o Terraço de sorriso nos lábios, satisfeitos por termos visto uma bela rapariga e o seu pequeno gang a assaltar carros com um belo gorro natalício enfiado na cabeça em plena Avenida da Liberdade.

A próxima paragem foi a Igreja de S. Luis dos Franceses, para vermos de perto Luisa Sobral - uma sensação do jazz cantado em inglês e na língua de Camões e que vai beber à fonte mágica de vozes como Billie Holiday ou Ella Fitzgerald. Apenas conseguimos ouvir um retalho de swing cantado em coro e Xico, uma tragicomédia de alguém que espera que o marido regresse um dia, como Dom Sebastião, depois de se ter feito à estrada de braço dado com uma bela brasileira. Fica a promessa de lhe dedicar um concerto na íntegra numa próxima oportunidade, o pouco que vimos mereceu nota máxima.

Rumo à Sociedade de Geografia de Lisboa e ao encontro com o texano Josh T. Pearson, que no último longa duração se intitulou de último cavalheiro da country. “As minhas canções são demasiado longas, por isso vou tocar apenas 3”, ouvimo-lo dizer quando entrámos num espaço muito acolhedor e iluminado em tons de vermelho.

Pearson tem um ar de pregador triste, fitando o horizonte com um olhar parado enquanto aguarda um momento de iluminação. Quando ouvimos temas como Woman, when i´ve raised hell, entramos na banda sonora de um filme westerniano destinado a acabar mal; Sorry with a song é uma canção escrita num saloon decadente, enquanto o líquido de uma garrafa empoeirada se vai aproximando do ponto de tocar a mesa antes de se evaporar na consciência. Pena o constante entrar e sair, o tocar de telemóveis e o incessante disparar das máquinas fotográficas, que tiraram alguma magia a este encontro com o lado mais triste do Texas.

Se os Rolling Stones tivessem trocado o rock'n'roll pela pop, talvez tivessem feito qualquer coisa parecida com aquilo que Eleanor Friedberger, uma das caras metade dos The Fiery Furnaces, nos mostrou ontem na Casa do Alentejo. Finda – ou pelo menos colocada em pausa – a loucura furnaciana, deparamo-nos agora com a folia friedbergueriana, uma música pop envolta em bebidas energéticas. Abandonamos a sala depois de Glitter Gold Year ter ecoado nas paredes alentejanas, uma balada com ares de peregrinação que poderia ser cantada por baixo da varanda de Passos Coelho: “You said it wouldn’t be so bad / But it’s worse”.

Avenida acima com as coordenadas do Teatro Tivoli inscritas no calçado desportivo, para assistir a um pedaço da actuação dos Handsome Furs, casal canadiano que em “Sound Kapital”, longa duração editado este ano, compôs um disco quase só a partir de teclados. Alexei Perry, a metade feminina, é qualquer coisa de incendiário, uma Woman in Red sem saltos altos – descalça, pareceu-nos -, e em modo ecstasiano. Deixámos o Tivoli com o prenúncio de festa no ar.

Atravessámos a estrada para assistir, desta vez na íntegra, a uma das sensações do ano em terras de sua majestade, nem que seja pelo facto de Thomas Cohen, vocalista dos S.C.U.M., ter sido chamado de rocker pretensioso por muito mau tablóide.

Toda a banda apresenta um visual muito demodé, que nos parece transportar a um clube inglês dos anos setenta com as paredes pintadas de negro. Cohen mantém uma pose e um ar inspirados em Nick Cave, mas com a cara de um Casablancas e maneirismos à boa moda do teatro dramático. É um som gótico intensamente orgânico, com teclados que aceleram à velocidade de um TGV e acompanhados por um baixo e uma bateria com aspirações a dança ritualística.

Pensem nuns Bauhaus numa noite em que Peter Murphy estivesse ligeiramente afónico e andarão perto do que assistimos ao concerto de ontem. Musicalmente os S.C.U.M. são entusiasmantes, mas falta à voz de Cohen o poder e o espírito cavernoso incutido por gente como Peter Murphy ou David Tibet. Não faltam os gestos teatrais de Cohen, mas falta que ao poder da música se sobreponha uma voz que destile uma força gótica adormecida. Foi bom mas esteve longe de ficar para a história.

A seguir quisemos saber, diante do espelho da Casa do Alentejo, quem era A Banda Mais Bonita da Cidade. Ficámos sem grandes certezas, pois os dois temas a que deitámos oos ouvidos foram baladas rock à moda do país irmão que não nos entusiasmaram por aí além. Voltaremos a perguntar novamente quando nos cruzarmos com o próximo espelho, incertos sobre se tudo não terá passado de uma falta de timing.

Aterrámos no Teatro Tivoli para aquele que foi o grande concerto da noite. Os Junior Boys, banda que transformou a música de dança num romance que merece ser cantado, foram os responsáveis por uma grande atuação que viajou desde o modo retro da série “Fame” a temas que poderiam incendiar qualquer pista do hemisfério Ibiziano. Sempre com muita classe, estilo e atitude.

A banda agradeceu o facto de (quase) ninguém se ter sentado, e confessou que talvez devessem aparecer mais por Lisboa nos tempos vindouros. Work, tema que evoca o mítico “Knightraider” dos anos 80 e que é um dos grandes temas dançantes de 2011, encerrou a actuação antes de um curto mas merecido encore. Quem disse que a música de dança não pode ser dançada como um slow incendiário? Graças aos Junior Boys, a música de dança ganhou cérebro, alma e vestiu o fato de gala.

A seguir quisemos descomprimir e atirar uns PAUS aos gatos que se passeavam pelos Restauradores, mas ficará bem dizer que a Estação de Metro não terá sido um local muito bem escolhido, até porque o facto de o palco estar colocado ao mesmo nível dos espectadores transformou a actuação dos PAUS – a banda que vive o maior hype aqui no burgo - num concerto que apenas poderia ser ouvido. Ainda ouvimos Albergaria dizer que era bom estar no estômago da cidade, e que era pelo estômago que se conquistava um homem. E que os PAUS queriam a ajuda de todos para que esta se tornasse uma noite para não mais esquecer. Ao som do Malhão voltámos para a noite fria lisboeta, sem saber se Albergaria e banda terão conseguido o que queriam.

Pedro Miguel Silva