Da Green Hill na Foz do Arelho à Hot Rio em São Pedro de Moel, ou mais a norte na Locopinha e Stressless (Praia do Pedrógão) até ao Pessidónio e Amnistia (Figueira da Foz) e à Mirassol na Praia de Mira; das noites de Coimbra que viram desaparecer casas como a Scotch e Via Latina até à Repvblica, em Castelo Branco, entre muitas outras, o roteiro varia em histórias para contar, mas não na mesma realidade: portas fechadas.

O complexo de piscinas de São Pedro de Moel, no concelho da Marinha Grande, inaugurado em 1967 pelo então presidente da República Américo Tomás, integrava a discoteca HotRio, que ganhou fama pelas noites de verão e pela vista sobre os tanques de natação, prancha de saltos e mar.

O espaço foi crescendo e mudando de identidade, passou a incluir três bares, mas foi a Hot_Rio (mais tarde chamou-se Caótica e Club In) que mais dinamizou a noite de uma das praias mais concorridas do distrito de Leiria. Em 2013, face a dificuldades financeiras, todo o complexo encerrou, apresentando atualmente múltiplos sinais de degradação e vandalismo.

Vinte quilómetros a norte, outro destino de férias em pleno Pinhal de Leiria, a praia do Pedrógão viu nascer, no início de 1992, a Locopinha, que funcionou durante mais de uma década e cujo edifício, nos dias de hoje, ali se mantém, profundamente degradado.

A poucos metros de distância, em 1993, surgiu a concorrência da Stressless, que abria principalmente no verão, durante três meses, e depois, ao longo do ano, funcionava pontualmente: "Mas tinham de ser festas grandes, porque levava quatro mil pessoas", assinala Luís Miguel, que esteve ligado à gestão do espaço desde o primeiro dia e recorda que a discoteca "ainda hoje é lembrada pelas famosas festas da espuma".

Fechou definitivamente há seis ou sete anos e parece condenada: a tempestade Leslie arrancou-lhe parte do telhado e a chuva fez cair a cobertura de lã de rocha. Mas o destino estava traçado há muito, com a mudança nos critérios de licenciamento e horários dos bares, que ditou o fim da Stressless e de todas as discotecas da região, alega o antigo gestor.

Mais 70 quilómetros para sul, outra estância balnear (Foz do Arelho, concelho das Caldas da Rainha) e um relato de 30 anos de funcionamento ininterrupto aos fins de semana: a Green Hill abriu portas em 1980, numa colina com vista para o mar, tornou-se numa das discotecas mais movimentadas da zona Centro e hoje mais não é do que uma ruína degradada e grafitada de onde "roubaram tudo o que tinha valor, desde as portas aos alumínios", disse à Lusa João Marques, agente imobiliário que tem à venda o imóvel por cerca de 1,3 milhões de euros.

Hoje estão fechadas ou ao abandono: lembra-se das grandes discotecas da região Centro?
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Já Gui Caldas, DJ que ali trabalhou nos anos 80 e 90, recorda a discoteca que se tornou um verdadeiro ícone da vida noturna nacional e "atraia gente de todas as partes do país".

"Fui eu que inaugurei a pista dois", lembra, convicto de que "ali se fizeram e desfizeram muitos casamentos". Em 30 anos, acrescentou Gui Caldas, a Green Hill "nunca fechou um fim de semana", mesmo que "durante a semana se fizessem obras e à sexta-feira abrisse com a tinta ainda por secar".

Se em Leiria outras duas antigas discotecas suscitam imediatas recordações - a Império Romano, na Marinha Grande (distinta pela decoração inspirada no nome de batismo, com reproduções de estátuas do classicismo e jardim romano) e a Rio Mar, desenvolvida em 1976 pelo Grupo dos Amigos da Praia da Vieira de Leiria para ser uma casa de animação musical, mais tarde discoteca a poucos metros do areal - mais para o interior a ‘febre' das discotecas também atingiu Tomar, onde em 1982 apareceu a Pim Pim.

