“É óbvio que tenho a minha posição, sou contra a guerra. Como é que se pode ser a favor de uma guerra?”, sublinhou o músico, cantor e declamador da república da Adigueia, na região do Cáucaso, em entrevista à agência Lusa.
Para Zaur Nagoy, que se dedica há vários anos à recolha das tradições musicais da região histórica da Circássia, uma das primeiras anexações forçadas da Rússia, no século XIX, o seu povo “sabe tão bem o que é a guerra”, que “não é difícil afirmar” a sua posição.
Contudo, quando questionado sobre a forma como o faz, assegurou que é através da arte que melhor se expressa.
“Não é preciso afirmar isso diretamente, através da arte tenho essa opinião. Não se pergunta a um político como é que a arte é feita em Portugal ou na Circássia, portanto é uma coisa natural e eu expresso a minha opinião contra a guerra através da música”.
Ao contrário do previsto, o artista vai atuar sozinho, num concerto marcado para as 22:30, no auditório do Centro de Artes de Sines, depois de ter sido negado o visto, em França, aos músicos do quarteto JRPJEJ, obrigando a alterações no alinhamento.
“A resposta oficial que foi dada em França, no consulado, é que tinham duvidas que depois de terminar o visto que lhes tinha sido atribuído para participarem nos festivais, [os músicos] regressassem à Rússia”, explicou.
Segundo o cantor, a primeira recusa foi na Hungria e, “depois de muita insistência, em França, e de esperarem muito tempo por uma resposta”, não obtiveram o visto, obrigando a “uma mudança muito radical no concerto” previsto para Sines.
“A música que interpreto e que trago da Circássia implica um trabalho coletivo. Todas as variantes do folclore da Circássia, da música, ao cante e à dança, implicam a existência de um coletivo, exceto as músicas de embalar e as canções que as mães cantam às crianças”, frisou.
No entanto, e apesar de esperar “uma resposta positiva” por parte do consulado francês, quando o pedido foi recusado, já Zaur se tinha preparado “para atuar sozinho”, garantindo um concerto “mais intimista e mais solitário”.
Pela primeira vez em Portugal, o músico, que tem como propósito “mostrar que a cultura da Circássia está viva”, apesar do êxodo generalizado da população, após a invasão russa, quer “despertar o interesse dos portugueses pela música da Circássia” e estimular a “curiosidade” pela sua tradição.
Segundo o artista, a tradição musical desta região “quase desapareceu e o meu repertório baseia-se no pouco que resta e [na necessidade] de mostrar que a nossa cultura ainda subsiste, apesar do desaparecimento de quem interpretava” estas músicas.
“Uma vez que estamos na outra ponta da Europa e vocês nesta, é como se houvesse uma linguagem comum e uma tradição comum que nos une enquanto Europa, e o que pretendo é criar a ponte entre esses dois extremos a partir da música”, sublinhou.
Apesar de a guerra na Ucrânia e da “opinião coletiva negativa em relação à Rússia”, Zaur Nagoy diz que não sentiu “manifestações agressivas ou de discriminação”, mas admitiu que isso se deva ao “lado polido da nossa cultura”, que evita confrontá-lo “diretamente com alguma indignação ou ódio”.
Mostrando-se “muito impressionado” com Sines, terra de Vasco da Gama, que conhecia dos livros, banhada pelo oceano, que viu pela primeira vez, o artista que se apresenta em palco, acompanhado por uma flauta e um violino tradicional, disse que se vai esforçar para que o concerto “corra da melhor forma”.
O Festival Músicas do Mundo (FMM) decorre no concelho de Sines até 30 de julho, depois de uma pausa de dois anos, com uma programação que inclui 47 concertos de artistas de quatro continentes.
Ava Rocha, Bia Ferreira, Letrux, Marina Sena (Brasil), Ana Tijoux (Chile), Queen Ifrica (Jamaica), Omara Portuondo (Cuba), Dominique Fils-Aimé (Quebeque), Dulce Pontes e Sara Correia (Portugal) são algumas das artistas que se encontram no cartaz.
Seun Kuti & Egypt 80, Etuk Ubong (Nigéria), James BKS (Camarões), Re:Imaginar Monte Cara (Cabo Verde), Club Makumba, Fado Bicha, Paulo Bragança, Pedro Mafama (Portugal), Albert Pla e Angélica Salvi (Espanha) estão também entre os artistas confirmados este ano.
Além dos concertos, a programação do festival inclui uma série de iniciativas paralelas, como exposições, ‘workshops’, visitas guiadas, animação de rua, uma feira do livro e do disco e debates.
O programa completo do 22.º FMM pode ser consultado no 'site' oficial do festival, em www.fmmsines.pt.
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