O livro, publicado recentemente pela editorial Novembro, é o terceiro dos cinco que compõem o projeto educativo e literário “Estórias do Meu País Inventado”, o qual resultou dos vários anos que o autor passou nas ilhas de Cabo Verde e das pessoas, paisagens e situações que encontrou no arquipélago.

Os dois primeiros livros contaram com a ilustração dos artistas da Aldeia RabelArte, da Comunidade dos Rabelados de Espinho Branco, na ilha de Santiago, e abordaram a desigualdade social da criança em Cabo Verde (“As tartarugas também choram”) e o trabalho infantil (“Burro Carga-d’água”).

“Katxor de Rua” (cão sem dono, em crioulo) chegou agora às bancas em Portugal, em virtude de o autor ter regressado de Cabo Verde, por motivos pessoais, e é “uma metáfora para os meninos de rua de Cabo Verde”.

“É inspirado nos meninos de rua do Mindelo, em São Vicente, onde vivemos vários anos, em meninos que conhecemos pessoalmente e pega na questão dos cães de rua, que é um assunto e uma problemática que preocupa em Cabo Verde”. Na história entra o “carro da morte”, o qual transporta os inúmeros cães abandonados que são, muitas das vezes, “sujeitos aos piores maus-tratos que se possa imaginar”.

Segundo o autor, existe no livro “um elo de esperança que se cria através dos livros e da leitura”. “A nossa ideia é demonstrar que, às vezes, resolver problemas complexos é possível através de soluções simples”.

O encantamento dos meninos de rua pelos livros é de tal forma que estes, “enquanto vagueavam pela cidade, começaram a pedir livros em vez de pão”, lê-se na obra.

João Fonseca explica que a expressão “livros em vez de pão” levou em conta que muitas vezes as crianças de rua são recriminadas por estarem a pedir na rua.

“As pessoas pensam que o problema delas é a falta de comida e de uma casa. Mas quero mostrar que os problemas são muito maiores. A falta de poder sonhar é muito maior que isso”, referiu, sustentando que o pão representa a matéria e os livros a ideia.

O professor de História deixa um alerta: “Muito mais do que as condições materiais, estamos a roubar a capacidade de sonhar às crianças que vivem na rua”.

Para o escritor, Cabo Verde tem feito “um progresso e um caminho significativo para o bem-estar social do país, da população, das crianças e dos jovens”.

“No entanto, creio que não é esse facto suficiente para que nós, enquanto pessoas que intervêm em sociedade, não tenhamos o direito de apontar o dedo e de afirmar que é preciso fazer mais”.

“Eu acredito que há sempre coisas a fazer e é nosso dever, enquanto cidadãos ativos, participar nessa construção e nessa denuncia

Os livros tentam ser isso: “Uma denúncia e, ao mesmo tempo, a construção de um imaginário, de um aconchego, de um registo, de uma memória, através da literatura”.

O regresso a Portugal obrigou João Fonseca a interromper a colaboração com os artistas da Aldeia RabelArte, pois estes “não são não escolarizados, não têm acesso aos meios de comunicação, não sabem ler e seria impossível contactar, comunicar e trabalhar à distância, estando eu em Portugal e eles em Cabo Verde”, disse em entrevista à Lusa.

A separação é apenas geográfica. O escritor não pretende abandonar a abordagem seguida até agora, ao nível das narrativas textuais e estéticas, e a obra prossegue com jovens artistas promissores das artes plásticas de Cabo Verde, como Yuran Henrique, natural da ilha de São Vicente, que ilustra o “Katxor de Rua”.

Para a concretização deste terceiro livro, assim como o próximo, que abordará o tema da memória e identidade, João Fonseca beneficiou de uma bolsa de criação literária da Direção Geral dos Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) e o autor espera coincidir o regresso a Portugal com a expansão da obra a este país.

“A nossa vinda para Portugal é o início da partilha dos livros e do projeto em escolas portuguesas e em cidades onde existam comunidades cabo-verdianas”, contou.

Até final do ano, João Fonseca quer assinalar a chegada do projeto a Portugal com a presença do Contador de Histórias, uma figura que utilizou em várias ilhas de Cabo Verde para partilhar em escolas e espaços públicos os livros e debater os temas e problemáticas neles abordados.

O livro será igualmente publicado em Cabo Verde (Livraria Pedro Cardoso), mas desta vez não contará com as pinturas de murais alusivos às histórias, como as que foram pintadas nas paredes de várias cidades cabo-verdianos.

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