Escrita em 1978 pelo dramaturgo britânico Nigel Williams, no apogeu do movimento punk, numa espécie de comentário social à apatia e desajustamento do sistema de ensino, a peça é posta em cena a convite do diretor artístico do S. Luiz, com versão cénica de Miguel Graça e encenação de Teresa Sobral, eliminando referências da época e transportando-a para um local incerto na atualidade, reconhecendo a perenidade dos problemas abordados.
Seis jovens agressores e também vítimas, em redor dos 16 anos, barricam-se numa sala de aula, deserta, abandonada, com rachas enormes nas pareces, carteiras desfeitas, janelas partidas, 'graffitis' por todo o lado.
Paixão, Tetas, Caga-tacos, Alvorada, Ferro e Pito são as suas alcunhas, nomes que assumem. A eles junta-se um professor e dois músicos, Hernâni Faustino e Miguel Sobral Curado (que compôs a banda sonora), sempre presentes em cena.
Ao longo da peça, os protagonistas vão desfiando os seus feitos na sala de aula e a forma como foram “expulsando” professores um a um, assim como a assistente social com que um deles foi confrontado.
Num mundo só deles, em que o real lhes é hostil, tudo fazem para permanecerem unidos. Dizem não precisar da escola, nem de livros, como Ferro reclama: “Nós precisamos é d'um bilhete p’a bazar daqui p’a fora, p'a um sítio qualquer onde nos deixem em paz, onde não haja cotas a dizer-nos com’é que temos de nos vestir ou com'é qu'é que…”.
Falam de alunos de outras turmas como “bonecos” “que não se mexem”, e assumem que não há “melhor cena" do que "açorda com alho […} Porque não há dinheiro p'a comprar comida”.
“Isto é o sítio das bestas, mano, a terra esquecida de Deus. Quem manda nesta 'merda' nem se lembra q'este sítio existe”, diz um deles na peça, mostrando como todos são centrifugados pelo sistema.
Escrita em 1978 numa altura em que a Europa ainda vivia a recessão provocada pela crise de petróleo de 1973, decorrente da guerra do Yom Kippur e do embargo petrolífero dos países árabes, “Class Enemy” retrata “uma realidade que acaba por vir para os dias de hoje assim completamente por acaso”, disse à agência Lusa Teresa Sobral, no final de um ensaio de imprensa.
A encenadora considera “grave” que o cenário que respeitava a finais dos anos 1970 corresponda ainda ao que existe em muitas escolas no centro das cidades, incluindo em Lisboa, onde lecionou alguns anos: “Escolas que têm o ranking mais baixo e que estão em bairros muito pobres”.
À medida que foram avançando com o texto, Teresa Sobral começou a aperceber-se de que “conhecia estes miúdos todos”, pois teve “alunos muito próximos das características destas personagens”.
“O que significa que, do ponto de vista humano, este problema persiste”, disse, sublinhando considerar tratar-se de uma situação “muito preocupante”. Além do mais, continua a nada se fazer para resolver o problema, acrescentou.
“Por muito que os professores tentem”, a escola continua a não se poder abrir à comunidade, a não fazer trabalho com a comunidade nem a chamar a comunidade até si, assegurou.
A escola "está fechada num sistema que não funciona muito bem e que devia ser revisto”, argumentou, admitindo, todavia, que “é preciso coragem” para o fazer.
A proximidade da peça à escola é questão em cima da mesa para a encenadora, que dá o exemplo do jovem ator estagiário Xandy Fonseca, vindo de uma comunidade retratada na peça.
Há também o objetivo de fazer com que as comunidades escolares vejam a peça, de promover debates sobre educação e direitos humanos, assim como sobre outras questões sociais abordadas na obra.
Tratando-se de um texto “muito querido à juventude”, que fala de uma geração punk, “Class Enemy” é “um espetáculo para adolescentes e para toda a gente”.
“De uma forma ou de outra, todos conhecemos pessoas como as jovens personagens” de "Class Enemy", disse, sublinhando que o teatro também tem de sair das salas. É o caso desta peça, onde num “teatro com uma quarta parede, os miúdos estão ali fechados”, concluiu.
“Class Enemy” vai estar em cena na sala Mário Viegas, até dia 27, com récitas de quarta-feira a sábado, às 19h30, e ao domingo, às 16h00.
A interpretar estão David Esteves, Guilherme Moura, João Craveiro, Miguel Amorim, Marco Mendonça, Tomás Barroso e Vicente Wallenstein.
A cenografia é de Eric da Costa, o desenho de luz de Vasco Letria e os figurinos de José António Tenente.
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