Muito antes de o músico receber o Nobel, já os alunos de Stephen Wilson liam as canções do artista norte-americano como poemas.

Stephen Wilson era uma criança quando começou a ouvir Bob Dylan, com o lançamento do "Blonde on Blonde", em 1966 e, na altura, entendeu-o logo como um poeta.

"Gostei das primeiras canções dele, porque podíamos ouvir as palavras. As palavras eram importantes", disse à agência Lusa o docente que leciona a obra de Dylan há cerca de 20 anos, no âmbito da especialização em Estudos Ingleses e Americanos do mestrado de Estudos de Cultura, Literatura e Línguas Modernas da Universidade de Coimbra.

Desde os anos de 1960 que Wilson segue a carreira e os diferentes caminhos e mutações de Dylan e, quando chegou a Coimbra, o especialista no poeta e crítico norte-americano Ezra Pound, que marcou a literatura inglesa, decidiu introduzir o cantautor nas suas aulas.

Porquê? Se Shakespeare, que também ensina, "é a alma da sua era, então Dylan também se tornou a alma da nossa era, do século XX", afirmando-se como um artista que sobrevive ao contexto imediato, explica Stephen Wilson.

Nas suas aulas, Bob Dylan sempre foi estudado como "poeta e ‘cantautor’" e, no início, ainda sem computadores ou internet, distribuíam-se pelos alunos "cópias das palavras" do músico e as canções "eram lidas como se fossem poemas", conta.

Hoje, com outros meios, olha-se para o filme "No Direction Home", de Martin Scorsese, que aborda a vida de Dylan e acaba por retratar um choque cultural que acontece nos anos 70, em que "algo significante na música americana acaba".

Na sua obra, o professor encontra um artista que escreve sobre a sensação de se ser capturado "pela máquina da vida moderna", articulando e compreendendo "as condições" em que a sociedade contemporânea vive.

"As canções de Dylan têm uma extensão que permite pluralidades de interpretações", ao ponto de o próprio músico cantar hoje de forma diferente as canções que criou nos anos 60.

"Está sempre em mutação e, quando o público o apanha, o compreende, ele já não está lá. Está sempre um passo à frente", refere Stephen Wilson, lembrando que, quando inicialmente ouviu Bob Dylan, foi como encontrar palavras que vinham "de outro planeta".

Para o docente, Dylan é um homem "sempre preocupado com as diferentes formas de opressão”. “Mesmo no seu período pós-protesto, é alguém que se sente que fala pelo ‘underdog' [oprimido]".

Ao mesmo tempo, o músico de "Masters of War" acaba por ser uma "convergência" de várias estradas ou, usando o imaginário do ‘blues’ presente na obra de Dylan, de várias "linhas ferroviárias".

Em Dylan, há música afroamericana, há a tradição ‘folk’, bem como a relação com a música popular americana ou com a tradição literária, com referências a Dante ou Shakespeare.

Face às metamorfoses de Dylan, são vários os poetas que se podem associar à sua obra, explica Stephen Wilson, que encontra William Blake no quase apocalíptico "A Hard Rain's A-Gonna Fall", Walt Whitman, na abertura do músico "à experimentação" ou a geração da ‘beat generation’ com Allen Ginsberg à cabeça.

Pode haver também W. H. Auden ou Dylan Thomas, poeta que possivelmente obrigou Bob Dylan a mudar o nome e de onde poderá ter aprendido que "poderia ser obscuro, que as pessoas não teriam de o compreender imediatamente".

Por tudo isso, "para se perceber Dylan, a América é muito importante, mas também para se compreender a América, Dylan é muito importante", diz o professor.

Para Stephen Wilson, Bob Dylan é e sempre foi um poeta, mesmo quando a sua poesia era "muito diferente daquela" que aprendia na escola, enquanto jovem que se deixava encantar pela música e palavras do ‘cantautor’ americano que, há 52 anos, em "I Shall Be Free No. 10", dizia "I'm a poet, I know it, hope I don't blow it".

Bob Dylan, 75 anos, foi distinguido com o Nobel da Literatura "por ter criado novas formas de expressão poéticas no quadro da grande tradição da música americana".

A Academia Sueca revelou, na segunda-feira, que desistiu de tentar contactar diretamente o músico norte-americano Bob Dylan, a quem atribuiu há quatro dias o Prémio Nobel da Literatura.

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