A relação da banda de Ohio com o público português é já bastante sólida, prova disso foram as duas horas e pouco do concerto de ontem, o segundo da digressão em Portugal.

Bartees Strange, o músico americano nascido em Inglaterra, abriu a noite que se adivinhava épica. Do alinhamento fez parte uma versão de “About Today” com o público a corresponder ao som familiar, ainda que com um arranjo diferente. O vocalista assumiu o fascínio pela banda que viria a seguir e a honra de tocar ali.

O concerto estava marcado para as 21h30, mas a esta hora o palco estava vazio – pelo menos de música- contrastando com uma plateia cheia de expetativa. Mudavam-se instrumentos de sítio, posicionavam-se cabos e alinhava-se a técnica. Na tela as imagens do backstage vertiginavam a grande entrada: “Please stand by”, podíamos ler. Como se fôssemos capaz de ir a mais algum lado.

Passavam quinze minutos das 21h30 e os assobios e êxtase encheram a sala que, em 2011, já tinha recebido a banda num concerto, também ele, muito especial. Seguiu-se a histeria de quem aguarda pelo momento da noite. Os músicos subiam ao palco acompanhados por uma câmara e pelos milhares de olhos atentos e ávidos por reencontrar os big five: Matt, Brice, Aaron, Bryan e Scott.

Quem segue atentamente a digressão da banda não se surpreendeu com a abertura: "Once Upon a Poolside", a primeira faixa de um dos mais recentes álbuns da banda, “First Two Pages of Frankenstein” com a colaboração de Sufjan Stevens.

O início de uma noite irrepetível

Matt Berninger, vocalista e letrista, surge vestido de preto – como sempre – com um foco de luz a adensar-lhe a voz imponente e a presença vincada em palco. Matt é distinto de qualquer outro, disso não há dúvidas. Seguiram-se mais dois hits do álbum lançado em Abril: "Tropic Morning News" e "New Order T-shirt", ambas escritas por Matt e Aaron Dessner, produtor e guitarrista da banda.

A digressão com a apresentação dos mais recentes  álbuns - Two Pages of Frankstein (abril, 2023) e Laugh Track (setembro, 2023) marca  também o regresso de Matt à escrita após um período difícil de depressão e bloqueio criativo. Mas tanto o vocalista, como a banda apresentaram-se com nova energia que não passou despercebida, nem que fosse pelo sorriso constante de Aaron à reação da legião de fãs que fez esgotar a sala. Em Portugal tem sido assim, desde que a banda se estreou a solo no festival Paredes de Coura em 2005.  Na altura, o grupo de Ohio vinha apresentar o seu terceiro e mais recente trabalho, “Alligator”. Em estúdio já tinha gravado dois discos: o homónimo “The National” (2001) e “Sad Song for Ditry Lovers (2003).

Além da melodia, dos arranjos e do talento dos músicos, "The National" destaca-se pela voz de Matt, que consegue estremecer qualquer sala, e pela sua interpretação em cada palavra. Mas em palco não ficam apenas palavras, ficam gestos. O vocalista procurou sempre o público, esticou a mão diversas vezes como se, sem dizer, dissesse que ele era a extensão que precisava para o espetáculo que seguia. “Tropic Morning news” acabou numa excitação máxima com o solo dos gémeos Brice e Aaron nas cordas, mas este foi só o mote para o que viria a seguir.

O público, dedicado e fã de muitos anos, lançou-se com palmas afinadas para aquele que viria a ser o primeiro delírio do concerto, “Squalor Victoria” do álbum de 2008 , Boxer. Aqui começa a surpreendente escolha de alinhamento da noite. Em "Raise our heavenly glasses to the heavens” cantou, enquanto erguia os óculos (talvez noutros tempos levantasse mesmo um copo), mas Matt está neste momento noutra fase.

A euforia voltava na quinta música com "Bloodbuzz Ohio". Matt podia ter abandonado o palco, porque o público continuava a letra com todo o fervor. Aaron fortaleceu o sorriso de quem estava orgulhoso pela antecipação dos fãs em cada palavra ou momento da música. Os aplausos e gritos encheram o Campo Pequeno, que pareceu realmente pequeno para tanto entusiamo.

Depois, seguia-se um momento mais intimista. Os primeiros acordes não deixaram esconder a música que se seguia. Um rapaz alto e imponente, aparentemente pouco sensível, comentava que aquela era a música de entrada do seu casamento; enquanto uma rapariga dizia para o namorado "é a tua música". Imediatamente os casais uniram-se como se se refugiassem naquela letra para uma declaração de amor. Matt, no seu tom romântico e penetrante, agarra o microfone, posicionado à sua altura, abafa-o com as mãos e inclina-se para o seu lado esquerdo e, de olhos fechados, declara “I need my girl”.

