O tempo incerto e a chuva ocasional foram uma ameaça presente na nossa ida para Valada, que fica, sensivelmente, a uma hora e meia (de carro) de Lisboa. Um “lamaçal” junto ao rio era um cenário iminente, contudo não nos deixámos intimidar e “seguimos as serpentes”, que, nas placas, nos indicavam o caminho. À chegada, de noite, o céu ribatejano sobre a tranquila Valada mostrava-nos todas as suas estrelas, com uma penumbra que apenas nos permitia ver isso e as luzes do recinto reflectidas no céu, num arco perfeito. Enquanto procurávamos o campismo, ouvimos os grilos. Também os pequenos mosquitos em torno dos nossos braços deixavam adivinhar a proximidade ao rio Tejo. Sim, o repelente foi um dos melhores amigos durante o fim-de-semana, mas nada que não seja contornável. Ainda assim, a localização, tirada de uma qualquer visão bucólica, leva-nos por um caminho de calçada. Do lado esquerdo, avistamos o grande pórtico laranja, ladeado por duas serpentes, mas a penumbra não nos deixa ver os palcos que para além disso se situam. A parca luz da nossa lanterna e a luz de duas barracas de comida lá mais ao fundo iluminavam a chegada ao campismo, que, escuro como breu, situado ao lado do recinto, com terreno plano e bastante espaço, se revelou convidativo.

Como não sabíamos que a noite de receção ao campista, aqui com o nome Outfest, na Marina de Valada, havia atrasado cerca de duas horas, não começámos a nossa experiência do Reverence Valada com Mars Red Sky, mas sim com The Jabberwocky Band, no palco Rio, cuja cobertura, com teias em tons de vermelho e laranja, criava, não só uma sombra para os que se quisessem sentar, mas também um ambiente convidativo. Com o Tejo azul à nossa direita, apreciámos um pouco do rock psicadélico, com elementos tribais e até latinos, como as maracas, dos franceses. Meia hora depois, atravessámos o recinto e estreámos o palco Sabotage, fruto de uma parceria com o clube lisboeta, com os portugueses Putas Bêbedas - mais uma banda com o selo dos amigos da Cafetra Records, cuja sonoridade mais noise não pode ser disfrutada em pleno, já que o sol forte que se fazia sentir arrastava o público para as sombras disponíveis.

Importante perceber que as tardes e noites, depois das duas da manhã, no Reverence foram passadas a correr entre palcos, com pequenos concertos de cerca de meia hora, sempre alternados e nunca sobrepostos, entre estes dois palcos. Foi esta a forma encontrada pela organização, de sotaque britânico muito carregado, de encaixar tantas bandas – cerca de 40 – do panorama nacional e internacional em apenas dois dias. Um frenesim e uma correria para os curiosos que queriam absorver toda a experiência tanto quanto possível e um processo de escolhas para aqueles que, querendo andar nas calmas e ao seu passo, fizeram de antemão o seu programa e aproveitaram os tempos mortos quer para ir à descoberta de novos artistas, quer para passear pelo recinto, com uma caça ao vinil, ao CD ou até às peças de roupa originais da Feira das Almas em ponto pequeno ali presente, quer para uma passagem pela zona do merchandising, para uma paragens para um café e uma imperial na esplanada do bar QB ou até para a contemplação do mural, que, com uma serpente gigante, acolheu os contributos criativos de todos os que por ali passaram.

Os dias no Reverence acabam por ser, portanto, uma refeição completa, com direito a entradas e aperitivos, um grande prato principal, com as bandas do Palco Reverence, das 20h às 2h, e com espaço ainda para, depois, degustar uma sobremesa ou, quem sabe, um digestivo, numa ementa que nos deixou satisfeitos, de barriga cheia e com energias por repor.

