“Já trabalho no teatro há muito tempo, mas sou um novato nisto. É a primeira vez que faço uma encenação. Tive a sorte de haver um tempo entre a escrita e a encenação, quase um ano, deu-me tempo para esquecer esse lado, o que é que tinha visto ao escrever”, afirmou aos jornalistas Jacinto Lucas Pires depois de um ensaio para a imprensa.

O texto surgiu “da impossibilidade de fazer o ‘Henrique IV’, partes 1 e 2 porque não havia dinheiro”, reconheceu Lucas Pires, que procurou contornar esse impedimento com a escrita de uma obra que incluísse essas mesmas dificuldades.

“No princípio, [com] um certo pudor de usar Shakespeare numa peça minha, depois comecei a ver que podia funcionar e o Gualter Cunha, o tradutor, autorizou-me a usar o texto que ele traduziu brilhantemente e comecei também a estudar melhor o Falstaff e as peças do Shakespeare e a ver como é que a contracena contemporânea podia mudar ou dar uma nova ressonância às palavras de sempre do Falstaff”, disse Lucas Pires referindo-se ao personagem criado pelo escritor inglês.

Assim, num palco despido, com exceção para um círculo como um astro que projeta a sua sombra sobre o chão, o tradutor Henrique (interpretado por Luís Araújo), “um príncipe precário” quer traduzir Shakespeare, “mas tem de passar os dias a fazer traduções técnicas de empilhadoras e autoclismos para ganhar a vida”, como refere a sinopse da peça.

“Iolanda, a mulher [interpretada por Anabela Faustino], trabalha como educadora de infância. Sonha ter filhos, mas só quando conseguirem ‘alguma estabilidade’. E há ainda Miriam, a mulher-a-dias [interpretada por Paula Diogo], passeando o seu desprezo tão sedutor pela sala de estar. Henrique vive a vida aos poucos, deixando-se ir – até que conhece Falstaff, o gordo genial de Shakespeare”, acrescenta o texto.

Sobre se dificulta ou facilita ser o autor do texto a encenar, Lucas Pires revela que pode chegar a colocar entraves, em vez de os retirar: “Em geral, não é uma coisa que sinta que é a minha maneira de fazer peças daqui em diante. Gosto do trabalho com encenadores e também gosto, se me derem oportunidade, de trabalhar com outros autores enquanto encenador. Há autores que se tornam um pouco donos do seu texto e acho que até pode ser equívoco às vezes”.

"Se forem ver as didascálias que o autor escreveu (e eu conheço o autor e sei que já escreve menos didascálias do que no princípio), foram desmanchadas aqui por este encenador, por estes atores e isso traz coisas novas", explicou o escritor, entre risos.

“Henrique IV, Parte 3” é uma coprodução entre a companhia Ninguém e o Teatro Nacional São João.