Natural de Vila Nova de Gaia, ‘Nini’ trabalha há vários anos neste setor que descreve à Lusa como “um bicho que cresceu sozinho” e que “veio para ficar”, mesmo com ‘dores de crescimento’ que vão da forma como a comunidade percebe essa evolução ao retorno dado ao investimento, a nível global de várias centenas de milhões de euros, que tem entrado.

Antes de estudar design de comunicação, quando “nem imaginava” que viria a trabalhar na área, já a encontravam a “jogar em LANs no café”, ou seja, em torneios físicos, mas ainda longe de ser visível que “as coisas se expandissem” como aconteceram no mercado.

“[Um dia] apareceu um miúdo que jogava Quake no café, trazia um teclado e auscultadores que ganhou num torneio. E eu: ‘fixe, que giro’. Mas não sabia que ia chegar a esta escala”, revela.

Como sempre quis “emigrar”, para “não ficar a receber o ordenado mínimo e batalhar por migalhas”, e tinha família na Alemanha, seguiu para este país e para experiências na ESL, o maior organizador de competições e produtor na área a nível mundial, e no clube Schalke 04, antes de chegar à HLTV, de que é editor o compatriota Luís Mira, com quem vinha a trabalhar e que a convidou.

O futuro na área acabou por se consolidar na ESL, onde percebeu “a dimensão das coisas”, e foi também aí que ganhou o termo com que viria a apresentar-se ao mercado: o de “artista de esports”, plasmado no ‘site’ em que se apresenta na Internet, esportsartist.com.

“As pessoas gostavam muito do meu trabalho, tinha um toque diferente. Por estudar artes e design, tinha um olho diferente. (...) Antes de eu começar a brincar com tintas e desenhos à mão, com cores, não havia muita gente a fazer isso. Os meus amigos convenceram-me a usar esse nome, porque quando alguém precisasse e pesquisasse, vinham logo ao meu ‘site’”, explica.

Agora, prossegue a carreira na HLTV, um portal criado em 2002, dedicado ao popular videojogo Counter-Strike e às competições de esports a ele associadas, que hoje em dia recebe cerca de quatro milhões de visitas únicas por mês.

Trabalha como gestora de comunidades, tendo como função “moderar um pouco a comunidade”, em funções distintas das de um gestor de redes sociais.

“Tomar conta dos fóruns e páginas, para não se insultarem, podendo banir [utilizadores], e por outro lado trazer desafios e coisas interessantes à comunidade. No fundo, toma conta da casa, vê quem se porta bem ou mal, e pensa em coisas interessantes para envolver a comunidade”, descreve.

Esta função acaba por ter relevância redobrada num tempo em que a toxicidade na Internet é um dos temas mais falados. Para Ana Silveira, não é exclusiva ao setor, porque “para qualquer lado que se olhe” este fenómeno acontece.

“Coloca-se esta nuvem no mundo do ‘gaming’, mas olha-se para o mundo normal e acontece o mesmo. É um problema do mundo geral, não é um problema de CS ou de League of Legends. Sim, há gente muito tóxica e gente muito boa. Isto aplica-se ao mundo normal”, simplifica.

Analisando a evolução do setor dos esports, apelida-o de “um monstro” que é “muito particular” e cresce “de forma orgânica”, sem ‘precisar’ dos desportos ditos tradicionais, ou de se inscrever no seu seio, para isso.

“Ainda ninguém percebe muito bem no que vai dar, ainda para mais com o fator pandémico. (...) Os esports vão ter o seu impacto, mas tenho medo desta bolha. Está a injetar-se muito dinheiro, e muitas empresas não têm retorno. É uma coisa muito nova e mundialmente não está muito bem organizada”, alerta.

A gestora de comunidade, que mantém projetos próprios na área do design, lembra que o ‘monstro’ continua sem estar “muito bem regulamentado”, e isso “em Portugal nem se fala, porque é uma salgalhada”.

Numa indústria muito nova, “o mundo ainda está a perceber” no que pode resultar, mesmo que “tenha vindo para ficar”.

“Foi um ‘bicho’ que cresceu sozinho, e quando aparecem pessoas de fato e gravata, são olhados de esguelha. [A comunidade] vê-se como que tomada de assalto. (...) Às vezes, ainda são uma cambada de putos com poder e dinheiro a mais. Torna-se difícil, por vezes, ouvirem opiniões contrárias”, comenta.

Esse “charme orgânico” dos esports, para Ana Silveira o principal atrativo “a consumir conteúdos e trabalha na indústria”, não pode desaparecer, bem como “a ideia de que se pertence a uma tribo, a um sonho maior do que tu”.

“Tiraria aquele conteúdo orgânico que se produz nos esports, que é mais próximo do consumidor do que o Instagram do Cristiano Ronaldo, muito distante. Aqui, há mais proximidade. Tanto pode ser bom como mau”, refere.