States, uma “discoteca diferente” que ajudou a criar a cena musical de Coimbra
O States afirmou-se em Coimbra como alternativa aos espaços comerciais. Ao som de Devo ou The Cramps, a discoteca ajudou a formar uma cena musical ligada ao rock que começava a fervilhar na cidade nos anos 80.
À boleia de matinés à quarta-feira que levavam os alunos a faltar às aulas do liceu, a discoteca ajudou a educar musicalmente uma geração de músicos da cidade, ao som de rock, punk e pós-punk. Na passagem de ano de 2016 para 2017, fez a sua despedida definitiva, já depois de um interregno como clube de striptease.
O States foi criado em 1984 e começou por ser uma discoteca parecida com as outras da cidade, sendo que só dois anos mais tarde Jorge Peixoto, antigo proprietário do espaço, conhecido por "Jó", decidiu mudar e criar um espaço diferente em Coimbra.
"Tínhamos que mudar para não fazer o mesmo que os outros", conta.
Seguindo as "ideias engraçadas" de António Cunha, DJ que estava a dar os primeiros passos no States, Jó decidiu apostar todas as fichas na formação do público para o futuro.
No jornal Blitz, começaram a anunciar matinés à quarta-feira à tarde, para os miúdos do liceu, com rock, pós-punk e punk, e projeção de videoclips, gravados a partir da parabólica que tinham - "na altura, a terceira em Coimbra".
Victor Torpedo (Tédio Boys, The Parkinsons) recorda-se de que às quartas-feiras começou "a ser um clássico para o pessoal da [Escola Secundária] José Falcão faltar às aulas à tarde para ir às matinés" no States.
"Muitas vezes, as matinés até eram melhores do que as noites. Musicalmente, era a loucura total e, por lá, não eram só os miúdos, mas também os matulões, como o Paulo Eno [77, Objectos Perdidos] ou o Nito, dos É M'as Foice", conta à Lusa o guitarrista.
Ao mesmo tempo, Jó abria à sociedade a loja de música ‘Fuga’, com António Cunha, e as novidades da música alternativa iam todas parar à pista do States.
No início dos anos 90, António Cunha passa a interessar-se pela música de dança, funda a Kaos Records e acaba por sair do States.
"Ele tentava passar um pouco de música de dança no States. Na sua última noite lá, começou tudo a assobiar e a fazer ‘piretes’. Ele decidiu ir à sua vida", relata Jó.
Entretanto, o público que tinha crescido no liceu com as matinés do States passava a ser cliente regular ao fim de semana na discoteca, que tentava "andar na crista da onda" da música alternativa que ia saindo, seja seguindo a onda de Madchester (cena rock de Manchester) ou o ‘grunge' que aparecia nos Estados Unidos.
Por lá, encontrava-se uma mistura entre ‘os coimbrinhas' de Celas e da Solum, e ‘os bairristas', afirma Jó, que se recorda da filha de um reitor da Universidade de Coimbra levar num saco a sua roupa preta para vestir ao lado do States, antes de entrar.
No final dos anos 1990, a discoteca passa a ter concorrência na cidade e começou a ficar sem clientes e, em 1999, despediu-se e transformou-se em clube de striptease, tendo reaberto novamente como States em 2009.
Mas não vingou. "Perdeu-se a rotina de ir até ao States e começaram a aparecer outras coisas junto à Praça da República", conta Jó.
A perder dinheiro e com novos senhorios a não aceitar baixar custos, decidiu entregar a chave.
Olhando para trás, acredita que "há uma geração de pessoas em Coimbra com uma educação musical diferente, em parte, por causa do States".
O States, salienta Victor Torpedo, "ajudou a formar o gosto musical do pessoal do liceu".
"Acho que não haveria a cena musical que depois a gente criou, se não tivessem existido locais como o States ou o Moçambique [café na Praça da República]. Foram sítios embrionários da cena de Coimbra e da vaga de músicos e artistas daquela fase e que continuam até agora".
