Há muito tempo que não se via, por parte dos júris nacionais dos diferentes países, uma falta de consenso tão grande. 12 pontos para a Albânia? Para mim, Eugent Bushpepa teve uma das melhores interpretações da noite mas daí a imaginar que alguma vez lhe dessem essa pontuação. Não sei como é que foi nos outros sítios mas, na Altice Arena, à medida que os votos iam sendo revelados, o ar de surpresa e espanto era curioso de observar.
À medida que as canções iam desfilando, no interior do recinto, era notório o entusiasmo e a excitação que Chipre e Israel geravam na audiência, tal como a Austrália, o Reino Unido e a Dinamarca, sempre muito aplaudidos. Nos últimos dias, depois das casas de apostas terem expulsado a israelita do topo do top de preferências, a expetativa era grande porque, no terreno, continuava a sentir-se muito o apoio popular a “Toy”.
Fazia parte do lote das minhas canções favoritas mas não era a que eu mais queria que ganhasse. Confesso que, depois de a terem destronado, achei que se repetiria com o Chipre o fenómeno Salvador Sobral. Há um ano, no início, se bem se lembram, lá fora ninguém dava nada por ele. Na fase dos ensaios finais, começou-se a destacar e, pouco depois, alguns especialistas já se arriscavam a dizer que poderia mesmo ganhar, como viria a suceder.
A páginas tantas, apesar de manter sempre a humildade, Eleni Foureira, no seu íntimo, deve ter começado a achar que o seu “Fuego” poderia mesmo incendiar o palco do eurofestival. Apesar de ter muita gente à minha volta que torcesse por ela, a verdade é que foi Israel que ganhou. Por muito que se tentem antecipar cenários ou criar algoritmos que adivinhem o que se passa dentro da cabeça das pessoas, a realidade supera sempre essas ficções.
O que a televisão não mostra
Independentemente da (fraca) pontuação que obtivemos, há que reconhecer uma coisa. Portugal está de parabéns! Além do magnífico espetáculo televisivo que fizemos, muito elogiado pela European Broadcasting Union (EBU), organização que reúne operadores de televisão de 56 países, soubemos organizar , receber e promover o país como ninguém. Os vídeos promocionais que antecederam as atuações dos artistas eram, pura e simplesmente, magníficos.
Cláudia Pascoal e Isaura estiveram, a meu ver, bem. Mas o facto da canção ser ligeiramente mais curta do que as outras acabou também, na minha opinião, por prejudicá-las. Voltámos ao que (quase) sempre fomos! Apesar de gostar de “O jardim”, para mim, Catarina Miranda ou até mesmo Diogo Piçarra teriam sido escolhas que não nos deixariam seguramente com este travo amargo numa noite que se queria de festa.
Além de poder vibrar com a força das atuações em palco e de poder ver o que a televisão não mostra, sentir in loco o ambiente feérico que se vivia no interior da Altice Arena é uma sensação indescritível. Uma das coisas a que assisti e que poucos viram foi Elina Nechayeva, a cantora lírica da Estónia, que me revelou ser fã da canção da Geórgia e da da Dinamarca, a vibrar com a canção do Chipre.
Enquanto milhares tinham os olhos no palco, a intérprete de “La forza” deixou-se levar pelo ritmo contagiante e fartou-se de dançar. Como estava num lugar com vista privilegiada para a famosa Green Room, também pude assistir, para além do muito convívio e das muitas selfies entre os membros das diferentes delegações, ao momento em que um dos cantores da dupla italiana se deixou dormir no sofá daquela sala.
As (muitas) ironias que a vida teima em ter
A vida é, por vezes, irónica e ontem tivemos, mais uma vez, a prova disso. Depois de ter criticado publicamente a canção vencedora do Festival Eurovisão da Canção de 2018, Salvador Sobral, o defensor da música com sentimentos que condena o fogo de artifício que o eurofestival também é, teve de engolir um sapo e entregar o troféu a uma mulher que representa, no fundo, tudo aquilo que ele condena em termos musicais.
Não deixa, no entanto, de ser curioso e mais uma vez irónico, lá está, que apesar de serem muito diferentes também têm muita coisa em comum. Tanto um como outro foram, em tempos, incompreendidos, criticados e até estigmatizados por causa da sua imagem, que foge à regra da dos padrões convencionais. Ela, esperta, em vez de se vitimizar, respondeu-lhe com “amor”, “ao Salvador e aos artistas de todos os géneros”. Capitalizou!
Uma frase de um artigo publicado esta manhã no jornal britânico The Guardian resume bem as coisas. Goste-se ou deteste-se aquele que é o maior espetáculo musical do mundo, é impossível negar que, nos dias que correm, o Festival Eurovisão da Canção é um espetáculo bem produzido, com interpretações vocais de qualidade, mensagens sociais fortes e uma variedade musical que apresenta opções para todos os gostos, sem exceção.
Desde a ópera pop da Estónia ao heavy metal da Hungria, passando pelo hino viquingue da Dinamarca, pela música country dos Países Baixos, pelas baladas sentimentais e pela música de dança eletrónica em que países como a Finlândia, o Reino Unido e a Austrália apostaram, foi grande a diversidade em palco. Este ano, em Portugal, apesar do (mau) resultado que alcançámos, temos razões para estar orgulhosos do que mostrámos ao mundo. Eu, pelo menos, estou!
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