"Foi uma novidade", que teve "grande impacto" numa região onde, na altura, "não havia grande oferta" para quem procurava um sítio para se divertir, recorda Manuel Graça, um dos DJ da discoteca com capacidade para 600 pessoas.

Apesar de ter durado apenas cerca de uma década, e de, pelo meio, ter adotado outro nome, a Pim Pim "ficou sempre na memória", argumenta Manuel Graça, o que levou, em 2011, noutro local - o espaço deu entretanto lugar a uma igreja - à realização de uma festa "Remember" que atrai milhares de pessoas e que em junho cumpre a nona edição.

Nos arredores de Castelo Branco, dava cartas a Repvblica, um megaprojeto do empresário António Mata, que ali investiu, desde 1992, cerca de 800 mil contos (a preços de hoje, 7,4 milhões de euros), mas que sucumbiu à concorrência, em 2006, com a abertura de um espaço de bares no centro da cidade.

Anos antes, em 1984, António Mata tinha inaugurado o Jimmy's Club, também fora da cidade, que durante 10 anos funcionou todos os dias da semana e fins de semana. Foi vendido em 1994 e hoje é uma casa de alterne.

Na Guarda, na década de 80, as discotecas Black & White e Tequilla eram duas das referências, mas ambas fecharam: a primeira chegou a acolher a Casa do Benfica, hoje serve uma garagem e um pronto-a-vestir, a segunda é um restaurante.

De regresso ao litoral, na Praia de Mira, distrito de Coimbra, o nome da Mirassol ainda perdura num edifício virado para a Barrinha, pintado em tinta desbotada na parede branca, mas a discoteca "cessou de existir", como refere um dos antigos donos.

Ponto de encontro de gerações de veraneantes, palco de noitadas e de amores de verão, a Mirassol "teve o seu tempo", resume António Pires, que ali conheceu a mulher numa noite de agosto. A "discoteca da moda" na Praia de Mira cheirava a cerveja, bronzeador e "outros produtos" consumidos por uma mistura de jovens da região, emigrantes de férias e estrangeiros que acampavam nas florestas em redor.

Mais a sul, a Figueira da Foz sempre se assumiu na vanguarda de casas de diversão noturna, coexistindo ao longo dos anos várias discotecas (como o Bergantim ou a Flashen, entre outras) repletas de clientes, especialmente no verão e fins de semana, e hoje todas encerradas.

Na cidade, no verão de 1969, abriu um espaço único a nível nacional, o Pessidónio, que chegou a cumprir 40 anos em 2009 - um mural à porta resiste para o provar - mas também encerrou.

O Pessidónio bebia da filosofia muito própria do proprietário, o carismático Ruy Montargil, antigo campeão de patinagem e piloto de automóveis (falecido em 2014, aos 96 anos), que emprestava patins aos clientes para que estes deslizassem, ao som da música, numa das pistas da discoteca, e se assumia, ora como porteiro impiedoso, ora como motorista privativo, que levava a casa, a horas decentes, os filhos dos amigos e clientes habituais.

A discoteca desafiava leis e regulamentos, desenvolvendo-se em cascata, repleta de degraus, colunas forradas a tecido felpudo, diversos recantos à média ou pouca luz e um bar acessível por um escorrega de madeira.

No final dos anos 80, num local que tinha sido uma fábrica de bonecas, surgiu um projeto distintivo, a Amnistia, projetada de raiz por um arquiteto, Pedro Maurício Borges, uma inovação "e ideia arrojada" na altura, que atraia arquitetos nacionais e estrangeiros, de Portugal ao Japão, lembra Carlos Lagoa, antigo sócio gerente.

Nas noites de sexta-feira, ao longo de cinco anos até ser vendida, o espaço onde sobressaíam "jogos arquitetónicos" - com uma passarela elevada sobre a pista, cujos degraus continuavam pelo balcão do bar ou casas de banho identificadas por paredes em tons de azul e rosa, o que resultou em pequenos incidentes - transbordava de gente, até de manhã.

