Passaram quatro anos desde o disco de estreia dos D’Alva “#batequebate”, que teve um enorme sucesso. Que razões levaram a que demorasse tanto tempo até termos notícias de um disco novo?
Nós também tivemos que esperar (risos). Demorou porque nós também tivemos que perceber o que é que íamos fazer a seguir enquanto D’Alva, em relação ao novo álbum e em relação à identidade da banda.
Se calhar no primeiro ano estávamos tranquilos, mas depois foi sempre em crescendo e ficámos expostos a mais realidades diferentes dentro do que é a música. De repente sentíamos que podíamos ir por aqui, mas também podemos ir por ali., etc. E houve uma altura, há dois anos, quando queríamos começar o novo disco, em que não sabíamos se havíamos de ir para a esquerda ou para a direita. Até mesmo a nível das letras não sabíamos o que queríamos dizer às pessoas. Não íamos fazer músicas sobre nada.
Eu [Ben] li uma entrevista do Billy Corgan, os Smashing Pumpkins estão a gravar outra vez, em que ele diz que é frequente acontecer o primeiro disco ser muito fixe e depois daí para a frente ser sobre andar na estrada, estar com saudades ou ir embora. E nós não queremos fazer isso. (risos) Foi preciso viver um bocado, viajar… Não somos as pessoas que éramos há quatro anos.
Entretanto, também fomos convidados a escrever para outras pessoas que fazem música completamente diferente da nossa. E nós sempre fomos uma banda que nunca tivemos medo de experimentar e conseguimos fazer muita coisa diferente. O facto de trabalharmos com artistas mais pop fez-nos sentir que podíamos fazer música mais experimental e exploratória com os D’Alva.
Houve alturas em que estávamos a gravar e é fixe a sensação do vale tudo e não “isto tem de ser assim para passar na rádio ou para aquela pessoa gostar”. É fixe não haver a pressão de cumprir regras. D’Alva é quem nós somos. Acima de tudo foi bom perceber que isto é D’Alva, é o que eu e o Ben trazemos para cima da mesa. Se fosse o Ben com outra pessoa ia soar completamente diferente. Foi o lado mais gratificante deste processo todo. Perceber que isto é uma banda e que tem um som muito próprio. Ouvir outras coisas e perceber que nada soa como D’Alva (risos).”
Verdade Sem Consequência é um tema muito diferente do que já ouvimos dos D’Alva. Foi também este processo de espera que vos tornou mais seguros e confiantes de forma a lançarem-no como carta de apresentação do próximo disco?
Sim, o termos escolhido esta ser a primeira coisa que as pessoas ouvem é a prova disso. Podíamos ter começado com coisas mais seguras. Sabemos que foi arriscado porque é diferente daquilo que fizemos para trás e é arriscado porque não é uma música de rádio. Mas esta música dá-nos um grande feeling.
O que é que vos motivou a compô-la?
A primeira versão, a primeira maquete, apareceu há quase dois anos e foi por causa da internet. Aconteceu qualquer coisa no Facebook. O Ben escreveu qualquer coisa e alguém interpretou mal e isso motivou-me a escrever a canção. Enviei-lhe a música logo a seguir e ele sentiu qualquer coisa quando a ouviu. Podes [Ben] ser mais detalhado (risos).
Ben – Eu penso que senti [em relação à música] o que toda a gente sente agora: isto é um bocado desconfortável, mas ao mesmo tempo… Se calhar porque choca exactamente com a imagem que as pessoas têm de nós ou com o que podemos fazer. Eu senti isso, havia qualquer coisa rough nela e que nos apeteceu não polir. Há ali coisas que estão desde a primeira maquete.
Todas as canções que temos estado a trabalhar eram boas canções individualmente. Pela primeira vez tivemos canções que ficaram de fora. Foi perceber quais eram as canções que conseguiam conviver no mesmo espaço. Mais do que sonicamente, o que está a ser dito. Esta [Verdade sem Consequência] foi a primeira. Depois foi revisitada para ficar mais bem contextualizada.
Há dois anos foi quando começou esta cena toda do Trump ser eleito - “Ah não, não vai ser nada”. Depois é [eleito] e existem todas estas falsas notícias e factos alternativos… Começámos a perceber que já não dá para confiar. O Facebook, por exemplo, que é uma das praças onde habitamos agora e comunicamos, não dá para confiar porque há uma lente automática e essa lente é diferente de pessoa para pessoa.
