
O espírito que presidia ao evento era simples, tendo a escolha caído sobre artistas que a banda respeita e admira. A comitiva lusa esteve representada por Kalaf, o anfitrião da festa, e também pelos Paus que, depois da experiência Optimus Alive, voltaram a tocar com a bênção de um sol luminoso e já com uma certa quentura.
Os concertos do palco iam alternando com sessões de mixagem no DJ Stand, que se assemelhava a um coreto dançante e por onde passaram nomes como Xinobi – co-fundador e impulsionador da festiva Discotexas -, Jamie XX – o homem-sombra dos The xx -, ou Kim Ann Foxman – DJ nova-iorquina conhecida pelo seu trabalho com os Hercules & Love Affair.
Antes de falarmos dos concertos do palco fica um pequeno reparo sobre a eternidade que se tinha de esperar numa fila para comer, beber uma cerveja ou ir ao WC – aqui em exclusivo para o sexo feminino -, o que fez recuar no tempo e relembrar o dia em que os Pixies tocaram no SBSR e o caos se gerou em poucas horas. Aqui não chegou a tanto mas, já que estamos a falar de gente que se dedica a estas coisas há muito tempo, exigia-se um espírito mais precavido. Para não falar da comida que, com este nível musical, merecia, sem dúvida, um lado mais gourmet.
Os Mount Kimbie, duo britânico composto por Dominic Maker e Kai Campos, apresentaram a sua eletrónica feita de algodão doce e alguma impossibilidade de catalogação. Ao vivo, fazem do palco um autêntico laboratório, juntando aos samplers pré-gravados uma bateria, uma guitarra, teclados, muita maquinaria e vocalizações, algumas delas a trazerem ecos de uns Depeche Mode em final de festa. Uma música que recusa seguir convenções e que vive de paradoxos e mudanças abruptas, parecendo dirigir-se ao lado inconsciente da consciência, propondo-lhe uma surf trip sem ondas. Um bom prenúncio para o disco em que a banda está a trabalhar e que será o sucessor de “Crooks & Lovers”, disco editado em 2010.
O espanhol John Talabot, acompanhado em palco pelo conterrâneo Pional, foi responsável por uma tremenda sessão de house a céu aberto. Para os ouvidos menos desatentos, “fIN” revelou-se uma das mais entusiasmantes rodelas lançadas em 2012 no que diz respeito à eletrónica. Um disco com um pano sonoro com laivos e Nicholas Jaar, Booka Shade e The Field, mas com uma dinâmica mais próxima de um dia passado na praia com o verão no seu ponto mais alto.
Samplers, percussão digital e um festival de vozes que transformam algumas das canções em hinos pop, outras em cantos tribais, mas sempre com uma humanidade que faz com que apeteça erguer os braços para celebrar esta efémera existência. Houve ainda tempo para uma remix em modo live de Chained, que contou com a participação em palco das duas vozes dos The xx. Um pequeno grande triunfo que poderá ser revisto já no próximo Paredes de Coura.
Ruth Radelec decidiu quebrar o protocolo, deixando de lado o negro e optando por um vestido branco. Afinal, faz todo o sentido. Os Chromatics são uns Saint Etienne em manhã de ressaca, uma exposição de arte em movimento, desde o cuidado posto em cada gesto à forma como visualmente pisam o palco.
A atuação centrou-se no recente “Kill For Love”- não faltaram Lady, Cherry e Kill For Love -, mas ainda houve tempo para revisitar “Night Drive», disco de 2007, ou recriar Kate Bush e Neil Young. Johnny Jewel, o autor do imaginário dos Chromatics – e de projectos como Desire, Farah e Glass Candy -, tratou de dar aos temas um arranjo mais dançável, na pele de um maestro louco e de cara pintada. Se Michael Knight fosse dado à introspecção enquanto conduzia o seu KITT, os Chromatics teriam sido a banda sonora perfeita.
Os The xx ofereceram um concerto assombroso, ajudados por uma qualidade de som que esteve cinco estrelas. Depois de um primeiro disco onde o minimalismo foi levado ao limite, “Coexist” abria a janela para um mundo mais luminoso e dançante. Uma transformação que pôde ser sentida no concerto de ontem, que acrescentou momentos verdadeiramente dançáveis a uma música onde habita a beleza da simplicidade e letras onde o amor parece condenado a fazer muitos desvios até conseguir encontrar o caminho certo.
Romy Madley Croft e Oliver Sim encheram o palco, enquanto Jamie Smith – ou Jamie xx -, do alto do seu pedestal, se divertia a brincar com toda a maquinaria e instrumentos de percussão. Com um jogo de luzes que parecia enquadrar cada tema sob uma perspetiva diferente, inventado uma curta-metragem, não faltaram momentos altos - sempre acompanhados com coros gritados a plenos pulmões: Reunion ofereceu um momento house de primeira água com um ligeiro toque a Caraíbas; o ambiente de penumbra construído em Missing evocou o cinema alemão dos anos 1920; em Swept Away, Romy e Oliver arriscaram um tango pintado de negro; em VCR, Jamie Smith desempenhou o papel de deus da remistura, de braços abertos, mostrando o milagre da multiplicação de ondas sonoras.
Se muitos torceram o nariz ao novo disco, o espetáculo de ontem mostrou que o trio está no caminho certo: Romy perdeu o medo de cantar, os arranjos tornaram-se mais luminosos e Jamie, esse deus da maquinaria, tratou de cumprir a ameaça dançável que o primeiro disco ameaçou mas não cumpriu. O negrume continua lá, nesse casarão chamado xx, mas as janelas estão agora abertas. Afinal de contas, quem disse que a melancolia não merece ser dançada? Épico.
Para os mais resistentes houve tempo ainda para dançar ao som dos pratos de James Murphy, em tempos o mentor dos grandes LCD Soundsystem. Disco sound de primeira água para os resistentes à grande debandada, que não teriam de trabalhar no dia seguinte ou, então, que se conseguiram esquecer de tal. Fica desde já o pedido: podemos repetir para o ano?
Texto: Pedro Miguel Silva
Fotografia: Marta Ribeiro
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