Em Coimbra, o Scotch abriu portas em 1980, bar primeiro, depois discoteca, público "eclético" e escolhas musicais do pop ao reggae e rock nacional e estrangeiro, sendo "Bobby Brown", de Frank Zappa, a canção mais icónica e recorrentemente usada para fechar a pista de dança, contou à Lusa um dos antigos proprietários, Valdemar Simões.

O Scotch manteve-se na família de Valdemar até 1997, ano em que foi encerrado, face ao surgimento de bares com música de discoteca e a desregulamentação do horário de funcionamento, argumento repetido noutros locais.

A Via Latina foi a primeira discoteca a instalar-se na praça da República, hoje centro da noite de Coimbra, no final dos anos 80 e manteve-se até à viragem do século XX, lugar de eleição de estudantes durante a semana e ao fim de semana "do pessoal dito betinho de Celas e da Solum", lembra Francisco Silva, DJ residente entre 1995 e 2003.

Francisco olha com nostalgia para esses tempos, em que o próprio consumo da música era diferente: "A grande diferença daquela altura para agora é que muitas das músicas que passavam não davam na rádio e não havia suportes digitais para as ouvir. Fazia com que as pessoas sentissem ou vivessem muito mais os momentos quando saíam à noite".

Pombal, Mealhada e Coimbra mandam na longevidade das discotecas do Centro

Das dezenas de discotecas que existiam nos anos 1980 na região Centro, são poucas as que hoje mantêm um funcionamento regular e que continuam a atrair clientes nacionais e estrangeiros.

Em Meirinhas, a cerca de 12 quilómetros de Pombal, distrito de Leiria, situa-se um caso de longevidade quase ímpar no "campeonato" das discotecas que mantêm as portas abertas: a Palace Kiay vai a caminho dos 37 anos de existência e os proprietários - Jorge Duarte e a mulher, Lara Prince - apontam a persistência, a perseverança, o gosto pela gestão daquele espaço de diversão e o investimento constante na inovação como segredos para manter a discoteca em funcionamento.

"Não tinha experiência nenhuma em discotecas. Só como frequentador", recorda à agência Lusa Jorge Duarte, que se lançou no ramo com 22 anos. Ainda hoje, com 58, quando a festa termina, é ele que habitualmente fecha a porta da Kiay.

"Estar presente é muito importante: o que faz uma casa é ter os donos presentes. A não ser que seja um McDonalds, mas mesmo assim é preciso umas vistorias de vez em quando", diz o proprietário, com o pragmatismo de mais de três décadas de gestão.

A localização da Palace Kiay - construída de raiz, por Jorge Duarte, em 1982, num terreno contíguo ao restaurante do pai, junto à antiga Estrada Nacional 1, hoje IC2 - também beneficiou o negócio.

"Quando arrancámos, a discoteca era muito boa: moderna, com tecnologia à frente para a época e espaço inovador. Mas ajudou que a estrada nacional fosse a única ligação entre Lisboa e Porto. Toda a gente tinha de passar aqui à frente. Pode parecer que não, mas é uma mais-valia", assinala.

Desenhada a partir do zero pelo próprio Jorge Duarte - "aparentemente correu bem", argumenta - ganhou fama e ainda hoje chega longe o nome da Palace Kiay. A designação é a conjugação de duas ideias: palácio, "porque na época privilegiava-se muito o luxo nas discotecas", e Kiay, uma adaptação do proprietário a partir do nome de uma discoteca de Paris, "Kai", que tinha como tema artes marciais e significava "último grito".

"Inventei o nome para parecer bonito e fácil de divulgar. A coisa pegou: era o palácio do último grito, Palace Kiay", afirma, com orgulho, o proprietário.

Também em França, a Palace Kiay é conhecida: implantada em Pombal, zona de forte emigração, apostou sempre na promoção em Paris e, até hoje, a discoteca abre todos os dias nos meses de agosto, com DJ e música francesa, a pensar na comunidade emigrante que faz férias em Portugal.