Foi “extremamente importante quando apareceu, mas acho que não se conseguiu adaptar ao que estava a acontecer e, com o interregno, o pessoal passou a circular por outros sítios" e perdeu a rotina "da peregrinação" da Praça da República até Celas, afirma à Lusa Carlos Dias, membro dos Wipeout Beat e Subway Riders.
Na primeira despedida do States, Maria de Sousa lembra-se até de levar para casa um postal do filme do Trainspotting que estava na discoteca para ter uma recordação do espaço.
Esteve na reabertura, mas diz que foi "um choque".
"Repetiu a fórmula dos anos 80 e 90 e isso já não fazia sentido. Via-se as pessoas dos anos 80, com balões de gin e camisas brancas, a dançar as musiquinhas daquele tempo", conta a editora de poesia, que ainda se lembra da abertura da pista, com a projeção de um vídeo de animação erótico "muito parvo, chamado ‘Tarzoon'", ao som de "Galicia Caníbal", da banda de rock Os Resentidos.
"Nunca conseguiu voltar a ter o mesmo carisma", nota o radialista da Rádio Universidade de Coimbra Nuno Ávila, que afirma que o States "virou completamente" o seu gosto musical.
"Deixa imensas saudades", diz.
Hoje, o espaço está fechado, com a perspetiva de ser transformado num bar, e à venda, mas ainda com o letreiro a dizer "States".
Horta da Fonte marcou gerações e foi referência na vida noturna nacional
Abriu na passagem de ano de 1978 para 1979 e, durante 38 anos, a Horta da Fonte marcou gerações na diversão noturna, muito para além da provinciana cidade ribatejana do Cartaxo, chegando a abrir uma versão 2 no Algarve.
Instalada numa casa com jardim numa pequena rua do centro do Cartaxo, que hoje tem o seu nome, a Horta da Fonte foi um “fenómeno” que fez movimentar a vida noturna no Cartaxo – depois dela surgiram mais três discotecas e 17 bares, a que se associaram vários restaurantes -, a ponto desta cidade do distrito de Santarém ser apelidada de “Las Vegas do Ribatejo” numa reportagem publicada na década de 1990.
“Inovámos, trouxemos o que faltava à região”, recorda António Franco (Toni), fundador da Horta da Fonte (e do “também mítico” Coice da Mula) juntamente com o seu cunhado Luís Filipe, que mais tarde ficou a explorar a Horta 2, situada entre Lagos e Portimão, no Algarve.
Numa época em que os grandes êxitos internacionais “chegavam com atraso” de meses ao mercado nacional, na Horta eram dançados assim que “os contactos na TAP” chegavam com os discos ou as cassetes que estavam no “top” em países como os Estados Unidos, a Inglaterra ou França, disse à agência Lusa.
Depois, “tudo o que era êxito nas rádios” ia à Horta da Fonte, “custasse o que custasse, às vezes durante a semana”, salientou, recordando a atuação de “todos os artistas nacionais” que na altura estavam em destaque, desde Herman José, às Doce, a Paulo Gonzo, a António Variações, ao frequentador assíduo Vítor Espadinha, mas também internacionais, como o vocalista do trio britânico Imagination, os também britânicos Samantha Fox e Gene Loves Jezebel, “entre muitos outros”.
Recorrendo a uma empresa de Barcelona, a Horta da Fonte inaugurou a moda das “festas da espuma”, teve a eleição da sua ‘miss’, promoveu passagens de modelos, exposições de pintura, passeios mistério, raides hípicos e eventos como a “festa louca”, que motivou uma intervenção da polícia, porque a entrada se fazia por escada por uma janela e lá dentro “foi tudo posto ao contrário”.
Mas, o “grande segredo” para a longevidade foi a “presença constante” e a dificuldade no acesso – só entravam casais e as sapatilhas eram proibidas -, na procura de um “ambiente muito são, de não violência”, sublinhou.
