Para o diretor artístico do Teatro D. Maria II, Tiago Rodrigues, estas transmissões vieram para ficar e vão tornar-se num “espaço extra, numa sala extra na programação do Nacional”, a Sala Online do teatro, disse à agência Lusa, à semelhança do diretor do S. João, no Porto, Nuno Cardoso, que encontrou nos meios digitais "um outro palco”.

Já o diretor da companhia Artistas Unidos, Jorge Silva Melo, por seu lado, tem muitas dúvidas de que o online seja mais do que uma solução temporária, até porque, até ao momento, ainda não viu nada que “realmente” o “convencesse”, afirmou, em entrevista à Lusa.

“Gosto muito de teatro filmado, com produção a sério, com tempo de trabalho e, com uma coisa que me parece muito importante, com gravadores importantes -micros –, porque aquilo que eu vi no online, aquilo que eu vi é uma pobreza de som total”, sublinhou, um som “totalmente plano, sem relevo e em que todo o trabalho dos atores é diluído, porque o som é muito fraco”, sustentou Silva Melo, encenador e cineasta, habituado a filmar teatro.

Filmar teatro é uma técnica, assegurou o realizador de "Ninguém Duas Vezes" e "Coitado do Jorge", que soma documentários sobre a arte contemporânea portuguesa e também teatro filmado, que fez quando dirigiu a Cornucópia com Luís Miguel Cintra e, mais tarde, em Berlim, com Peter Stein, com quem fez versões televisivas dos grandes espetáculos do encenador e diretor alemão.

“Cada uma das versões que fiz em Berlim eram três semanas de trabalho, em estúdio e com uma qualidade de som fantástica”, frisou à Lusa.

Por isso, Jorge Silva Melo não sabe se “esta forma rápida de se fazer [online] vai ultrapassar a curiosidade”.

Opinião contrária tem Tiago Rodrigues para quem o digital “deu uma resposta excecional a este tempo excecional que ainda estamos a viver. E continua a dar essa resposta", frisou.

Embora admita que as transmissões online não substituem a “experiência de ir ao teatro”, Tiago Rodrigues considerou que esse formato também “deu lições sobre o trabalho que pode ser feito no digital, no plano da democratização do acesso à atividade artística", porque, apesar de tudo, "é uma experiência de fruição artística”.

E esta experiência "pode não ser a [mesma] do espectador numa sala de teatro ou num espaço ao vivo, mas é, ainda assim, uma experiência que cria uma comunidade e uma relação entre artistas e público que é, em última análise, a razão de existir das instituições culturais e dos teatros, das salas de espetáculo”, assegurou Tiago Rodrigues à Lusa.

Jorge Silva Melo

Por isso, o diretor artístico do D. Maria II acredita que todo o trabalho digital que foi realizado no último ano – que no caso do D. Maria II incluiu conversas, podcasts, documentários, leituras e ganhou sofisticação – “tem de ser prosseguido”.

O teatro, que deverá anunciar a sua temporada pós-confinamento no próximo dia 5 de abril, estruturou a programação, neste segundo regresso a casa, em função do suporte digital, com apresentação de propostas diversas, e o estabelecimento de uma sequência de espetáculos, exibidos na Sala Online, já com acesso através bilheteira, e na Salinha Online, para o público mais novo, de acesso gratuito.

Este esforço sobre o digital, insistiu Tiago Rodrigues, “tem é de ser feito com eventualmente mais qualidade, mais cuidado, mais trabalho”, garantiu, assegurando que, no caso do teatro que dirige, a programação 'online' “veio para ficar, vai ser reforçada e vai passar a ser quase como uma sala extra, um espaço extra, virtual, que passa a existir na programação do D. Maria II”.

Opinião semelhante tem o diretor artístico do Teatro Nacional S. João, no Porto, Nuno Cardoso, para quem os meios digitais permitiram “descobrir um outro palco” e que, apesar de ser um complemento ao teatro, "não abdicará" destes recursos no desconfinamento.

“Esta descoberta abriu um outro palco no São João, um palco de que dificilmente abdicaremos, mesmo que desconfinados, e que é um instrumento muito importante para chegarmos ao nosso público e para o fazermos voltar presencialmente ao teatro”, afirmou Nuno Cardoso.