Será o tema então uma espécie de crítica ao que se lê e se julga tão levemente nas redes sociais?
Também pode ser por aí e até com a ideia da pós-verdade. Mas há mais coisas. O refrão é o grosso do que estamos a dizer e também foi revisitado. Lá está, há uma série de sintomas que todos começámos a sentir e no início não encontras as palavras certas. Agora no fim ficou mais focada. Percebemos que para esta música dizer tudo aquilo que queríamos dizer tinha de ficar gigante (risos) e decidimos “porque não dividir e irmos dizendo noutras canções aquilo que queremos dizer?”. Ou seja, este é o pontapé na porta, para arrombar (risos), e é o pontapé de saída para o nosso mindset quando estávamos a fazer o disco. Esta música foi a primeira e aquela sensação desconfortável que eu senti inicialmente quando a recebi não quis que desaparecesse. Fizemos por mantê-la e acho ainda que está lá.
Em que é que estavam a pensar quando, no vosso vídeo, fizeram o plano da destruição da muralha de caixas?
Cada um de nós tinha ideias claras do que queria passar.
Alex - Para mim há várias questões. A muralha é feita de caixas e há aquela ideia de arrumares as tuas ideias em caixinhas. Por um lado, estamos a desfazer isso tudo. Mas até há também um lado político: em vez de ser “build that wall” é “break that wall”.
Ben - Havia a ideia de estarmos a tocar em frente a uma parede e essa parede ser feita de caixas onde cabem coisas. Nós organizamos em caixinhas diferentes as ideias que temos de tudo e de todos. Lembro-me de estarmos a gravar e de o Bruno (que tinha chegado no próprio dia) estar a fazer de assistente de realização e de perguntar, mas sabes como é que isto vai acabar? Porque tínhamos de gravar tudo num só plano. E eu disse, claro que sim, vamos partir tudo (risos).
A ideia era fazer um vídeo rápido, simples, barato, mas que não seja só a banda a tocar. Isso ninguém quer ver. Nós queríamos ter o elemento de tocar instrumentos, esta música pedia isso, mas queríamos dizer algo mais e surgiu a ideia das caixas.
Apesar do tema misturar punk, rock e hip-hop, na comunicação do single é-nos dito que este não é o carimbo sonoro do disco. Mas então temos um carimbo em termos de narrativa (ao contrário do último disco)?
A nível sonoro não é, de todo. Em relação à narrativa, no último disco nenhuma canção era igual à outra. As pessoas puseram-nos no “D’Alva é isto”. Neste disco acontece mais ou menos a mesma coisa. Cada canção tem o seu universo, mas ao mesmo tempo todas estão na mesma dimensão. Há temas que de uma forma ou outra são recorrentes. Mas não são necessariamente uma crítica, expõem uma coisa que acho que está às claras.
Nós quisemos continuar a fazer pop sem soarmos muito pretensiosos. Mas o que nós fazemos também é arte. E o artista tem esse lado de ser arauto de pegar no oxigénio que está toda a gente a respirar e torná-lo em algo sólido. Pode ser uma escultura, o que for. Penso que acabámos por fazer um bocado isso com esta canção.
Acima de tudo havia uma intenção de não querermos ter certezas ou ditar uma verdade preto no branco. O disco é um bocado isso, descobrir que as coisas não são preto no branco e queríamos fazer canções que nos levantassem questões. “Verdade Sem Consequência” é uma música que coloca questões nos seus próprios versos.
O disco também é um bocado dores de crescimento. É um bocado clichê, mas acho quando ouvirem o resto das canções podem tirar as vossas ilações.
Consideram que neste caminho pop têm de alguma maneira quebrado toda uma série de preconceitos? Ou seja, apesar de todas as sonoridades e temas diferentes que têm explorado, ainda assim mostram uma grande consistência...
É difícil fazer isso. É um exercício complicado, criar uma coerência quando misturas tantos géneros ou até mesmo décadas diferentes da música. Mas às vezes eu [Alex] sinto que estamos numa posição ingrata em que às vezes não somos nem uma banda pop, nem uma banda alternativa ou eletrónica. Depende sempre da óptica de quem ouve. Consegue ser esquisito. Quando perguntam qual é o género dos D’Alva, porque há imensa gente que não nos conhece, nunca sabemos bem o que responder. (risos). Dizemos que é pop esquisita ou alternativa pop (risos).
