![Super Bock Super Rock 2014, dia 2: A noite de Eddie Vedder (para quem queira e para quem não queira)](/assets/img/blank.png)
Ainda conseguimos, após a chegada ao recinto, apanhar o final do concerto dos For Pete Sake, que iniciaram o segundo dia de Meco, Sol e Rock n’Roll, depois de já terem passado pelo NOS Alive ainda este ano, e que, saltando e cantando pelo palco numa alegria contagiante, animaram alguns dos presentes com músicas como o single “House”.
No Palco Antena 3, os Keep Razors Sharp também tocavam para uma multidão significante e Joe Satriani reuniu, já no Palco EDP, uma multidão que parou para ver e ouvir a mestria daquele que é um dos mais célebres guitarristas a percorrer palcos por todo o mundo.
Contudo, a nossa trajetória fez-se pelo Palco Super Bock, onde a dupla nova-iorquina Cults se estreava por palcos nacionais. Um indie pop marcado pela voz doce de Madeline Follin, para iniciar uma noite que se manteria nesse registo com Woodkid e Eddie Vedder, mais tarde.
Esta apareceu em palco, de vestido branco, contrastando com o fundo escuro e despido do palco, com Brian Oblivion e os restantes três elementos da banda na formação ao vivo. “Abducted”, do álbum homónimo de 2010, abriu um concerto onde ainda se viam muitos espaços abertos por entre a parca relva do solo. Ainda assim, os Cults foram recebidos calorosamente, com braços no ar a acompanhar as músicas.
“Esta é nova e fala de estarmos juntos, para sempre - um pouco o que sentimos aqui”, disse Brian, nas teclas e guitarra, antes de iniciar “Always, Forever”, do mais recente "Static". Do mesmo álbum ainda dançámos ao som de “We’ve got it”. Mas foram “You know what I mean” e “Go Outside”, do álbum de estreia, que mais entusiasmaram a multidão, que se deixou encantar pela simpatia de Madeline, com uma notável entrega durante as músicas e uma adorável timidez durante os agradecimentos.
Uma enérgica “I can hardly make you mine” encerrou o concerto, com a dupla a apelar para vermos, mais tarde, os Sleigh Bells - tarefa que não sabíamos, na altura, que seria tão difícil assim. Antes de sair de palco, Follin teve ainda tempo para mais uma mostra de simpatia, entregando uma baqueta a uma fã com um cartaz.
Voltámos ao palco EDP para espreitar os britânicos Pulled Apart by Horses, que, durante dez minutos, ultimaram as afinações, puxando pelo público enquanto o faziam. Na verdade, podemos dizer que estes rapazes são uma animação e fizeram muitos rir com as suas palhaçadas. Já a música, com gritos característicos do hardcore, guitarras explosivas e performances enérgicas, com moshpits e crowdsurfing, lembra muito os escoceses Biffy Clyro, com quem os Pulled Apart, inclusivamente, já fizeram digressões.
A banda de Leeds entregou-nos uma atuação que fez justiça ao slogan do festival, pelo menos na parte do Meco e Rock n’roll, já que a performance foi marcada por uma chuva intensa, muita Super Bock, muitos panos para limpar os instrumentos e muita paciência para os problemas técnicos que começavam a aparecer. Ainda assim, uma multidão encharcada não arredava pé. “Portugal, eu era eletrocutado por vocês”, brincou ainda o vocalista Tom Hudson, fazendo referência à última vez que haviam atuado por terras lusas, em 2008.
Um final forçado, a três músicas do fim, foi o início dos problemas no palco EDP.
“It’s mainly rock’n’roll and I like it” podia ser a chamada para mais um concerto – potente! – do senhor Paulo Furtado e companhia.
A entrada é feita com Paulo ‘Sega’ Segadães na bateria e um quarteto de cordas a acompanhar “Love Ride”, uma das canções do álbum “True”, deste ano. Aos poucos, fomos entrando na onda pura de rock’n’roll do músico, quase em simultâneo com a chuva, que começava a cair ligeiramente.
