A escritora Lídia Jorge destacou o olhar político e "uma ternura absoluta pelos seres da Terra" do "contador maior" Luis Sepúlveda, escritor chileno que morreu hoje (16), aos 70 anos, em Espanha, em consequência da doença covid-19.
Sepúlveda estava internado desde finais de fevereiro num hospital de Oviedo, em Espanha, onde foi diagnosticado com aquela doença, cujos primeiros sintomas ocorreram dias antes, quando esteva no festival literário Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim.
"Luis Sepúlveda é um contador maior. Os seus livros são joias preciosas, marcados pela terra sul-americana que lhe deu origem, pela língua espanhola que lhe deu a plasticidade vigorosa da narrativa, e sobretudo pelo cunho de criador incomum, que lhe permite ser traduzido e amado em todas as línguas", considera Lídia Jorge num depoimento partilhado pela Porto Editora.
No depoimento, a escritora portuguesa recorda o momento, em 1991, quando leu pela primeira vez uma obra de Sepúlveda - "O velho que lia romances de amor" - e sentiu grande entusiasmo, pensando que "iria transforma-se num dos escritores mais queridos das últimas décadas".
"O que tem a escrita de Luis Sepúlveda de tão singular e atraente? O testemunho de uma experiência de vida vivida no fio da navalha que lhe deu a dimensão dos movimentos subterrâneos que determinam a mudança do mundo, e por isso o seu olhar é político", aponta.
A escritora destaca ainda "uma ternura absoluta pelos seres da Terra que lhe permite uma efabulação fantástica em que pássaros, cães, baleias, confraternizam com os seres humanos no mesmo reino da Criação".
"Por isso as páginas de Luis Sepúlveda, escritas para auditórios de todas as idades, estão repletas de fábulas ora violentas ora mansas, mas sempre tocadas por uma singular arte de contar", elogia ainda.
A confirmação de que o escritor estava infetado com a covid-19 levou, na altura, o Correntes d'Escritas a recomendar uma quarentena voluntária aos que participaram no festival e estiveram em contacto com o escritor chileno.
Tudo isto aconteceu ainda antes de as autoridades portuguesas confirmarem oficialmente qualquer registo de infeção em Portugal, o que só viria a acontecer a 02 de março.
Luis Sepúlveda, que nasceu no Chile a 04 de outubro de 1949, estreou-se nas letras em 1969, com "Crónicas de Piedro Nadie" ("Crónicas de Pedro Ninguém"), dando início a uma bibliografia de mais de 20 títulos, que inclui obras como "O Velho que Lia Romances de Amor" e "História de Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar".
O escritor tem toda a obra publicada em Portugal - alguns títulos estão integrados no Plano Nacional de Leitura -, e era presença regular em eventos literários no país.
Luis Sepúlveda era casado com a poetisa Carmen Yáñez, que também esteve hospitalizada e em isolamento.
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