Acham que beneficiavam em ter um género específico atribuído?
Nós sabotámos o caminho para nós mesmos logo no primeiro disco. Foi “vamos fazer isto com todas as cores que conseguirmos meter aqui”, precisamente porque se amanhã quiséssemos ir só para as cores quentes íamos para as cores quentes ou se quiséssemos ir para as cores frias íamos para as cores frias.
É nos concertos ao vivo que as pessoas melhor possam aperceber-se da verdadeira essência de D’Alva?
Sem dúvida. Nós pensamos na versão ao vivo como a experiência no seu todo. Quando estás em casa queres ouvir outros pormenores. Num festival queres sentir outras coisas.
E por falar em festivais, vem aí o NOS Alive e vocês vão atuar lá. Que novidades vamos ter?
Não vamos tocar o disco todo, não temos tempo de set para isso tudo, e também queremos tocar outras canções que as pessoas já conhecem. Vai dar para se ter uma noção do Lado A do próximo disco. (risos)
Mais alguma coisa que possam desvendar sobre o disco?
Temos algumas participações especiais, mas não fomos buscar as pessoas mega famosas da música portuguesa. Estamos tristes porque ainda não é desta que temos uma música escrita pelo [Samuel] Úria, mas não houve tempo. Resumindo: vamos ao Alive e há cenas novas antes do Alive. Como o Alive esgotou não há problema em dizer (risos) que vamos dar um concerto grátis no Arraial de Benfica no dia 22 de Junho.
Já que o nosso pano de fundo é a Feira do Livro de Lisboa, este disco conta com alguma referência literária?
Ben - Quando eu fui de férias li um livro muito pequenino. Fui visitar um amigo meu, que é psicanalista, e ele apanhou assim o bolo de onde é que eu estava e de onde é que D’Alva estava e comprou-me este livro muito pequenino de Freud, que se chama “O Mau Estar na Sociedade”. O livro é de 1930 e há coisas que se calhar fazem mais sentido agora do que faziam na altura. E durante este tempo todo eu ia dando umas mordidas no livro.
Aliás, durante este disco todo nós vimos, ouvimos e lemos muita coisa. Chegámos a parar o que estávamos a fazer só para ver um vídeo ou ler só sobre um autor ou uma disciplina, um conceito qualquer. Nesta música [Verdade sem Consequência] temos “se a verdade é dissonante” que está relacionada com a dissonância cognitiva. E quisemos de em vez de estar só a escrever perceber mesmo o que é que isto é, de onde é que vem e como é que isto se aplica. Voltando ao livro, é muito pequeno, mas tive que voltar atrás muitas vezes e acompanhou-me ao longo deste processo.
Resumindo e concluindo, “Verdade Sem Consequência” pode ser considerado um regresso punk, no que toca à atitude, dos D’Alva?
Isso tem piada, mas sim. Mas a nossa atitude sempre foi um bocado punk. Até a Frescobol tinha atitude punk. Naquela altura fazeres uma canção como a Frescobol e dizeres que gostamos mesmo de Pop e é o que queremos fazer, enquanto toda a gente acha que és o maior hipster da aldeia… (risos) O que é que há mais punk do que isso? É esticar o dedo do meio e fazer o que nos apetece. Seja pop ou não.
Nós estamos satisfeitos com esta canção e estamos satisfeitos com o que dizemos nesta canção. Estamos super contentes com esta música e se calhar pode ser mesmo um dedo do meio levantado se calhar até para nós (risos), para ideia que tínhamos de nós mesmos, pois não queremos ofender ninguém.
Mas há uma coisa interessante, pela reacção das pessoas nestas horas, há pessoas em que a música é para elas e elas não estão a perceber e partilham a dizem que é fixe. Pessoas diferentes interpretam aquilo de maneira diferente. A primeira frase do primeiro verso - “Não sentes que há algo de errado (oh não) / Quando tudo bate certo, e sentes a verdade perto / Mas nada corre como esperas?” – há pessoas em que isto é a vida delas. Nada corre bem, mas continuam na mesma cena. Se calhar isto interiorizado vai promover algum tipo de mudança. Nós conseguimos dizer aquilo que queríamos com esta música e o que não conseguimos dizer há-de estar no resto do disco.
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