Vitorino afirmou, em agosto deste ano e em declarações ao Jornal de Leiria, que "quando um português canta em inglês fica tristemente ridículo". A opinião foi mal acolhida por vários músicos portugueses, entre os quais Paulo Furtado. Depois da polémica, Vitorino e Paulo Furtado juntaram-se para falar sobre a música portuguesa na Baixa-Chiado PT Bluestation, em Lisboa.

O debate, que aconteceu ao final da tarde desta segunda-feira, 3 de dezembro, foi morno e não teve grandes pontos de discórdia. Da quase hora e meia da conversa ressaltaram dois grandes temas: a influência exercida na identidade e na cultura portuguesas por atores externos, ao longo do tempo, e a falta de espaço para dar a conhecer os artistas e projetos musicais portugueses.

"As identidades portuguesas são evolutivas. Depois das invasões francesas ficámos 'afrancesados' e, até aos anos 80 do século passado, a segunda língua mais falada era o francês. Curiosamente, nunca foi o espanhol, o nosso inimigo histórico", afirma Vitorino.

O músico adianta ainda que, no século XIX, havia uma influência francófona manifesta no quotidiano e, inclusive, numa "certa maneira de falar". "O inglês era desprezado e, no tempo da ditadura, acho que o próprio Salazar não gostava nada do que fosse de influência anglo-saxónica", assevera.

Neste sentido, Vitorino crê ser "fundamental" debater a identidade, que é "difusa" e "evolutiva". "Desde séculos somos esta mistura fabulosa. Temos todas as misturas dos mundos e isso reflete-se na nossa cultura".

Por seu lado, Paulo Furtado evoca a geografia do nosso país para explicar esta influência cultural. "Estamos no eixo de África com o resto da Europa e com as Américas e acho que isso é uma parte de sermos portugueses - a capacidade de sermos influenciados por este eixo. Temos hoje em dia vários exemplos, desde os Buraka até aos Moonspell e ao próprio Vitorino, que, influenciado pela América do Sul, fez alguns discos com sonoridades desta parte do mundo", explica.

A pouca divulgação na rádio, televisão e imprensa

Os dois músicos concordam em uníssono na necessidade de haver "mais espaço" para a divulgação da música portuguesa, "seja ela qual for". "É fundamental estarmos disponíveis, como público e ouvintes, para ouvir aquilo que é feito em Portugal e temos de lutar por, efetivamente, termos mais espaço nos locais onde não há espaço para a música portuguesa", garante Paulo Furtado.

"Se eu conseguisse ter algum êxito em São Paulo, no Brasil, e tal fosse notícia na Folha de São Paulo e, posteriormente, transcrito num jornal português, se calhar começava a ter alguma atenção dos media", ironiza, por seu turno, Vitorino.

O músico alentejano acha que os meios de comunicação portugueses deveriam "dar mais atenção" à nossa música e dá o exemplo concreto de um suplemento de um jornal nacional que, nas sugestões de álbuns a comprar, aconselha apenas um disco português entre os 20 presentes. Critica ainda as grandes produtoras de espetáculos por trazerem artistas "caríssimos", que não pagam impostos em Portugal.

Editoras não escaparam ao debate

Vitorino aproveitou ainda para deixar duras apreciações às editoras multinacionais, também conhecidas por 'majors', que "exploraram" os músicos, "toda a vida". "Estou com uma briga incrível com a EMI Portugal, etiqueta que tem 15 discos meus e um acervo fabuloso de fotografias e de vídeos, para saber se os reedita ou os devolve para as minhas mãos", explica.

Marcaram também presença no debate realizado na estação do metropolitano de Lisboa - Baixa-Chiado - o musicólogo e etnomusicólogo Pedro Felix e o realizador e mentor do projeto "A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria", Tiago Pereira.

@Daniel Pinto Lopes