Sozinho em palco para o segundo tema, o one-man-band lançou o desafio: “Espero que estejam com muita vontade de ouvir rock’n’roll!”. A resposta não se fez esperar e as provas foram sendo apresentadas em canções como “Naked Blues”, “Green Onions”, a belíssima “Do Come Home” ou “Wild Beast”, algumas a solo, outras ganhando com a diversidade e a energia de outros músicos. Filipe Costa – “as melhores mãos que podem tocar nas teclas” -, Ana Cláudia e Alex D’Alva Teixeira, que vieram dar força a “This Boots Were Made For Walking”, um original de Lee Hazlewood imortalizado pela voz de Nancy Sinatra, e o saxofone de João Cabrita criaram uma composição perfeita num espetáculo que ganha, sobretudo, na imagem (incansável) de Paulo Furtado.
A chuva caía copiosamente, mas houve muita gente a aguentar a má disposição temporária de São Pedro e a deixar-se levar por “& Then Came the Pain” e, muito a propósito, “Storm Over Paradise”. “Dance Craze” levou Paulo Furtado, no final, e à semelhança do que havia feito no Mexefest, em novembro passado, a saltar para o meio do público, para dançar. Porque rock’n’roll que se preze tem de ser dançado até se cair para o lado. “Obrigada por terem aguentado a chuva”, disse, em jeito de despedida. Haveríamos de o ver novamente neste palco, mas essa seria já uma surpresa.
Chegámos ao palco Antena 3, já a Capicua tocava “Sereia Louca” para uma multidão que aproveitou a tenda coberta para fugir da chuva e abanar a mão direita no ar, seguindo a comandante da Guerrilha cor-de-rosa e M7, que a acompanhava no palco.
Ainda do mais recente álbum da rapper da Invicta, que trouxe o hip-hop ao Meco, ouvimos a determinada “Mão Pesada” e ainda “Mulher do Cacilheiro”, antes de termos de rumar para o Palco EDP, para ouvir a segunda dupla da noite, os Sleigh Bells, também de Nova Iorque.
Às 22h30 encontrámos Alexis Krauss em cima do palco, a anunciar que o concerto havia sido adiado para a uma da manhã, devido à chuva, que havia danificado as estruturas do palco.
Depois de uma passagem pelo Vodafone Mexefest no final do ano passado, em que esgotou o Coliseu, Yoann Lemoine, conhecido por Woodkid, voltou para, desta vez, encantar sem restrições todos aqueles que queriam ouvir as faixas do aclamado “The Golden Age”.
Sendo Yoann realizador de vídeos de música, já esperávamos que o francês trouxesse uma atuação rica em elementos visuais. E trouxe. Imagens de edifícios religiosos a preto e branco, som de órgão a introduzir as músicas, luzes coordenadas com os movimentos do frontman, a banda a enquadrar o cenário, sem esquecer a fantástica secção de percussão e sopros. As luzes coloridas da EDP, distribuídas antes do espectáculo, contrastavam com o preto e branco que pautou a totalidade da atuação. Um espectáculo bem montado, com adesão quase total do público, dado que o palco EDP estava parado.
Com a teatralidade que já lhe conhecemos, ouvimos “Golden Age”, “Ghost Light”, “Stabat Mater”, “Conquest of Spaces” e “Iron”. “I love you”, o mais badalado single tirado do disco, foi cantado a plenos pulmões, em coro. Ouvimos ainda “Volcano”, do Iron EP, e “The great escape” e “Run boy run”, a fechar o concerto. No final fica a sensação de que, além das músicas serem esticadas para um set superior ao suposto, a interação e os pulos constantes não fazem sentido no âmbito teatral da atuação de Woodkid. Ainda assim, o espaço aberto do Super Bock Super Rock ultrapassa as limitações de qualquer sala.
