Trêsporcento, O Martim, Vitorino Voador, Flume, Capitão Capitão e Tupã Cunun. Uma confusão em cima do palco, mas da boa...
Palco Principal – Diabo na Cruz, Feromona e You Can’t Win Charlie Brown são alguns dos muitos projetos que integras. O teu trabalho a solo, que apresenta sob o nome de Vitorino Voador, nasceu como que uma alternativa à música que fazes nessas bandas?
João Gil – Sim. O início disto tudo não surgiu no momento em que eu pensei no Vitorino Voador. Surgiu antes disso, numa fase em que eu andava a compor bastante. Houve uma altura em que fazia duas, três músicas por dia. Andava inspirado. O problema é que as músicas não se enquadravam em Diabo Na Cruz e também não funcionavam nos You Can’t Win Charlie Brown - não respeitavam a linguagem dessas bandas. Só que eu gostava delas e deixava-me um pouco chateado o facto de não as poder aproveitar. Às tantas, ganhei coragem e senti que era a altura certa para fazer este projeto.
PP – Ou seja, quando criaste a personagem, já tinhas as músicas feitas…
JG - Sim. Até houve músicas que saíram do baralho, por já não respeitarem a linguagem do Vitorino Voador. Também não quero que este projeto seja uma coisa onde eu possa ir do reggae ao heavy metal. Gostava que isto andasse dentro de uns certos padrões...
PP - Nunca te aconteceu subires ao palco e confundires-te a ti próprio no meio de tantos projetos?
JG - Por acaso, já me aconteceu uma vez, mas também calhou numa altura em que eu andava muito cansado, porque tinha tido sessões de estúdio todos os dias, tinha feito uma semana de queimas com os Diabo e tinha ido para Inglaterra com Charlie Brown em condições tão complicadas que me deixaram completamente estoirado. Num concerto que tive a seguir, recordo-me de não saber o que é que tinha de fazer a meio de uma música, ainda para mais uma música que eu já tocava há dois anos. Comecei a pensar em temas de outras bandas e andei ali meio perdido. Mas, normalmente, é algo que eu consigo gerir bem, porque também não tenho duzentos concertos com nenhuma dessas bandas. Se os tivesse, claro que seria impossível conciliar concertos, ensaios e composição... Mas não tenho, por isso consigo ter tempo para todas. Por exemplo, os Diabo Na Cruz são uma banda com a qual trabalho há alguns anos e que me ocupa muito tempo. Já no caso dos Feromona não é assim – o projeto encontra-se numa fase um pouco estagnada, não temos material novo para apresentar. Depois, no intervalo dessas bandas todas, dá para ter algum tempo para mim, que é o tempo que utilizo para o Vitorino Voador.
PP - Qual é a mensagem que queres transmitir em “Vitorioso Voo”, trabalho de estreia do Vitorino Voador?
JG - Quando comecei a fazer isto não tinha um objetivo. Não havia uma mensagem que eu quisesse transmitir para as pessoas. Foi algo que apareceu porque senti que tinha coisas para dizer, mas, no entanto, não estava minimamente preocupado se as pessoas iam perceber essa mensagem. Tanto que a primeira música que eu decidi mostrar foi a "Carta de Amor Foleira", que é uma música que eu tinha a certeza absoluta que muita gente iria detestar. Tinha a certeza que metade das pessoas não ia perceber e que algumas ainda iriam pensar, por causa do nome da canção, que estava ali na palhaçada. Quem não gostou, quase que me mandou voar para fora da galáxia. Aliás, uma das más críticas que li sobre o Vitorino Voador acabava com o jornalista a dizer algo como "eu espero que este gajo voe para fora da galáxia". Porém, as críticas boas foram espetaculares. As pessoas conseguiram perceber aquilo que eu estava a falar e gostaram da música de uma maneira que eu nem previa. E isso foi muito bom. Se há uma mensagem, ela foi surgindo ao longo da fase de composição e gravação do disco. Às tantas, percebi que havia realmente qualquer coisa que eu queria transmitir. Mas é uma mensagem muito pessoal, sabes? Por isso eu percebo que muita gente não consiga gostar daquilo. Mas quem gosta, provavelmente sente-se muito mais próximo de mim.
PP - “Carta de Amor Foleira” é um bom exemplo desse lado mais pessoal... O que queres tu dizer com “foleira”?
JG - Não que o foleiro seja uma coisa negativa - não é isso que eu quero que as pessoas pensem. Eu fartei-me de escrever cartas de amor na minha vida. Não houve uma namorada minha que não tivesse direito a cartas, bilhetes e coisas do género. Se eu te mostrasse esses bilhetes e essas cartas todas, tu ias rir-te e ias achar que eu era muito foleiro. Só que são coisas que foram ditas com um elevado grau de sinceridade. É um pouco isso que eu quero que as pessoas percebam. Quando uma pessoa gosta muito de alguém, vai acabar sempre por dizer coisas que, nos ouvidos das outras pessoas, vão soar a foleiro.