Na noite da passagem de ano de 1978, Fernando Henriques iniciou a sua carreira de ‘disc jockey’, com o nome de DJ Fernandinho, na Horta da Fonte, numa estreia que deu origem à primeira das muitas histórias que guarda de uma casa que “ajudou a construir” e o ajudou a “crescer, como pessoa e como DJ”, e que recorda com emoção.
“Lembro-me perfeitamente que, meia hora antes da meia-noite, a aparelhagem deixou de tocar. Houve um problema enorme. Uma das pessoas que estava na discoteca foi a casa buscar uma aparelhagem caseira e acabámos por conseguir à meia-noite ter tudo a funcionar e a coisa correu normalmente. A partir daí, foi sempre, durante 38 anos…”, disse à Lusa.
O “bom ambiente”, decorrente da “seleção que se fazia à porta”, e a antecipação dos êxitos musicais, fizeram com que a Horta da Fonte “fosse uma referência”, salientou.
Com o resto da equipa, também ele rumava no verão para a Horta 2 no Algarve, onde as noites, “muito especiais”, eram frequentadas pelas elites e celebridades da época, recordando António Franco as iniciativas de promoção, “muito à frente”, feitas nas praias.
António Franco também atribui à Horta da Fonte a moda das festas revivalistas dos anos 80, que a discoteca começou a promover uma vez por mês na década de 2010, depois do evento que reuniu dez bandas portuguesas numa maratona de 16 horas.
As exigências legais a obrigarem a obras de vulto, a decisão da senhoria de aumentar a renda, as alterações sociais, nomeadamente com a vaga de festivais de música, a que se juntaram o que considera ter sido uma intervenção "desajustada" da polícia e a "falta de visão" da classe política local, ditaram o fim da Horta da Fonte na passagem de ano de 2016 para 2017, disse.
No primeiro piso do edifício está agora o nono espaço da Taberna do Quinzena, restaurante típico de Santarém com uma longa história de 149 anos, com Fernando Batista, bisneto do fundador, a assegurar que a discoteca vai reabrir.
“Se não for este ano, será no próximo”, disse à Lusa.
Diferentes formas de diversão ditaram sucesso da discoteca The Day After, de Viseu
Quatro pistas de dança com diferentes estilos musicais, uma pista de karting e a constante passagem de bandas nacionais e internacionais fizeram da The Day After, de Viseu, uma das mais icónicas discotecas dos anos 1980 e 1990.
"Numa noite, chegavam a passar aqui seis a sete mil pessoas. A casa nunca trabalhava abaixo das 3.500/4.000 pessoas por noite", recordou à agência Lusa José Arimateia, que começou a sua carreira no Grupo Visabeira como Relações Públicas da discoteca.
A The Day After abriu as portas em 1985 e encerrou a sua atividade regular em 2006, mas atualmente ainda anima a noite de Viseu pelo menos duas vezes por ano.
A partir de 2015, a discoteca começou a receber alguns bailes de finalistas das escolas de Viseu. Dois anos depois, começou a fazer reaberturas duas vezes por ano, acolhendo grandes eventos, que reúnem milhares de pessoas.
"O nosso grande objetivo com estas reaberturas é trazer de volta o perfume da The Day After, trazer as grandes memórias das noites que se passaram aqui", explicou Fernando Daniel Nunes, que está encarregado de organizar estes eventos ao nível de logística e do agenciamento dos artistas.
O primeiro destes eventos ocorreu em dezembro de 2017 e intitulou-se "Uma Noite por Todos", tendo a totalidade da bilheteira sido entregue a instituições e particulares da região afetados pelos incêndios desse ano.
"Tendo em conta o sucesso que tivemos nessa noite, optámos por abrir esta casa cerca de duas vezes por ano. Voltámos a abrir em julho de 2018 e agora, em dezembro, recebemos ‘The Revenge of the 90's', um conceito que anda por todo o país, com a particularidade de termos reaberto, pela primeira vez, a pista de karting", contou.
Em julho, como foi aberta uma quinta pista no exterior, a discoteca conseguiu reunir sete mil pessoas. Em dezembro, foram 4.600 aquelas que pisaram as pistas para relembrarem os anos 90.