Durante a tarde, no palco Rio, as teclas fortes de The Feeling of Love, fazendo até lembrar as de Manzarek nos Doors, juntaram uma multidão curiosa pela música da banda, também francesa, de Estrasburgo. Já os barcelenses Killimanjaro, que havíamos visto em Paredes de Coura, encontraram no Reverence Valada o melhor cenário para apresentar o álbum de estreia “Hook”, com um público, apesar do concerto “flash", a revelar-se mais entusiasta, perante os riffs a fazerem lembrar uma mistura entre Black Sabbath e Led Zeppelin.

Por esta altura, do palco Reverence, chegava-nos um teste de som da “Black Mass”, dos Electric Wizard, cujo bom som de palco deixou a todos, decerto, com água na boca para o que se ouviria mais tarde. Na ronda seguinte, os suecos Bombus já reuniram um público de maiores dimensões junto ao palco Sabotage, com muito headbang ao som dos riffs mais pesados da banda de Gotemburgo. Os The Asteroid #4 são da Califórnia e já contam com uma carreira com mais de uma década. Como o nome indica, são espaciais, remetem a longas viagens cósmicas, mas que, ao contrário de muitos dos seus companheiros de trips caleidoscópicas, encontram no shoegaze um refúgio introspectivo e distinto.Guiados por três guitarras mergulhadas num oceano de reverb, as melodias apoiadas por harmonias vocais fazem eco na nossa cabeça e, juntando-lhes o sol e a relva à beira rio, encontramos a surpresa da tarde e a banda sonora de um verão a acabar da melhor maneira.

Já James Jackson Toth, ou Wooden Wand, trouxe na mala da sua guitarra uma mão cheia de histórias para contar, em formato de melodias folk, que funcionaram como um bálsamo para limpar os ouvidos, depois de uma tarde preenchida com sonoridades um pouco mais pesadas. Depois de Toth, no palco Rio vimos os Sleepy Sun, de San Francisco, e os Ringo Deathstarr, de Austin, no Texas. Os primeiros, ao rock psicadélico que marca todo o festival, juntam uma harmónica, maracas e muita textura, numa viagem de ida até aos anos 60. Já os segundos, perante uma plateia cheia, juntaram às influências notórias de My Bloody Valentine e Jesus and The Mary Chain a capacidade de refrescar covers já bem conhecidas, como é o caso de “You’re Unbelievable”, dos EMF. Um bom sinal de que o shoegaze está bem vivo, com novos nomes, caras, vozes e músicas.

Enquanto isso, no palco Sabotage, os elementos mais eletrónicos das músicas dos Cave também trouxeram novos sons aos nossos ouvidos. No entanto, falharam em convencer pouco mais do que as fileiras da frente. Mais tarde, no mesmo palco, os Woods despertaram curiosidade no público, receptivo, com as boas críticas que receberam nos dois últimos registos, “Bend Beyond” e “With Light and With Love”, e marcaram o pôr-do-sol de um primeiro dia preenchido, mas que ainda estava apenas pela metade.

Às 20h00, os The Wytches surpreenderam ao inaugurar o palco Reverence. Ocupando a área de um campo de futebol, o palco principal do Valada encontrava-se fechado durante o dia e após o final dos concertos, sendo que não existiam concertos em simultâneo nos outros dois palcos. Quando chegámos, o trio britânico, de ar jovem, dava já mostras da sua irreverência e energia, com um rock psicadélico fresco, que incorpora tanto elementos do surf rock, como do stoner ou do indie. Ficámos com uma inquietante “Crying Clown” na cabeça, vidrados enquanto o vocalista Kristian Bell gritava ao microfone “graveyard girls swinging a bag like a pendulum”.

Logo a seguir aos Wytches, houve lugar para um dos grandes nomes do rock alternativo dos anos 90 em Inglaterra. Apesar de nunca terem andado propriamente perto do sucesso comercial, os Swervedriver sempre foram uma banda mais ou menos de culto, e nos últimos anos, fruto de participações em festivais como o ATP ou o Coachella, parecem ter ganho novo fôlego. As distorções fortes, riffs nervosos à Dinosaur Jr e linhas de voz igualmente melódicas e emocionais não enganam e, apesar de estarem algo deslocados do cariz mais stoner/psicadélico do alinhamento do palco Reverence, deixaram o já numeroso público presente rendido a malhas como “ Son of Mustang Ford” e “Duel”.