Chegámos, outra vez, ao palco EDP, onde Alexis Krauss , novamente em palco, dava notícia de novas alterações nos horários, desta feita já não devido à chuva, passando o concerto dos Sleigh Bells para as três da manhã. Naquele palco tocaria, então, Cat Power e só depois Eddie arrancaria com o concerto no palco principal. Compreensível que dois cabeças de cartaz de palcos diferentes não possam tocar ao mesmo tempo, mas a solução encontrada, a de adiar o concerto dos Sleigh Bells até ao final do de Eddie Vedder, não foi, de todo, admissível, quando há limitações de transportes para muitos e quando os públicos de ambos não se tocam necessariamente.
Mais de uma hora depois da anunciada, e entre várias divulgações contraditórias sobre a hora a que atuaria, com o palco EDP a ser montado e desmontado – a organização do SBSR esteve muito mal, mas isso já vem sendo habitual, de ano para ano –, Chan Marschall entrou com “The Greatest”, que levou arranjos diferentes e que passou despercebida a muitos, sem ter sido recebida sequer com os aplausos habituais de reconhecimento de uma canção. A segunda, “Cherokee”, saiu já do álbum que haveria de contrariar a chuva, “Sun” (2012). Foi cerca de meia dúzia de canções que a cantora norte-americana conseguiu apresentar num palco que havia sido maltratado pela água. “Metal Heart”, “Manhattan” e “Ruin” foram pautando o concerto, que ficou muito aquém do esperado, lamentavelmente, embora Cat Power se tenha apresentado muito emotiva, a prometer voltar.
Não ajudou a chuva, é verdade, mas não ajudou, sobretudo, a desconsideração que a organização demonstrou pelo público e pelos músicos, principalmente, quando aquele foi informado do que se estava a passar por Alexis Krauss, vocalista dos Sleigh Bells, que fez questão de subir ao palco e explicar.
Respeitosamente, o Eddie Vedder afirmou que só subiria ao palco depois do concerto de Cat Power terminar. Assim, na noite certamente mais cheia do festival, passava ligeiramente das duas da manhã quando o senhor Pearl Jam entrou em cena. E que cena! Acompanhado apenas por cordas – viola, guitarra, ukulele –, o músico foi apresentado covers, temas dos Pearl Jam e outros retirados do seu mais recente trabalho, “Ukelele Songs” (2011), numa noite que teve a mais surpreendente apoteose numa cover de John Lennon. Mas vamos com calma, porque foi assim que se viveu a música deste senhor.
A abrir, “Cordury”, dos Pearl Jam, banda que acabaria por oferecer a maior parte dos temas da noite, para gáudio do público, que entoava a maioria de cor. E depois da canção dos Hunters & Collections, seguiu-se uma nova cover -“Brain Damage”, dos Pink Floyd - e “Sometimes” e “Wishlist”, de regresso à banda de Seatle. “Boa noite!” - de papel na mão, Eddie Vedder lê, num atabalhoado português: "Foi há dois anos que estive em Portugal, para tocar para muita gente. É bom estar de volta a Portugal”. E é de ukelele na mão que Vedder entra em “Ukelele Songs”, com o tema “Can´t Keep”. Animado, emocionado, vai conduzindo o público para um lugar de magia. “I hope that none of you sleep by yourself tonight” é o mote para “Sleeping by Myself”, secundado por “Without Me”.
“Quando era mais novo, aprendi a enrolar charros. À medida que os charros iam ficando maiores, o dinheiro ia ficando mais pequeno”, vai contando Eddie Vadder. “Agora, há mais dinheiro, mas é bom fazer um intervalo. Quando trabalhas muito e descansas a seguir, é bom fumar um charro de vez em quando", ri-se Vedder, antes de chamar a primeira convidada, Cat Power, com quem canta “Tonight You Belong to Me” e com quem partilha a garrafa de vinho.
Eddie Vedder vai conversando com o público, que poderia estar sentado a ver este concerto, naquela erva molhada, que não ia ser menos emotivo. Com um projetor de fitas de cinema ao lado e luzes a lembrar velas, colocadas no fundo do palco, havia mais intimidade entre o músico e aquele mar de gente do que em muitos concertos em salas pequenas. O líder dos Pearl Jam teve ainda tempo de dedicar “Guaranteed” a uma Patrícia, que, aparentemente, fazia anos, antes de continuar pela noite dentro. “Someone just told me that I’m free to play along as I want”, anuncia a um público que é presenteado com uma canção de Bob Dylan, “Masters of War”, acompanhado à guitarra por Paulo Furtado, de regresso ao palco horas depois do seu próprio concerto.