Comparando com o que se passava há 30 anos, nos dias de hoje muita coisa mudou na diversão noturna: se nos primeiros tempos, o mesmo DJ estava de serviço três ou quatro anos e os clientes "iam pelo espaço", atualmente Jorge Duarte diz que é preciso pensar num conceito e em convidados diferentes todas as semanas, porque "há muita oferta e o cliente não fideliza", mesmo que se para saborear a nostalgia dos primeiros tempos, a Palace Kiay promova, duas a três vezes por ano, a festa K80.

Com um escorrega famoso que desce do último andar à entrada, quatro espaços distintos e capacidade para cerca de duas mil pessoas, a discoteca de Meirinhas caracteriza-se por ser intergeracional.

"A nossa clientela envolve já pais e filhos e, um dia destes, netos. É um ambiente diferente e isso é que a torna especial", explica Jorge Duarte.

Mais a norte, junto à mesma estrada nacional 1, na Mealhada, a Três Pinheiros é contemporânea da Palace Kyay (abriu dois anos antes, em 1980) e outro exemplo de longevidade, tendo precisado de pouco tempo para se transformar numa das maiores discotecas da região, atraindo jovens e menos jovens para uma experiência que incluía banhos de piscina e estadias no motel, com sandes de leitão e espumante da Bairrada.

"No auge dos anos 80 tínhamos três salas a funcionar, sempre cheias. Três mil pessoas lá dentro e filas de gente cá fora, a querer entrar", relembra Cláudio Pires, 50 anos, proprietário e DJ ocasional, 38 anos ligado à Três Pinheiros, uma vida.

Nos dias de hoje, a discoteca da Mealhada continua a funcionar, duas noites por semana. Adaptou-se aos tempos, mudou a música ("som da frente" às sextas, revivalismo ao sábado), passou a receber eventos corporativos, festas privadas, uma sala aberta em permanência, duas que abrem conforme as necessidades.

As filas à porta são agora pequenas ou inexistentes, mas a casa aguenta-se: "Temos clientes fiéis, gente que vem de muito longe. A discoteca é uma instituição", enfatiza Cláudio Pires.

Em Coimbra, na zona da Pedrulha, e também com vista para o IC2, resiste "mais como danceteria do que como discoteca" e com uma clientela "bastante mais velha" a Broadway, cuja origem, em 1987, derivou de uma disputa legal entre a empresa de som Furacão e o Fisco, contou à Lusa o antigo sócio gerente Mário Oliveira.

Na transição para o modelo de tributação do IVA, criado um ano antes, a autoridade tributária exigia "80 mil contos [a preços de hoje seriam 1,2 milhões de euros] em impostos" à firma e os responsáveis desta, perante a ameaça de encerramento, optaram, ao invés, por utilizar o material que a Furacão tinha e a experiência em montar discotecas para avançar com um novo espaço em Coimbra, em parceria com a Três Pinheiros, cliente regular daquela empresa de som.

O arranque quis vincar a diversidade da Broadway, com a abertura feita ao som de Tony de Matos e a segunda noite com Lena d'Água: "Ali, a água misturava-se com o azeite", recorda Mário Oliveira, salientando que a noite estava desenhada para agradar a gregos e troianos.

O espaço possuía uma orquestra própria, com dez músicos e dois cantores, que tocavam no início de cada noite "rumbas, pasodobles e chachachás". De seguida, entrava o DJ ou um espetáculo (passaram pela Broadway nomes como Rão Kyao, Amália Rodrigues, Herman José ou os Afonsinhos do Condado), seguia-se "meia hora para os ‘slows'", saiam os clientes mais velhos e entravam os mais novos. E o resto da noite decorria "até às 04:00 ou 05:00", ao som de música eletrónica.

Se ao fim de semana a clientela incluía professores e médicos e enfermeiros dos hospitais de Coimbra, às quintas-feiras faziam sucesso os convívios para estudantes, com uma camioneta que andava "sem parar da meia noite até de manhã a acartar gente" da Praça da República para a Pedrulha.

"Era uma sala de espetáculos, um baile dos bombeiros e uma discoteca. Tudo num único espaço", resume Mário Oliveira, que já saiu da gerência do espaço há quase 20 anos.

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