É verdade, a citação original não é a que se encontra no título desta peça, mas as palavras proferidas por Artur Albarran também não se enquadrariam nesta agradável noite de outubro, pois de horror o segundo dia do Jameson Urban Routes, na passada quinta-feira, nada teve a não ser os bilhetes estarem esgotados para quem ficou apeado lá fora. Já o drama, o esplendor e uma pequena dose de comédia caracterizaram a excelente performance dos Future Islands, coroada pela presença assombrosa de um Sam T. Herring, que em nada pecou em relação à prestação viral que os colocou nas bocas do mundo.  

Future Islands no Musicbox

No momento de entrada no Musicbox Lisboa já os Memória de Peixe tinham começado a tocar, (re)lembrando toda a gente porque é que são um dos mais refrescantes projetos nacionais. Prestes a lançar o segundo álbum em março do próximo ano, a dupla focou-se no material novo (ainda sem nome) com raras digressões ao passado recente, como em “7/4”.

Como já é costumeiro para quem os acompanha, a sinergia entre o guitarrista Miguel Nicolau e o baterista Marco Franco não só se mantém na transição do estúdio para o palco, como carrega consigo uma dose extra de vivacidade e emergência. Do gostinho que os caldenses deixaram para o que se avizinha, parece que haverá um incremento da complexidade instrumental, sem nunca descurar aquilo que caracteriza este projecto: as canções. Sim, porque não obstante os malabarismos estonteantes de Miguel e a capacidade octópode de Marco, aquilo que a mestria destes músicos produz são faixas tão ou mais memoráveis que muitas ditas “bandas”. A prova disso mesmo foi a última música tocada, cujo balanço tanto pode convidar à dança como o seu apuramento técnico à audição. Março nunca mais chega.

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Seguiram-se os Celebration e o Musicbox já demonstrava dificuldades de circulação. O conjunto de Baltimore, com um novo LP debaixo do braço (de seu nome “Albumin”), foi convidado para acompanhar os Future Islands em digressão, mas teve direito a muito pouco tempo de antena, com pouco mais de meia hora de espetáculo. A sua curta prestação foi do morno ao agradável, sendo que alguns problemas de som também não ajudaram à festa (a timoneira Katrina Ford esteve, ora bem vivaz, ora enterrada pela parede de som formada pelos seus comparsas). Ainda assim o seu soul encantatório e polvilhado de pozinhos psicadélicos foi bem recebido, tendo criado novos fãs e deixado os já existentes desapontados por receber este mero aperitivo de concerto.

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Já passava da meia-noite quando subiram ao palco os senhores que provocaram tamanha enchente neste cantinho do Cais do Sodré. Em promoção ao disco que os colocou na ribalta, os Future Islands fizeram a sua estreia por terras lusas e não desperdiçaram a ocasião para deslumbrar os presentes, com um Sam T. Herring verdadeiramente magnético. Provando que o adágio “Não julgues um livro pela capa” é tão antigo quanto verdadeiro, uma primeira olhadela ao Sam remete para aquele estereótipo do colega de trabalho bonacheirão mas careta, calvo e com a camisa enfiada para dentro das calças, só que o rótulo rapidamente desaparece quando vemos este verdadeiro monstro em cima do palco.

Gesticulando, dançando (belo movimento de ancas), apontando para o público com ar sofrido e chutando para o ar, o vocalista deste grupo da Carolina do Norte tem um coração claramente dividido entre a música e o teatro, pois dificilmente se consegue ser tão dramático sem roçar o risível se não houver uma dose cavalar de honestidade por detrás.

Contudo, a sua variedade não se fica pela pantomina: Sam apoia-se numa dicotomia entre a voz emotiva e o gutural puxado das vísceras, com este último a não ser uma tentativa de soar desumano (como fazem os vocalistas do espectro Death Metal), mas sim mais uma das muitas armas que o ser humano possui para exprimir emoção em bruto. No entanto, seria ingrato reduzir os Future Islands ao seu vocalista sem falar das composições de synthpop cheias de classe, das linhas de baixo infeciosas lançadas pelo discreto William Cashion, dos sintetizadores de Gerrit Welmers que enchem a música de cor e da batida frenética e igualmente dançável proporcionada pelo convidado Michael Lowry.

Grande parte do concerto focou-se no álbum lançado este ano, de onde se destacaram a descontraída “Back in The Tall Grass”, as apaixonadas “Sun in The Morning” e “A Dream Of Me and You”, o hit “Seasons (Waiting for You)”, cantado a plenos pulmões, e o hino aos nossos egrégios antepassados “A Song for Our Grandfathers”.

Contudo, sendo esta a sua primeira vez em Portugal, os Future Islands também se debruçaram obrigatoriamente pelo passado, com “Give Us the Wind” (a dar o pontapé de partida em grande estilo), “Balance” e “Tin Man” a serem algumas das faixas que fizeram o gáudio aos fãs mais antigos. Com “Spirit” a fechar uma prestação quase sem mácula (o problema da voz engolida entre os instrumentos reapareceu a espaços), o público teve de esperar e desesperar até os Future Islands voltarem ao palco para o encore. Este foi entregue de bom grado, com Vireo’s Eye a encerrar a noite com chave de ouro. Os Future Islands bem que podem ter proclamado “We're not kings here, We're just strangers” – discordamos, se alguém foi rei naquela noite em Lisboa, foram eles.

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Fotos @Alípio Padilha/Musicbox Lisboa