As palavras pertencem a Sofia de Mello Breyner, Alexandre O’Neill, Florbela Espanca ou Fernando Pessoa. Entre as vozes, ouvimos as de Carminho, Camané, Inês Castel-Branco, Dalila Carmo ou Fernando Tordo. Ou ainda, claro, a do próprio Tiago Bettencourt, que começou por criar Tiago na Toca como um projeto "caseiro e privado", surgido do amor pela poesia e, aos poucos, partilhado com alguns amigos.

Desta apropriação (musicada) da poesia de outros, iniciada há cerca de quatro anos, resulta agora um disco/livro "Tiago na Toca e os poetas", que também vai passar por três palcos em fevereiro - e cujas receitas das vendas revertem, na totalidade, a favor da associação Ajuda-me a Ajudar. Os espetáculos decorrem no Teatro Gil Vicente, em Cascais, dia 2; no Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, dia 3; e no Hard Club, no Porto, dia 4.

Foi, de resto, através de um concerto que esta aventura arrancou. "A primeira coisa que fiz foi depois de ter visto o Camané cantar uma letra muito bonita do Henrique Rego, chamada «O Lenço», num espetáculo que deu no Teatro S. Luiz. Acabei por musicar essa letra, tomei-lhe o gosto e comecei a fazer isso com outros poetas - não com o intuito de gravar um disco mas de fazer coisas diferentes. A certa altura estava com um conjunto engraçado de poemas e decidi fazer este projeto e convidar uns amigos para participar", recorda o cantor e compositor em entrevista telefónica ao SAPO Música.

Música, poesia e até passarinhos num "bonito disco de lados B"

Trabalhar letras em português está longe de ser novidade para Tiago, tanto pelo percurso a solo como com os Toranja, mas desta vez as palavras que musicou e cantou não só não eram suas como surgiram de nomes maiores da poesia nacional. Nada que o intimidasse, contudo. "Comecei a escrever ao ouvir fado e a ouvir estes grandes poetas cantados. Fiz um exercício que faço muitas vezes: voltar às origens, voltar ao que me fez fazer o que gosto de fazer", assinala, salientando ainda que a abordagem não conheceu grandes entraves: "Estes poemas já têm uma musicalidade bastante forte, por isso o início do processo acaba por ser bastante fácil. A partir do momento em que torno estas palavras minhas, acabam por sair cá para fora musicadas da mesma maneira que as minhas. Mas obviamente que estes poemas são de um nível superior, têm muita história por trás".

Essa familiaridade não se refletiu só nas letras, acrescenta: "Todos os convidados são pessoas que me são próximas, sem contar com o Fernando Tordo, que não conhecia". E assim, paralelamente à edição dos dois álbuns de Tiago Bettencourt & Mantha, foi nascendo "Tiago na Toca e os poetas", "um bonito disco de lados B". Mas um disco com as suas particularidades. "É preciso perceber o conceito antes de ouvir o disco, no sentido em que é gravado de uma maneira completamente diferente - não há ensaios, não há uma produção do estúdio, os sons que se ouvem à volta são os sons da minha casa, são campainhas, são passarinhos de manhã na rua, os carros a passar lá fora... Agora que este finalmente saiu, acho que vou sentir vontade de, mais tarde ou mais cedo, voltar a fazer isto. Mas tanto posso fazer um disco como pequenas coisas que vão saindo na internet", avança.

Da sala de estar às salas de concertos

Se a poesia de Tiago e a Toca se ouve em disco, também pode ser lida num livro que o acompanha. "No fundo a ideia era ter um objeto que sugerisse uma primeira edição de um livro de poesia antigo em termos de toque e de cheiro - um livro que ficasse bem numa biblioteca, que gostássemos de ter em casa, de folhear. Quis recuperar um bocado aquela rotina, que já se perdeu, de por um disco a tocar em casa e de nos sentarmos e de lermos os textos enquanto ouvimos as letras. Também inclui um texto que explica como foi feita a gravação de cada canção, tem um prefácio escrito pelo meu pai, e por isso acho que está um objeto diferente, especial", apresenta o músico.

O alargamento de um conceito aberto à mudança dá-se esta semana, altura em que Tiago na Toca sobe aos palcos para três concertos. As canções serão a do disco, mas não necessariamente como as ouvimos aí: "Vou trabalhar com novas tecnologias - loops, samples, máquinas de ritmos - e redesenhar as músicas em palco. Vou usar muito material moderno, tecnológico, mas sem perder a carga orgânica de um espetáculo ao vivo".

Este reforço tecnológico compensa, em parte, a ausência de quaisquer convidados. Tiago explicou-nos porque é que os amigos ficam na plateia e não no palco: "Se alguma vez convidar toda a gente que participou no álbum, será para uma coisa maior. Para estes três concertos não achei que fizesse sentido. Gosto mais desta ideia de serem concertos muito pequeninos, muito privados, de estar ali sozinho sem muita pompa e circunstância. Tiago na Toca, no fundo, sou eu em casa - isso dá-me muita liberdade e acho que esse sentimento de desprendimento transparece".

A compra do disco/livro "Tiago na Toca e os poetas" dá direito a um bilhete para um dos três concertos de apresentação.

@Gonçalo Sá