“Inesperado”, “brutal”, “incrível”: as palavras que se foram ouvindo

"Two Pages of Frankenstein", o oitavo trabalho da banda, lançado a 28 de abril deste ano, foi o pontapé de saída que motivou esta digressão, contudo estes concertos têm sido muito mais do que a apresentação de novos trabalhos. A banda aproveitou para cimentar temas antigos que ainda hoje mexem com qualquer plateia. “Apartment Story”, “Brainy” ou “Lemonworld” foram alguns desses êxitos que deixaram, desde logo, o público surpreendido e ansioso por mais. “Há anos que não ouvia esta música ao vivo”, comentava-se à volta.

Já o público tinha percebido que este era um alinhamento especial, dedicado a quem acompanha a banda desde sempre, quando surge "Sorrow" para arrebatar os mais sensíveis. “Cause I don’t wanna get over you”, canta-se em uníssono. E de facto foi difícil recuperar de um momento tão cru e bonito como este. É aqui que percebemos que assistir a The National é despir-se e ficar-se completamente vulnerável a acompanhar as suas letras, melodias e estados de alma. E todas as memórias e sentimentos cravam-se na pele durante aqueles minutos.

O segundo concerto deste ano, em Portugal, foi uma montanha russa em que fomos transportados para diferentes atmosferas onde fomos oscilando entre ritmos e sensações, mas isso já se esperava quando Aaron avisou o público que a partir dali apenas iam tocar músicas do álbum "Alligator" (2005), para muitos um dos melhores da banda.

"Lit Up" levou a plateia à loucura, incrédula por estar a ouvir esta música tanto anos depois e transportando-a certamente para uma grande viagem no tempo. Os cinco de Ohio não quiseram deixar os ânimos arrefecer e logo a seguir tocaram "Abel". “My mind's not right, My mind's not right, my mind’s not right”, gritava-se a plenos pulmões. Foi o êxtase total: os mais comedidos perderam as estribeiras, como se possuídos por algo superior, os que tinham acabado de encher os copos, vazavam-nos sem piedade, os mais histéricos perderam a cabeça de vez.

Seguiram-se muitos sucessos, alguns mais inesperados do que outros, e também músicas do mais recente álbum, como "Crumble" ou "Laugh Track" e houve aqueles clássicos de qualquer concerto que se preze, como o momento em que o vocalista aceita a bandeira de Portugal e a enrola ao pescoço. Não vamos desvendar todos os temas tocados para também não defraudar expetativas de quem ainda vai hoje ao último concerto, mas uma coisa a banda tem prometido: proporcionar um espetáculo diferente todas as noites.

Matt deambulou, como é normal, pelo público dificultando muitas vezes o trabalho dos assistentes de áudio que têm de fazer malabarismos para manter o cabo do microfone esticado, e o público continua a delirar com estas imersões do vocalista que se diz tímido, mas que avança pela multidão como se de um passeio no parque se tratasse.

O “encore”: todos sabemos que voltam e que há mais, mas mesmo assim pedimos

"Fake empire", do álbum "Boxer", é capaz de ser uma das músicas mais icónicas da banda e por isso, antes da real despedida, a banda escolhe fechar muitas vezes com o tema. O vocalista nem precisava de cantar, aponta o microfone para a plateia e até nos lugares mais cimeiros se ouve a letra. No fim , não faltou o agradecimento em português e o público eufórico que não se cansa de bater palmas porque sabe que a noite não acabou ali.

“Falta aquela”, comenta-se. “É a About Today”, “Vanderlyle”, tenta-se adivinhar. Nas bancadas, ajuda-se à festa a bater freneticamente com os pés levando atrás todo o Campo Pequeno. E eles lá voltam, debaixo de uma chuva de gritos, gargalhadas e sorrisos. Retomam as suas posições, a luz volta a ser azulada e o tom é mais melódico. "Weird Goodbyes" é a música escolhida para arrancar o encore.

Há quem comente que é a melhor faixa do álbum "Two Pages of Frankenstein". Os Bon Iver não surgem em palco, para grande pena da plateia, mas não são esquecidos. Com menos seis meses de vida, a música já está decorada e o público protagoniza um verdadeiro momento de devoção como se de um hino se tratasse, com direito a mão no peito e tudo.

Depois deste momento podíamos ter ido todos para casa felizes e satisfeitos, mas não. Em outubro, nada melhor do que "Mr. November" para levar o Campo Pequeno abaixo. É uma música que não deixa ninguém indiferente e que traduz o espírito de quem segue The National. Tanto se vivem momentos comoventes, como momentos de repleta loucura com saltos e berros à mistura.

Antes do momento final, Matt Berninger ajoelhou-se em forma de agradecimento àquele público a quem já se declarou diversas vezes como o público que “sempre lhes prestou atenção”, mesmo quando ninguém o fazia. Este concerto foi uma ode a todos eles e, talvez um dia, se consiga explicar aos geeks esta relação; para já fica a promessa quase à capela: "I'll explain everything to the geeks".

Este sábado, os The National tocam novamente no Campo Pequeno para o terceiro e último concerto da digressão em Portugal.