PP - No teu álbum mostras um Vitorino Voador muito direto, sem papas na língua. O João Gil também é assim?
JG - Sou mais ainda. É um pouco estranho eu estar a dizer isto, porque é não é algo que eu diga às pessoas. A verdade é que eu sou assim: digo aquilo que penso e normalmente não penso duas vezes quando o digo - o que às vezes também não abona a meu favor, porque não estou sempre certo e, às vezes, digo coisas que não devia, mesmo por não pensar. Mas é como eu sou. Não tinha outra forma de o fazer na minha música.
PP - Nos teus outros projetos paralelos assumes o papel de instrumentista. No entanto, em Vitorino Voador vais mais longe e escreves também letras. Como foi esta tua transição?
JG - O lado da escrita nunca foi o lado em que eu mais me concentrei na minha vida. Sempre tive muito mais contacto com a parte musical e com os instrumentos. A verdade é que eu sempre escrevi, mas nunca foi uma coisa que me agradasse a cem por cento, ao contrário da composição musical propriamente dita. Quando comecei a escrever para as músicas do Vitorino Voador, chegava ao fim e pensava: "bem, que grande porcaria". Era fraquinho o que ali estava e não tinha ponta por onde se lhe pegasse. Um dia, falei com o Diego Armés - que é uma das pessoas que escreve melhor em Portugal, na minha opinião - e disse-lhe que era muito estranho para mim gostar das músicas que compunha e não das letras que escrevia. Expliquei-lhe que sentia que aquilo que escrevia era sempre uma cópia mal sucedida de alguém que eu gostava de ler. E ele disse-me para experimentar escrever aquilo que sentia, de uma forma sincera, sem estar com grandes preocupações com a métrica. Basicamente, escrever por escrever. A verdade é que tais conselhos fizeram sentido e acabei por colocar de parte tudo aquilo que eu já tinha escrito e comecei de novo, descontraidamente, sem pensar. E, ao fim de uma semana, tinha quase todas as letras das músicas escritas. Umas não rimavam, outras tinham uma métrica horrível, mas eu gostava daquilo. Acho que isso foi uma das coisas que fez com que Vitorino Voador soasse àquilo que soa.
PP - Como tem sido o feedback ao teu EP?
JG - Por acaso, tem sido porreiro. Tive boas críticas na altura em que saiu o EP e isso ainda me fez querer trabalhar mais, fazer mais músicas. Só que isto é tudo uma novidade para mim. Eu já toco desde puto, mas nunca tinha tido o meu projeto, em que sou eu que dou a cara. Nas bandas estou sempre muito protegido. Quando o nosso trabalho é criticado, essa mesma crítica não atinge só um, acaba por se diluir um pouco entre todos. É mais fácil aguentar as coisas. Aqui é um pouco diferente. Na altura em que saiu o EP e vi críticas boas a saírem relativamente ao mesmo, sempre pensei que, mais tarde ou mais cedo, iria receber uma má. A verdade é que a primeira crítica negativa ao álbum deitou-me completamente a baixo. Fiquei tão desmoralizado que não toquei durante dois ou três dias. Mas depois o Joca, dos Julie & The Carjackers, puxou-me um pouco para cima e fez-me perceber que, quem faz este tipo de trabalho, tem de estar sujeito a isso.
PP - Já tens material novo para o teu primeiro longa-duração?
JG - Já, o que é um problema. Eu estou sempre de volta de material novo. Assim que acabo de fazer uma coisa, no dia a seguir já estou a fazer outra. Tenho músicas e músicas que nunca mais acabam. O disco está todo pronto, mas está atrasado porque este foi o pior início de ano de sempre: consegui partir a mão direita e rebentar com os ligamentos num dedo da mão esquerda. Por consequência, estive parado dois meses. O disco era para sair agora, no final de março / início de abril, mas cheira-me que não está cá fora antes de junho. E o verão já não é uma boa altura para lançar coisas. Tens os festivais e as festas todas, ninguém se preocupa com novos lançamentos. Por isso, talvez só no final do verão apresente o trabalho.
PP - Dizes que compões músicas com grande frequência. Como consegues, depois, gerir o teu repertório?
