A beleza de Belém há-de ser sempre a beleza de Belém. Mas a beleza de Belém ao som de Yann Tiersen é outra conversa. O compositor francês veio, este domingo, ao Centro Cultural de Belém, apresentar o seu novo registo de estúdio, “Infinity”. Sabem aquele oito deitado que representa o infinito? Yann Tiersen, o homem dos oito ofícios, deixou-nos feitos num oito, por causa do seu infinito talento. Confere, foi melhor ainda que comer pastéis.

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Façamos a seguinte operação matemática: um compositor excelente mais uma banda excelente mais um auditório excelente mais um público excelente é igual a um concerto excelente. Até aqui, tudo simples. O problema é quando chegam as contas de dividir: um concerto excelente a dividir por uma hora e meia é igual a “hoje soube-me a pouco”.

“Meteorites” e “Ar Maen Bihan”, os dois primeiros temas tocados, e autênticas canções faladas, fizeram lembrar um recital de poesia. Começavam os arrepios na pele. Começava, também, Yann Tiersen a pedir que não estivéssemos de braços cruzados e comunicássemos com a banda.

A menor presença do piano em “Infinity” pode ter dececionado alguns, mas tornou-se num dado irrelevante quando a orquestra de Tiersen mostrou todo o seu poder. “Infinity” tem um lado mais sombrio, a roçar, por vezes, o psicadélico. A verdade é que das poucas vezes que foi usado em exclusivo, o piano de Tiersen encheu aquela sala com um veneno, um daqueles que nos faz a todos querer ser mordidos (se é que isso existe). Aqueles dedos são um equalizador humano. São eles que ditam o volume das notas. Seja neste álbum, seja noutros seus, um dos segredos – talvez o principal - de Yann Tiersen é essa acentuação, essa dinâmica que nos aquieta num segundo e nos arrebata no outro.

“A Midsummer Evening” e “Slippery Stones” foram dois bons exemplos da competência harmónica da orquestra de Tiersen, com as vozes a imbricarem de forma soberba. Aliás, tudo, na noite de ontem, foi bem acasalado. Com conta, peso e mestria. É difícil encontrar um minimalismo destes, tão bem conjugado, nada maçudo, e sempre capaz de despertar mil sensações na plateia. O autor das bandas-sonoras de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e “Good Bye, Lenin!” fez-nos sentir dentro de um filme e encarnar o protagonismo de uma história, umas vezes dramática, outras nostálgica e outras eufórica.

Várias vezes ovacionado de pé, Yann Tiersen embasbacou tudo e todos com o seu ‘multi-instrumentismo’. Há alguma coisa que este homem não faça ou toque? Foi piano, guitarra (de seis e de 12 cordas), melódica, violino, xilofone, flauta e ainda cantou. Nunca vi um encore tão desejado pelo público como este (e acreditem que já assisti a imensos encores). O ruído foi tanto e tão duradouro que, quando regressou ao palco, Yann Tiersen só foi capaz de dizer: “Obrigado, vocês são corajosos”. Depois, completamente em vão, os nossos olhos tentaram acompanhar a velocidade com que tocava o violino. Entretanto, veio o adeus e, com ele, a birra de querer mais.

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Fotos @Débora Lino Ramalho