“É a primeira vez que estou a trabalhar o Godot e acho que é preciso, sobretudo, compreendê-lo enquanto proposta de partitura rítmica ou musical, o que fiz neste espetáculo”, disse David Pereira Bastos, no final de um ensaio da peça que vai estar em cena na sala Estúdio do D. Maria II.

“À espera de Godot” é uma das duas peças com que o teatro abre as portas ao público para a nova temporada 2018/2019, numa iniciativa que volta a ficar assinalada por um fim de semana de entrada gratuita para uma série de atividades disponibilizados por aquela sala de espetáculos dirigida por Tiago Rodrigues.

Num cenário despojado, composto por uma parede de madeira com uma reentrância onde está colocada uma mesa e dois bancos – Vladimir e Estragon, Didi e Gogo, respetivamente – as personagens do primeiro ato da peça vão desfiando um diálogo, denotando apenas estarem ali a aguardar por uma personagem de quem nada se sabe a não ser o nome: Godot.

Da autoria do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), esta peça ícone do teatro do absurdo integra ainda mais dois personagens – Pozzo e Lucky, sobre quem também pouco se sabe.

Um texto que David Pereira Bastos confessa que há muito tinha vontade de encenar e interpretar e sobre o qual já tinha trabalhado excertos com Mónica Calle.

Com Tiago Rodrigues, diretor artístico do D. Maria II, surgiu a oportunidade de continuar “o Godot que já usara em ´Ribalta`”, que encenara em 2012, chegando agora a esta peça em que trabalhou uma proposta “independente na área do figurino e cenário” de Bruno Simão, que também interpreta, disse aos jornalistas.

“Interessou-me trabalhar os atores, a dinâmica, a carpintaria, a movimentação em palco e o Bruno apresentou-me uma proposta que achei interessante”, referiu David Pereira Bastos, sublinhando que a tradução que utilizou do original foi a de José Maria Vieira Mendes.

“Não houve sequer a intenção de fazer uma adaptação do original” de Beckett [que se estreou em 1952], mas antes pôr em cena “um lugar abstrato em relação às personagens, ao local onde estão e ao contexto em que se inserem”, precisou o encenador.

Além da tradução de José Maria Vieira Mendes, David Pereira Bastos disse ainda ter feito “alguns ajustes, conferindo as duas versões oficiais de Beckett, uma em francês outra em inglês”, assim como a revisão do texto elaborada por Beckett em 1975 com as notas do dramaturgo e o “´fac-simile que o autor terá usado nas encenações na Alemanha, Chile e na prisão norte-americana de San Quentin”.

Questionado sobre se fez uma adaptação da peça, transpondo as personagens para a atualidade num figurino marcado por fatos de treino e ténis, David Pereira Bastos nega que tenha feito uma adaptação do original do Beckett.

“No contexto atual das artes performativas quando nos surge um autor que nos impõe uma série de limitações cénicas eu pergunto qual é o papel do encenador enquanto criador”, disse David Pereira Bastos, sublinhando que, no seu entender, “não faz sentido fazer um Beckett nos dias de hoje com todas as limitações que o autor impunha”.

Em cena às quartas-feiras e sábados, às 19:30, às quintas e sextas, às 21:00, e, aos domingos às 16:30 na sala Estúdio, a peça está em cena até 7 de outubro.

David Pereira Bastos, Bruno Simão – que também assina o cenário -, Miguel Moreira e Rui M. Silva interpretam a peça, que tem desenho de luz de José Álvaro Correia e que é uma coprodução do D. Maria II com o apoio da Fundação Gestão de Direitos dos Artistas.