Jorge Silva Melo duvida que esta “forma rápida vá ultrapassar a curiosidade”. “Nem sei se há muitos espectadores que consigam ver tudo, ou se só espreitam. 'Cheira-me' a que é só espreitar. Vê cinco minutos, vê dez minutos, que é um ritmo que me preocupa, porque o teatro é tempo”, enfatizou.

Sem saber se o online vai ficar ou não, o diretor dos Artistas Unidos - companhia que não transmitiu qualquer espetáculo em nenhum dos dois confinamentos -, Jorge Silva Melo argumenta que, por agora, o formato digital “é apenas um registo pobrezinho”.

“Pode ser que aconteça, que aparecerem grandes técnicos, grandes artistas que, com estas novas técnicas, o consigam fazer. Mas ainda não apareceu, que eu tenha visto”, afirmou à Lusa.

Jorge Silva Melo chama ainda a atenção para outro facto: o pagamento de direitos de autor que não está previsto nem negociado para transmissões digitais.

Daí que só companhias que trabalhem com autores a quem já não têm de pagar direitos possam fazer espetáculos para transmissão digital.

"Quando se negoceiam os direitos de autor, fazemo-lo apenas para o palco. Não para o palco e para streaming. E caso isso venha a acontecer, tem de ser negociado, mas vai encarecer – e bastante – a produção dos espetáculos", assegurou.

O diretor da Companhia de Teatro de Almada, Rodrigo Francisco, comunga da mesma opinião de Jorge Silva Melo. Para si, o teatro pressupões um palco e público. Tudo o que for fora disto, não é teatro, assegurou.

Além disso, diz-lhe a experiência que "o público que vai ao teatro quer ver teatro, não quer ver um espetáculo de teatro num ecrã".

E, para sustentar o que afirma, lembra que a companhia que dirige chegou a transmitir espetáculos online, durante o primeiro confinamento, optando por não o fazer no segundo.

“Tínhamos muito pouco público no digital, por isso percebemos que não é isso que o nosso público quer”, frisou à Lusa.

O diretor do Teatro Aberto – outra das companhias com espetáculos em formato digital –, também não tem dúvidas de que os meios digitais podem ser importantes para a cultura, como afirmou o seu diretor, João Lourenço.

“Mas não são teatro”, assegurou, juntamente com Célia Caeiro, também da direção daquela companhia à Praça de Espanha, em Lisboa.

“O teatro implica público, e se foi importante termos oferta para os tempos de pandemia, a verdade é que o verdadeiro teatro não é o que se passa nos meios digitais", frisou Célia Caeiro à Lusa.

A diretora do teatro municipal S. Luiz, Aida Tavares, acredita que o online permanecerá além-pandemia, mas “numa perspetiva diferente” da deste modelo que surgiu “da urgência e da necessidade imediata de encontrar uma solução para apresentação dos espetáculos programados para o público e artistas”.

“Não obstante sabermos que as artes performativas devem ser apresentadas ao vivo, este período, nesta questão em concreto, colocou em discussão e em reflexão, um aspeto muito positivo que tem a ver com o debate em torno da acessibilidade e o alargamento de público”, frisou à Lusa.

Aida Tavares refere-se sobretudo ao público "fora dos grandes centros que não têm possibilidade de assistir a espetáculos", mas levanta também a questão relacionada com "a melhoria do investimento nos arquivos filmados das próprias instituições", que esta realidade impõe.

Ao lembrar que tanto os artistas como as instituições se empenharam nas transmissões online, até para que a “cultura não fosse adiada”, Aida Tavares está convicta da necessidade de se fazer uma “reflexão mais aprofundada e verificar e analisar os resultados do 'online' nestes meses de pandemia”.

E se há casos onde o online foi uma presença constante e estruturada nos confinamentos – como no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, por exemplo, ou em companhias mais pequenas, como a Mascarenhas-Martins, no Montijo -, há outras estruturas que não querem sequer pronunciar-se sobre se há ou não futuro para o online.

Para todos, o futuro agora escreve-se a partir de 19 de abril, a partir da possibilidade de reabertura dos teatros ao público, como frisou à Lusa fonte da Companhia João Garcia Miguel.