Estes números fazem lembrar as enchentes de outros tempos, com a casa a abarrotar e a servir de ponto de encontro para pessoas de vários pontos do país.
José Arimateia, que atualmente é um dos diretores do Grupo Visabeira, recordou que a discoteca começou por ter apenas uma pista de dança, mas foi evoluindo até ter quatro e também "um kartódromo ‘indoor', que era uma coisa que mais nenhuma discoteca tinha".
"Tudo isto proporcionava formas de diversão bastante diferentes. As pessoas tinham géneros musicais diferenciados em cada uma das pistas", frisou, lembrando também que, durante muitos anos, praticamente todos os meses havia música ao vivo.
Segundo José Arimateia, todas as grandes bandas portuguesas passaram pela The Day After e também algumas internacionais. A pista de karting chegou a ser transformada num grande palco para poder acolher tanta gente.
GNR, Xutos e Pontapés e Delfins foram algumas das bandas portuguesas que protagonizaram momentos marcantes na discoteca de Viseu, contou, sublinhando que o músico Pedro Abrunhosa "teve uma enchente extraordinária que tinha fila que começava quase no início da Avenida da Bélgica", a cerca de três quilómetros de distância.
"Tivemos aqui concertos absolutamente memoráveis desse ponto de vista e também grupos mais pequenos que nunca tinham tocado para tanta gente", referiu.
Bruno Pereira lembra-se precisamente do dia em que começou a trabalhar na The Day After: 08 de dezembro de 1995. Na sua função de ‘ligth jockey' e de apoio aos artistas, viveu, até 1999, alguns dos momentos mais marcantes da sua vida.
"Todos os artistas que passaram naquela casa, nacionais ou internacionais, eram impecáveis", frisou, lembrando que os Xutos e Pontapés escolheram a The Day After para estrear os álbuns "Dados Viciados" e "Acústico", o que lhe proporcionou "momentos excecionais de convivência com eles".
Outro momento alto foi a inauguração do sistema de CO2 ‘indoor': "Hoje é muito usual nos eventos, mas fomos os pioneiros na Europa, toda a cobertura de luzes da Danceteria tinha jatos de CO2".
Segundo Bruno Pereira, "uma noite nunca era igual à outra", sendo que a animação e a clientela estavam sempre garantidas, até porque "praticamente não havia bares no centro de Viseu e a vida noturna passava quase na totalidade pela The Day After".
José Arimateia justificou o encerramento da discoteca, em 2006, com o facto de o tipo de diversão noturna ter mudado e terem começado a aparecer bares em Viseu e outros projetos nas cidades em redor.
"As discotecas também têm o seu ciclo e nós entendemos que devíamos encerrar para partir para outra realidade, o que se veio a verificar anos mais tarde", contou, acrescentando que o Grupo Visabeira está focado em outras áreas de negócio que não a noite.
Agora, o objetivo é que a The Day After sirva para as pessoas recordarem outros tempos e até "a sua própria história de vida".
"No ano passado, houve pessoas que vieram com os filhos mostrar o sítio onde se conheceram. Por outro lado, também é a oportunidade de mostrarmos aos mais novos o que era a The Day After, que era uma discoteca icónica", explicou.
O objetivo é que a The Day After continue a ser um espaço emblemático e, por isso, está já prometido um novo grande evento para julho.
"Ainda não está muito bem pensado, mas será certamente parecido com o que fizemos no ano passado, na mesma altura, ou seja, vai ser um evento mais virado para a onda do verão", avançou Fernando Daniel Nunes.
O jovem dá uma garantia: "Um dos pontos principais é nunca tirar a identidade da The Day After, ou seja, no Bar Americano vai estar o rock, na Dancetaria um conceito mais comercial, mais ‘mainstream', no Afterbeat será a pista do ‘hip hop', do ‘iron bee', na Torre Millenium uma pista mais dos anos 80/90" e funcionará novamente o karting.
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