O álbum vai ser apresentado ao vivo a 16 de dezembro, no mesmo dia em que fica disponível, no Centro Cultural da Malaposta, nos arredores de Lisboa, antes de ser levado, em janeiro, ao festival de música barroca de La Valletta, em Malta.

Em entrevista à agência Lusa, Filipe Raposo afirmou que o repertório escolhido “atravessa a existência, o que é um grande tema, e neste disco tentamos atravessar a existência humana através das canções”.

O alinhamento inclui, entre outras, “Alegria da Criação”, de José Afonso (1929-1987), “Virgem da concilação”, um canto de Natal de Penha Garcia, na Beira Baixa e, desta mesma região, a cantiga de romaria “Senhora do leite”, além da ária “Ma chère liberté”, da ópera “Proserpine”, de Jean-Baptiste Lully (1632-1687), de “Gavotte et six doubles”, de Jean Jean-Philippe Rameau (1683-1764), de um prelúdio de "O cravo bem temperado", de Johann Sebastian Bach (1685-1750), de uma ária de Monteverdi (1567-1643), de "L’incoronazione di Poppea", e de um hino de Henry Purcell (1659-1695).

Sobre as escolhas, entre peças populares e eruditas, Filipe Raposo disse: “Acreditamos que antes de existir a música barroca e o jazz, existiu – e existe até aos nossos dias - a música tradicional”.

“Há uma plataforma, há um chão. De facto, é desta terra, deste chão que nascem as influências que vão originar os restantes géneros, há aqui uma homenagem direta a esse repertório”, argumentou o pianista e compositor que enfatizou “as raízes maravilhosas e inspiradoras” da música tradicional portuguesa, nomeadamente da região da Beira Baixa.

O álbum sucede a “The Art of Song, Vol:1 When Baroque Meets Jazz” (2020), e vai ser levado também, a 23 de janeiro próximo, ao Teatru Manoel, em Valletta, no âmbito da programação do festival de música barroca da capital de Malta.

Rita Maria, em entrevista à Lusa, defendeu que este repertório “já estava no ADN” do duo.

Sobre o alinhamento, a cantora referiu o seu "ecletismo", realçando que já estava “semeado” no álbum saído em 2020, e que neste se tratou de um aprofundamento das “influências comuns” dos dois músicos.

A cantora realçou uma maior presença neste segundo volume das canções relativas aos ofícios ligados ao trabalho da terra, nomeadamente a partir das recolhas em Penha Garcia.

O álbum foi gravado na igreja de Santa Maria de Idanha-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, e contou com as participações especiais da cantadora e adufeira Idalina Gameiro, “que guarda de memória muitas canções e melodias”, da adufeira Emília Antunes e do grupo de adufeiras do Rancho Etnográfico de Idanha-a-Nova.

O álbum abre com uma citação da 'cantautora' Amélia Muge: “Uma chuva não é só chuva no momento em que cai. Começou em água que o calor das emoções evaporou, nuvem que se foi deslocando, juntando momentos, sabedorias e afetos. Ao cair, desliza, inclina-se em leito de rio, campo de cultivo, braço de mar, montanha. São tantos os terrenos de onde parte. É a memória dos afetos evaporando. Vários tempos de escuta e de cultivo que, evaporando conhecimentos e outras águas, se foram juntando numa ou várias nuvens de ideias. Depois de caída, torna o chão mais permeável a novos plantios, a novas colheitas, a novas águas evaporando, subindo de novo ao céu do que mais importa”.

Filipe Raposo disse à Lusa: “Quando pensamos no ciclo das chuvas, como o ciclo das influências que nos fazem músicos e artistas, de facto, são muitas as influências que foram necessárias até chegarmos a este ponto de criar uma composição ou uma obra de arte. Nessas influências estão presentes várias ressonâncias, desde a música erudita, passando pelo jazz e, neste disco, está muito presente a componente da música tradicional, que são três pilares importantes na nossa criação”.

O título do álbum, “Entre o sagrado e o profano”, “remete para uma dimensão antropológica, isto porque o repertório escolhido podia fazer parte de uma sociedade arcaica, no sentido em que nas sociedades arcaicas até aos nossos dias - [embora] hoje em dia [esteja] um pouco mais dissimulado com as sociedades urbanas -, continuamos a ter momentos específicos, momentos celebratórios, o atravessar da vida, o que costumamos dizer do nascimento à cova; existem momentos importantes, de charneira, em que a música vai aparecendo”.

“Selecionámos canções que estão concentradas em grandes temas", explicou Filipe Raposo. Seis grandes temas pelos quais se repartem as 21 músicas.

"Começámos com canções ligadas à divindade, neste caso às divindades femininas, às deusas, depois aos ritos e ao trabalho”, disse Filipe Raposo.

"As deusas e os homens" acolhem "Alegria da criação", "Virgem da concilação" e "Senhora do leite", enquanto a "Cantiga da ceifa" e "Proserpina" remetem para "Os ritos e o trabalho".

Outros “grandes temas” em que o álbum se 'divide' são “As mãos e os frutos” ("Não se me dá que vindimem", "Aproveitai a azeitona", "La Molinera"), “Da vida e do amor” (Prelúdio de Bach, "Inda agora aqui cheguei", "Si dolce è l’tormento", de Monteverdi, e "Cantiga do sol"), e "Eterno retorno” (Gavotte, de Rameau).

O último tema do álbum, “Do berço à cova”, inclui uma cantiga de embalar sefardita, “Durme mi querido hijico”, outra cantiga de embalar, mas de Penha Garcia, “Vai-te Cuca”, e “An evening hymn”, de Henry Purcell.

“Gavotte” e suas variações estão ligadas a uma suite para cravo, explicou Raposo. “Desta suite retirámos ‘Gavotte et six doubles’, em que estas seis variações têm a mesma base harmónica estrutural, mas assim como Ramaeu criou variações para o tema da ‘Gavotte’, nós tocamos a ‘Gavotte’ como o Rameau compôs, e variamos também nas variações. Nós acabamos por nos apoderar da peça original, a ‘Gavotte’, uma dança barroca, mas criamos as nossas próprias variações, partindo do texto original”, explicou à Lusa, Filipe Raposo.

Quanto à peça de Purcell, “An evening hymn”, o músico disse: “OS músicos deste tempo que tocavam teclados, órgão, cravo, faziam parte de um ensemble que se chamava baixo contínuo, que era apenas na linha de baixo [da partitura], em que está também a viola da gamba, o cravo, o órgão, e a partir dessa linha o músico rearmonizava, criando variações texturais, de cor, timbre, fazendo com que cada intérprete pudesse trazer a sua própria versão”.

“Nós já não estamos no período barroco e esta não é uma versão historicamente informada, mas é uma versão contemporânea de dois músicos mais ligados ao universo do jazz”, argumentou.

“The Art of Song vol.2–Between Sacred and Profane” ("A arte da canção vol.2 - Entre o sagrado e o profano") vai ser apresentado no próximo sábado, 16 de dezembro, no mesmo dia em que fica disponível, num concerto no Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas, nos arredores de Lisboa, a partir das 21h30.