Campinas é o quartel-general de Portugal no Brasil e o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, foi o quartel-general do Brasil em Portugal. Foi lá que, sexta-feira à noite, uma parte do país esteve de olhos postos na seleção musical de qualidade. O fadista Marco Rodrigues deu o pontapé de saída e fez tabelinha com Maria Gadú, que balançou as redes. Uma final falada em português.

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Provavelmente, poucos dos que compraram ingresso para assistir ao concerto de Maria Gadú estariam a par da comparência de Marco Rodrigues. Talvez por isso mesmo a surpresa tenha sido tão agradável. Com um fado versátil e perto do ponto-de-rebuçado, o músico português cativou por completo o público, que respondeu com grandes doses de aplausos e sorrisos. Mesmo com um Coliseu pouco vestido, Marco Rodrigues cantou com alma e afinação, bem acompanhado pelo brio da guitarra portuguesa.

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Durante o intervalo, Maria Gadú ia sendo aclamada pelas vozes ansiosas que ecoavam da plateia. A expectativa era grande demais para um início que se veio a revelar algo dececionante. A cantautora brasileira entrou de mansinho, como se nada fosse com ela, e os problemas técnicos também não lhe facilitaram a tarefa. “Bela Flor” foi cantada de forma tão cinzenta, que quase murchava. Mas, pelos vistos, tudo o que é mau também acaba depressa. Foi a partir de “Extranjero” que Gadú, qual desfibrilhador humano, começou a reanimar os corações do público. Apesar do castelhano meio abrasileirado, a ternura do tema superou qualquer barreira linguística.

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Muito bem representado na assistência, o povo brasileiro fez-se ouvir através de alguns “Txi amo” dirigidos a Maria Gadú. Cheia de bom humor, a artista respondeu com uma anedota: «O príncipe disse à princesa: ‘Txi amo, tá?’. A princesa respondeu: ‘Tá, qualquer coisa eu txi aviso’». A vaga de boa disposição prosseguiu, mesmo quando o dedo de Gadú foi ferido pelo aço das cordas da sua guitarra. A seguir, ficámos com “Tudo Diferente”, uma autêntica canção de embalar, ornada pelo timbre rasgado da brasileira.

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Convidada por Maria Gadú, Mayra Andrade subiu ao palco para dar o seu contributo em “Dona Cila” e “Ne me quitte pas”. A grande cumplicidade entre Gadú e a cantora cabo-verdiana não passou despercebida perante uma plateia rendida à harmonia de ambas as vozes. Um momento arrepiante. De arrepiar foi também o discurso amotinado de Maria Gadú, relativamente ao estado de sítio da nação brasileira, com especial crítica à organização do Campeonato do Mundo de Futebol: «A saúde e a educação são os pilares da existência. O resto são dores de cabeça que a gente inventa». As palavras deram o mote perfeito para o tema seguinte. “Filosofia” foi um chuto na bunda de Dilma Rousseff.

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Maria Gadú fez questão de salientar a influência de Cazuza na sua carreira musical. “Medieval” e “Malandragem” foram alguns dos temas da composição do escritor brasileiro a ser cantados. Já o fadista Marco Rodrigues estava de regresso ao palco, desta vez para cantar ao lado de Gadú. Juntos protagonizaram “Valsa”, em mais um momento comovente e de grande amizade. «É um privilégio ter nascido num país que fala português. Eu amo cantar esta língua. É muito bom sair de casa e vir para casa», confessou a cantautora.

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Num encore relativamente comprido, Maria Gadú deu oportunidade à sua banda de brilhar. Violoncelo, guitarra-baixo, guitarra elétrica, percussão e bateria, todos solaram de forma exímia. A noite fechou com os músicos a agradecer de pé a amabilidade do público. Começou a meio gás, mas acabou a todo o gás.

Fotos: Débora Lino