JG – Felizmente, tenho um telefone que me serve de gravador e que mudou a minha vida. Até aqui tinha ideias, tocava, gostava, mas, como não pegava nelas durante vários dias, acabava por já não me lembrar do que tinha feito. Hoje em dia, gravo as minhas ideias todas, mesmo que seja só um riff de guitarra ou uma letra. Depois, vou deixando essas coisas de molho durante algum tempo e revisito noutra altura. Muitas das vezes dou comigo a descobrir músicas novas que posso desenvolver. Tenho, também, a vantagem de ter comprado algum material ao longo dos anos, que me permite ir gravando algumas dessas coisas - hoje em dia, qualquer pessoa com o mínimo de equipamento já consegue gravar música em condições. Aliás, o meu EP foi todo gravado em minha casa, com uma mesa de mistura de quatro canais, um microfone e uns teclados que tenho das bandas em que toco.
PP – No fim de semana que passou, teve lugar no Teatro do Bairro, em Lisboa, uma festa que reuniu todos os nomes da Azáfama, numa noite de concertos. Mas que confusão em cima do palco!
JG – Confusão da boa! Tocámos todos juntos pela primeira vez, com as nossas bandas todas, mas também uns com os outros. Estivemos todos ali, a saltar de umas músicas para as outras e a trocar posições nos instrumentos de tema para tema. Foi uma cena divertida para toda a gente, tanto para as pessoas que viram o concerto, como para nós, que o demos, visto ser uma coisa diferente daquilo que fazemos habitualmente. Os Trêsporcento não soaram a Trêsporcento – soaram a Trêsporcento com qualquer coisa. E foi assim com todas as bandas. Foi um grande desafio para todos nós, que influenciará, certamente, possíveis participações no futuro.
PP – Hoje em dia, assiste-se cada vez mais a essa partilha, não é?
JG - Eu acho que esta nova geração de músicos é especial. É malta que gosta mesmo de música e que quer fazer coisas novas, participar em coisas diferentes. Mesmo que não seja a área da música que dominam, a vontade está lá. Eu não me lembro de tal acontecer há 15 anos. Uma das coisas que sinto é que não há aquele "picanço" que havia entre bandas, aquela inveja, aquela competição pouco ou nada saudável que se via há alguns anos atrás...
PP - Já deves ter sido inúmeras vezes confundido com o João Gil dos Trovante e da Ala dos Namorados...
JG - Já tivemos uns momentos estranhos por causa disso, sim. Mas é algo que não me atormenta. Se as pessoas me confundem com o outro João Gil, estão à vontade para o fazer, mas se forem investigar um pouco mais o teor da música, vão ver que aquilo que ele faz e aquilo que eu faço são coisas diferentes. Já me ri com isto várias vezes. Já li um artigo numa revista – com uma fotografia dele em grande – que dizia "banda nova de João Gil, os Diabo Na Cruz”. Há pouco tempo atrás também saiu uma crítica sobre o meu disco bastante porreira, onde às tantas diziam algo do género "trabalho completamente diferente do que ele fez até agora. Talvez um dos seus melhores discos nos últimos dez anos". Não me vou chatear com isso porque tenho coisas muito mais importantes com que me chatear. Se as pessoas ouvirem minhas músicas a pensar que estão a ouvir o outro João Gil, na boa. Por mim, se acharem que é o Jimi Hendrix ou o Luís Represas, estou-me nas tintas. Há espaço para todos no mundo da música. Já há dois, pode ser que apareça um terceiro João Gil daqui a uns tempos...
PP - Para finalizar, és fã de Van Halen?
JG - Por causa do logo? [risos] É a primeira vez que alguém me faz essa pergunta. Por acaso, até não sou. Não te vou dizer que não gosto, mas não é uma banda que eu tenha ouvido enquanto puto. Passou-me um pouco ao lado. Na altura falei com um designer que é meu amigo e convidei-o a fazer a capa do meu disco. Ele aceitou e, então, expliquei-lhe a história e a personagem que eu queria criar: uma espécie de super-herói. Um dia, fui lá a casa dele ver o resultado e, mal me apresentou o logo, pensei que era perfeito para aquilo que eu queria. No entanto, ao olhar para o mesmo, houve ali algo que me pareceu familiar... Depois de sair o disco, fui tocar com You Can't Win Charlie Brown a Guimarães e alguém me chamou à atenção para as semelhanças com o logo dos Van Halen. De repente, fez-se luz e, realmente, quando fui ver o logo dos Van Halen, as semelhanças eram tantas que parecia ter sido feito pelo mesmo gajo. Mas eu também não estou muito preocupado. O logo é uma coisa que pode ir sempre evoluindo. Se formos ver o logo do Super-Homem de há 50 anos atrás, não é o mesmo de agora. As coisas vão sendo alteradas ao longo dos anos. Mas eu gosto bastante do logo em si. Agora vamos ver como faço com o próximo álbum - se fica assim, ou se leva um outro tratamento e lhe ponho uns collants à Van Halen [risos].
Manuel Rodrigues
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