Eram cerca de 22h00 quando os Red Fang, de Portland, Oregon, subiram a palco, e, assim que os americanos pisaram o palco, a euforia instalou-se. Com o novo álbum, "Whales and Leeches", na bagagem, a banda de Aaron Beam, John Sherman, Brian Gyles e David Sullivan abriu as hostilidades com “Dirt Wizard” e “Number Thirteen”, petardos stoner do excelente segundo álbum, "Murder the Mountains". Sendo um dos nomes fortes do cartaz e uma das bandas mais aguardadas, a reação foi a que se esperava: headbang geral, muitos corpos em agitação e crowdsurfing que terminava, invariavelmente, num mergulho a pique para os braços dos seguranças. Após o concerto que deram no Music Box, em janeiro passado, fica a ideia que não sabem dar maus concertos, e a sua fórmula "Heavy metal meets Stoner" parece talhada para funcionar na perfeição ao vivo, seja pelos momentos mais pesados, inundados no sludge lamaçento de “Malverde”, ou pelo rock mais cru e direto do muitíssimo celebrado single “Blood Like Cream”. Num concerto de cerca de 45 minutos, que terminou com a plateia em delírio ao som de “Prehistoric Dog”, as palavras do baixista/vocalista Aaron Beam, antes de “Into the Eye”, fizeram todo o sentido: "Nós somos péssimos a falar entre canções, então vamos tocar algumas músicas para vocês". Sinceramente, estes Red Fang são tão bons a fazê-lo que é tudo quanto se lhes pode pedir.

Se estivéssemos nos anos 70, os Graveyard seriam os primos loiros e suecos dos Led Zeppelin. Longas cabeleiras, bigodes mais ou menos duvidosos e música igualmente boa, mas a verdade é que estamos em 2014 e esses trinta e tais anos que os separam só lhes trouxeram coisas boas. Depois da estreia no Milhões de festa, em 2011, a banda de Gotemburgo voltou a Portugal com um novo álbum e um estatuto que já não é o de banda underground que faz música retro. Os três álbuns - "Graveyard", "Hisingen Blues" e "Lights Out" - provam que os Graveyard não são uma simples imitação daquelas bandas enormes que nos habituamos a ouvir. As influências estão lá, assumidíssimas - é impossível dissociar o negrume dos Black Sabbath e o virtuosismo dos Led Zeppelin daqui -, mas a banda apropria-se tão bem dessas características que as tornas suas por direito próprio. “Buying Truth”, “Hisingen Blues” e “Goliath” foram o trio de abertura, e, se o som nos concertos anteriores tinha estado irrepreensível, neste início de atuação, o som esteve sempre confuso, com a guitarra de Joakim Nilssen a nunca se fazer ouvir na sua plenitude. No entanto, ao longo do concerto o som melhorou, e as rendições de arrepiar de “Slow Motion Countdown” e “ Unconfortably Numb” trouxeram uma nova vida ao público, que se deixou embalar pelos solos selvagens e virtuosos de Jonatan Larocca-Raam e se desprendeu das amarras que o prendiam até então. “Ain’t Fit to Live Here” pôs o ponto final num concerto irrepreensível de umas das grandes bandas de rock da atualidade.

Mas a banda mais esperada do dia, e uma das mais esperadas do Festival, era, sem sombra de dúvida, Electric Wizard. Durante o dia vimos passar várias camisolas com o nome da banda e a multidão concentrada em frente do palco confirmou isto mesmo. Passámos por alguns a caminho, completamente hipnotizados, abanando a cabeça de forma sincronizada, como se via nas imagens tiradas a partir de cima e que passavam nos ecrãs de lado.

