Os cartazes empunhados pelos artistas pintam o retrato que se vive no circo tradicional nos últimos meses, consequência da paragem devido à pandemia da COVID-19: “Várias famílias sem condições de sobrevivência”; “Sem apoio e com futuro incerto”; “COVID-19 Sobrevivência ameaçada”.

Nove artistas de circo juntaram-se na quarta-feira no pedaço de passeio em frente à Assembleia da República para “reivindicar um direito que os artistas de circo têm que ter”.

“Têm que ter um apoio e nós não temos qualquer apoio, o circo contemporâneo tem [é uma das disciplinas artísticas incluída nos concursos da Direção-Geral das Artes] e nós não temos. Trabalhamos há muitos anos, somos o circo tradicional e o circo tradicional não pode ser esquecido”, afirmou Dirce Noronha Roque, antiga contorcionista e agora animadora, em declarações à Lusa.

Estes artistas pedem apoios “pelo menos enquanto houver este problema da COVID”. “Que nos deem um apoio para sobrevivermos, porque quando pudermos trabalhar, nós vamos trabalhando”, referiu Dirce Noronha Roque.

A pandemia da COVID-19, que atingiu Portugal em março, obrigou à paragem de digressões e cancelamento ou adiamento de espetáculos e estes artistas não têm perspetiva de quando poderão voltar a trabalhar.

Artistas de circo tradicional

Saulo Roque, de 31 anos e contorcionista desde os seis, estava a trabalhar com o circo Victor Hugo Cardinali. “Chegámos a dois meses de digressão e parámos completamente”, contou à Lusa.

Está “sem ideia” de quando poderá voltar a trabalhar: “Sei que estão a abrir as coisas pouco a pouco, mas para o circo ainda não foi dito nada”.

Neste momento, está “sem apoio, sem nada, numa dificuldade extrema”. “Já pedi o rendimento social de inserção, que é a única coisa a que tenho direito e estou há três meses à espera que me seja dado. Estamos todos no limite, eu, família e todo o resto da comunidade circense”, partilhou.

Deslocou-se hoje até à Assembleia da República para pedir “sensibilidade” ao Governo. “Que olhe por nós, que nos dê a mão e se o nosso Governo não nos der a mão neste momento que precisamos, não sei quando é que vai dar”, disse.

Ulisses Roque, palhaço há mais de 40 anos, também fala em “problemas de sobrevivência” entre os profissionais do circo, “como toda a gente, só que o circo parece que não existe”.

“As pessoas sabem que existimos, mas não se lembram do circo. Lembram-se do teatro, do bailado, da música, tudo, mas do circo não se lembram. Por isso, temos que vir lembrar às pessoas que existimos e que estamos a passar mal”, afirmou.

Neste momento, Ulisses Roque devia estar em Inglaterra, “onde tinha contrato num circo”, mas teve que se vir embora.

“Tenho vivido com o pouco que ganhámos no Natal, está a dar até agora, vamos ver até quando”, contou.

Também ele não tem ideia de quando poderá voltar a trabalhar, “nem os empresários do circo sabem”.

Também Ulisses fala na falta de apoios do Estado aos artistas de circo tradicional. “Não somos considerados Cultura não sei porquê. Enquanto não nos puserem como Cultura, não temos direitos nenhuns, e não somos Cultura porque eles não querem, porque em todos os países o circo é Cultura”, disse.

No protesto desta tarde apareceu um grupo de deputados do Bloco do Esquerda (BE), “em solidariedade” com estes artistas.

A deputada Isabel Pires, em declarações à Lusa, lembrou que, “há algumas semanas”, o BE apresentou “uma pergunta ao Governo quando saiu determinação sobre os apoios [par a] Cultura e se percebeu que o circo tradicional estava excluído”, questionando “os motivos dessa exclusão e se haveria alguma hipótese de reversão”.

Mas até agora, “ainda não houve resposta”.

Além dessa exclusão, a deputada lembra que o partido já propôs a criação do “subsídio extraordinário para trabalhadores informais”, que “também acabará por abranger grande parte destes trabalhadores”.

“Sabemos que não é a solução a longo prazo, nem a única que existe neste momento, mas no apoio imediato achamos que é muito relevante para estas pessoas, sendo que a longo prazo haverá uma necessidade de voltarmos a ter, como já existiu durante vários anos, um estatuto para os profissionais do circo tradicional, que ajudava a oferecer alguma proteção laboral, de Segurança Social e também na reforma, que estes trabalhadores neste momento não têm”, afirmou.

A manifestação simbólica de quarta-feira foi promovida pelo movimento Juntos pela Arte, que reúne artistas de circo tradicional.