A guerra revela-se, aliás, um dos temas mais marcantes desta edição do SBSR. Depois das mensagens dos Massive Attack, na noite anterior, Eddie Vadder evoca um discurso anti-guerra feito num concerto dos Pearl Jam há umas semanas. “Se somos anti-guerra, não quer dizer que sejamos a favor de um lado ou de outro. Quer dizer que somos pró-paz, pró-comunicação, pró-amor, pró-compreensão, pró-perdão... Esta é a canção mais poderosa que já foi escrita e, por isso, nunca a cantei ao vivo". “Imagine”, de John Lennon, é entoada a uma só voz pelas milhares de pessoas que se encontram no recinto e que se juntam a Eddie Vadder. Se há momentos que se sente que a música tem essa maravilhosa e estonteante capacidade de unificação, este é um deles.
Houve ainda outros nomes a serem recordados: “You’ve Got to Hide Your Love Away”, dos The Beatles, ou “Last Kiss”, de Wayne Cochran, ou até outros tempos, como a primeira vez que Eddie Vadder veio a Portugal.E houve aquele momento em que o público ficou por sua conta a cantar “Black”, do primeiro álbum dos Pearl Jam, “Ten” (1991).
“Have a great summer, thanks for making me part of this”, disse à despedida, antes de entoar “Hard Sun”. Havia passado mais de duas horas desde o início do concerto, mas o público ainda não estava rendido. Por isso, continuou a gritar “Eddie, Eddie, Eddie...” E Eddie Vadder voltou para lançar um convite, nas palavras de Neil Young: “Keppin’ on rocking in the free world...”
Ouvimos o último acorde da guitarra de Eddie Vedder e logo subiram as luzes do palco EDP. Parece que a terceira vez que vemos a coluna de caixas de amplificadores Marshall’s em palco é, de facto, a derradeira, com Alexis Krauss, Derek Miller, trazendo a guitarra da capa do álbum “Bitter Rivals”, e mais dois elementos da banda a subirem ao palco para uma verdadeira apresentação, explosiva e flash, da agressiva "Minnie", deste mesmo álbum.
É difícil definir o som deste duo noise, mas a antecipação pelas horas de espera, quer do lado de lá, quer do lado de cá, levou a uma explosão de energia, entre pulos, moshpits, crowdsurfing e com Alexis a aproximar-se do público por várias vezes. Do mais recente registo ouvimos a música que dá nome ao álbum; “Comeback Kid”, o single tirado do segundo álbum, “Reign of Terror; e “Crown on the Ground”, música que voltou recentemente à baila na banda sonora do mais recente filme de Sofia Coppola, "Bling Ring".
“Infelizmente, só temos mais duas músicas, tivemos de esperar que o Eddie Vedder acabasse de tocar e temos voo amanhã às 7h00”, disse Krauss, antes de se entregar completamente à interpretação de “You don’t get me twice”, “Infinity Guitars” e “A/B Machines”, esta a pedido do público, que, descontente, protestou, com alguns fãs a dançarem em cima do palco. Krauss, demonstrando uma inacreditável e excelente atitude, desceu junto às grades ainda para uma última versão acappela de “Rill Rill”, apenas com as vozes de Alexis e do público.
Uma atuação que serviu para provar que, ainda que os mais recentes álbuns não tenham tido o impacto da estreia de “Treats”, a verdade é que os Sleigh Bells foram responsável, tal como foi dito no ano passado, em Paredes de Coura, uma das melhores atuações, e, desta feita, com apenas com seis ou sete músicas. A prova de que nem sempre quantidade é qualidade. No final, um esclarecimento da organização e a promessa de um regresso.
Texto: Helena Ales Pereira e Rita Bernardo
Fotografias: Nuno Bernardo e João Lambelho
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