Podemos dizer que o alinhamento de bandas do Reverence conseguiu a proeza de juntar os veteranos e os novatos, as inspirações e os discípulos. De um lado, os stoners, que vêem nos Electric Wizard uma banda a seguir, das mais influentes do género; do outro os do rock psicadélico, com os Hawkwind como principal aspiração. Deixámo-nos de “vulgos paleios”, deixámo-nos levar e abraçámos o culto e a feitiçaria naquele que foi garantidamente um dos melhores concertos que vimos lá pelas “bandas” do Ribatejo. Com uma música com elementos mais metal, inspirada nos temas mais ligados ao oculto, o concerto começa com os decibéis a rebentar todas as escalas e uma energia sem igual por parte destes já veteranos. A nossa atenção centra-se na dupla Jus Oborn e Liz Buckingham, ele por estar à frente de todo aquele ritual que ali testemunhamos, ela pela postura cativante e misteriosa. Durante uma hora e meia, ouvimos temas como “Witchcult Today”, “Funeralopolis”, a recentemente lançada “Sadiowitch” e, claro, a “Black Mass”, recebida como um hino entre o público entusiasmado.

No palco Sabotage, fomos ao encontro dos Process of Guilt, na esperança de que os portugueses fizessem, então, estremecer todo o cenário. E ali sentimos o peso de faixas como “Harvest” e a nova “Liar: Movement I”, que terminaram a noite em beleza e deixaram, lá está, um aperitivo para os próximos concertos, em outubro, com os suíços Rorcal, no Hardclub, no Porto, e no Musicbox, em Lisboa. A dar por encerrada a noite no Palco Rio, os Black Bombaim foram iguais a si próprios, não precisando de palavras nem de muitos artifícios para serem enormes. A visita ao novo álbum, "Far Out", e a apresentação de uma versão mais solta de "Side B" foi quanto bastou para, em pouco mais de 40 minutos, darem um dos concertos do dia e do festival.

O segundo dia, dia 13 de setembro, apresentou-se soalheiro, tal como o primeiro, mesmo tendo começado com uma baixa dos norte-americanos Holy Wave, que, no palco Sabotage, iriam ser uma das bandas repetentes das Cartaxo Sessions, caso não tivessem perdido o avião. O alinhamento seguiu, então, com os portugueses Keep Razors Sharp, grupo que junta elementos de bandas portuguesas como Men Eater ou The Poppers, que preencheram os nossos ouvidos com riffs orelhudos e fizeram os nossos pés e cabeça ganharem vontade própria, como o single “I see your face”, que já conhecemos tão bem das rádios. No mesmo palco, os também portugueses Quartet of Woah! deram um dos concertos da tarde, com uma energia incomparável.

Sem nos apercebermos bem porquê, os concertos do segundo dia acabaram por atrasar - problema inerente quando se lida com muitas bandas, presumimos. O que é certo é que, no final do dia, Jibóia, cuja atuação estaria marcada para as 5h30, apenas teve início pelas 7h00 da manhã - um concerto para acolher o nascer do sol. “Pessoal, já estamos atrasados, portanto isto vai ser a rasgar”, disse Gonçalo Kotowicz antes de começar a desferir as malhas do ainda único registo, “Ultrabomb”, com uma intensidade tremenda. Ouvimos “Exit Stream” e a nova “Backwardsfirstliners”, lançada este verão. Para o final ficou a já tão bem conhecida “U-turn”, com “Koto”, como é conhecido, a estatelar-se no chão e a simular – ou, quem sabe, a arrepender-se – lançar a guitarra. Um agradável murro no estômago para dar tudo em menos de nada.

No palco Rio, a música fazia-se também em português, com os Asimov, a dupla que nos fez reviver em palco o rock dos anos 70, nas longas músicas, ora com momentos mais intensos, ora com momentos mais calmos, e que também angariou uma multidão bem composta de adeptos. Mas foram os Bardo Pond que acabaram por ser a revelação da tarde, juntando o space rock, o shoegaze e os riffs psicadélicos mais lentos com uma sonoridade folk, a aura dos 90s, os loops angelicais da voz de Isobel Sollenberger e a flauta transversal que a mesma toca. Momentos para fechar os olhos, olhar o rio e olhar de novo a banda, para terminar a tarde da melhor forma. Depois disso, o palco ainda acolheu a estreia de Christian Bland and The Revelators, com um psicadelismo à Pink Floyd. O guitarrista acabaria por se estrear também, mais tarde, com um dos nomes mais sonantes do festival, os The Black Angels.

No segundo dia, foram os norte-americanos A Place to Bury Strangers que ficaram encarregues de abrir as hostes do palco Reverence. Com o seu noise rock com influências shoegaze, a banda, eleita inclusivamente pelos The Black Angels como um dos cabeças-de-cartaz do festival do qual são curadores, o Austin Psych Fest, deu uma performance destruidora, com músicas como “You are the one” e “I Lived My Life to Stand in the Shadow of Your Heart”, esta última com direito a guitarras e baixos despedaçados em palco, como manda o rock n’ roll.

Os Psychic TV, de Genesis P-Orridge, foram a banda que se seguiu no palco Reverence. Formados na década de 80, são uma banda histórica que passou por diferentes encarnações ao longo da sua vasta e prolífica carreira, ora no punk, ora no industrial, ou, mais recentemente, perto de um rock psicadélico próximo do formato canção. Com o spoken word a andar sempre por perto do psicadelismo, músicas como “ Greyhounds of the Future” (e o seu mantra” memories tell us one thing, everything must go”) ou a cover de “Interstellar Overdrive”, dos Pink Floyd, deixaram o público num transe shamânico que apenas obedecia ao ritmo e à figura carismática de P-Orridge. Ajudado pelas hiptónicas luzes e projeções que fizeram o TV do nome sobressair, os britânicos deram um bom concerto, nesta fase menos experimental da banda, e alimentaram a esperança de um regresso para breve, numa situação diferente.

A par dos Electric Wizard, os Hawkwind eram a banda mais importante, e mais aguardada, do cartaz. Inventores do Space-Rock no final dos anos 60, são uma banda cuja influência é inegável para quase todas as bandas de rock progressivo. Apesar de Dave Brock ser o único membro original do coletivo, ainda eram muitos aqueles que ansiavam por ver estes dinossauros do rock ao vivo. Com um concerto competente e que passou pelas várias fases da carreira, ainda que deixando de lado músicas como “Masters of The Universe” ou “Silver Machine”, os Hawkwind foram iguais a si próprios e, desde as longas introduções de Mr. Dibbs, arrancadas dos livros de ficção científica, que sempre foram a maior influência da banda, aos solos cósmicos de "Theremin", de Nial Honne, esteve tudo lá. Irrepreensíveis tecnicamente - a dada altura do concerto, dois ingleses na plateia comentavam o quão parecido ao álbum soavam - e socorridos, tal como os Psychic TV, de projeções, os Hawkwind deram um bom espectáculo que certamente satisfez quem se deslocou até Valada com eles em mente.

Os Mão Morta já não são estranhos para ninguém, com mais de 20 anos de história, contestação política e performances extenuantes em palco. Estávamos, portanto, já preparados para um delírio intenso em cima do palco Reverence. A apresentar o mais recente “Pelo meu relógio são horas de matar”, que se debruça sobre problemas da sociedade portuguesa atual, como o desemprego e o trabalho precário, com letras fortes e envoltas em polémica, houve tempo para voltar atrás, bem atrás, ao primeiro álbum, homónimo, com temas como “Até Cair” e “E se Depois”. Envolto numa luz vermelha, Adolfo Luxúria Canibal, um Michael Gira português, não deixa ninguém indiferente, de olhos esbugalhados, postura descoordenada, quase possuída ou até lasciva, revezando-se por todo o palco e obrigando-nos a seguir-lhe os movimentos. “Irmão da Solidão” chega então como a primeira passagem pelo álbum de 2014, e, pouco depois, “Pássaros a Esvoaçar”, que faz a crítica ao país que incentiva os seus a voar para fora, com uma ironia mordaz e altamente metafórica. Passámos também por “Pesadelo em Peluche”, com a música “Fazer de Morto”.

“Mutantes s.21”, “Berlim” e “Barcelona” fizeram as delícias do público, envolvido naquele que foi um dos melhores concertos dos portugueses - os únicos nacionais a pisar, justamente, o palco Reverence, que vimos, com Adolfo Luxúria Canibal a aproximar-se do público, puxando-nos para esta transe. Ainda assim, “Anarquista Duval”, já para o fim, teve o maior entusiasmo por parte da audiência. Mas foi “Hipótese do Suicídio”, um dos temas mais fortes e pesados do mais recente registo, que nos deixou pregados ao chão. Para a despedida de um concerto que, para compensar os atrasos, até acabou segundos antes da hora, marcando, ironicamente, o relógio, ficou, então, “Horas de Matar”.

O encerramento do palco Reverence ficou para os The Black Angels, que entraram em palco quase uma hora depois. Os texanos, discípulos dos Velvet Underground (e não apenas pelo nome), foram aplaudidos e levaram-nos consigo pelas suas incursões psicadélicas, com fortes fundos projetados, cujo impacto visual chegava e era suficiente para nos toldar a mente. Apesar de muitos entusiastas que esperaram para ver os norte-americanos, à nossa volta, excetuando os Moon Duo, atrás de nós, que mais tarde atuariam no palco Sabotage, era palpável o cansaço de dois dias muito intensos. Ainda assim, o início do concerto foi cativante e, contrariamente ao esperado, foi uma atuação pouco marcada pelos temas do mais recente “Indigo Meadow”. Ouvimos “Evil Things” e “Indigo Meadow” e voltámos a “Phosphene Dream” com “Yellow Elevator #2” e “Bad Vibrations”. O final, apenas com Alex Maas em palco, perdeu gás e deixou um pouco a desejar. É, ainda assim, uma banda que gostaríamos de ver regressar.

No final, ainda passámos em Crippled Black Phoenix, no Palco Rio - uma das bandas penalizadas pelos atrasos, mas que, ainda assim, foi muito acarinhada pelo público. Houve tempo ainda para ver Moon Duo, que, à semelhança do seu jogo de luzes, levaram o público para um vortex espacial movido a fritaria sónica. Os portuenses Equations deram, por sua vez, seguimento à sua nova e brilhante fase e conquistaram o prémio de melhor bigode do festival. E, por fim, Jibóia, às 7h00 da manhã, queimaram os últimos cartuchos.

Encerramos assim, com uma estreia, a época dos grandes festivais de Verão. O mês de setembro fez-se sentir no choque térmico da água dos chuveiros em contacto com a pele e no frio da noite, que se sentia mal os concertos terminavam e a multidão dispersava. O domingo foi de chuva pela manhã e de descanso durante toda a tarde, já que a maratona deixa as suas mazelas.

O balanço da primeira edição é muito positivo, e há sempre que dar o desconto a certas coisas, sendo a primeira. Acreditamos que “O Valada” tem todo o potencial para um regresso em 2015 e, tal como outros históricos certames nacionais, para fazer mexer uma pequena e simpática freguesia, marcada pela migração para as cidades e pela rápida passagem do tempo, mesmo sendo Lisboa “já ali ao lado”. Arrumamos, assim, a tenda e o saco cama, e despedimo-nos das localizações um tanto ou quanto remotas que pudemos descobrir e redescobrir por Portugal fora durante este verão.

Texto: Rita Bernardo e David Silva

Fotografias: Mariana Vasconcelos e Nuno Bernardo