A partir da iconografia religiosa, como é hábito nos seus espetáculos, desta vez Elmano Sancho tem como ponto de partida o sacrifício de Isaac pelo seu pai, Abraão, no Antigo Testamento, para questionar até que ponto há “uma família perfeita”, disse o dramaturgo e encenador à Lusa no final de um ensaio da peça.

A partir do oratório da Sagrada Família, onde pontuam as figuras de Jesus, Maria e José – “e que supostamente são a família para que [se deve] caminhar” – nesta peça Elmano Sancho questiona o sacrifício.

“Obviamente que isto remete obrigatoriamente para os cordeiros de Deus, para o sacrifício que Abraão fez com o seu filho Isaac que depois foi substituído por um cordeiro e que representa na verdade a crença em algo que é maior do que a existência humana”, frisou.

“Cordeiros de Deus ou Soldados da Esperança” é um espetáculo onde o sacrífico é pensado “como algo que possa transformar o ser humano e o mundo”, acrescentou.

Daí que o dramaturgo e encenador, que também interpreta, tenha associado o sacrifício aos “soldados da esperança”, equacionando também algumas pessoas “do século XX e XXI que lutaram para um bem comum e que, de alguma forma, se sacrificaram individualmente em prol de um sacrifício coletivo”.

Apoiado em artistas como David Wojnarowicz, Nan Goldin, Francis Bacon, Angelica Liddell, Pier Paolo Pasolini, o historiador René Girard, nas teorias da filósofa Anne Dufoumantelle e na história das gerações perdidas, o texto da peça é estruturado em dez quadros, cada um representando um período da história.

“O que estou a questionar é como é que nós podemos tornar soldados da esperança, como é que podemos caminhar e encontrar uma causa para a qual a nossa vida faça sentido ainda que seja de proposta individual que possa beneficiar o coletivo”, frisou Elmano Sancho.

Questionado sobre por que motivo os seus espetáculos acabam sempre por ter um cariz religioso, Elmano Sancho disse à Lusa que, embora não seja “ninguém para falar de religião”, nem este seja um “espetáculo religioso”, são esses os temas que lhe interessa tratar.

Até porque a iconografia religiosa acaba por ser sempre uma “inspiração” ainda que não saiba “se é crente” ou em quê apesar de se “esforçar para acreditar”.

“Cada vez mais precisamos dos soldados de esperança e cada um de nós tem de formar um pequeno soldado da esperança porque se não o que é que nos resta”, questionou.

“Não nos resta nada. Resta-nos apenas a violência, e o sacrifício não deixa de ser também sinónimo de diálogo”, enfatizou.

Em cena de quarta-feira a sábado, no auditório Rui Vilar, a peça tem récitas de quarta a sexta às 21h00, e, ao sábado, às 19h00, com sessão com audiodescrição e interpretação em Língua Gestual Portuguesa.

Depois da Culturgest, a peça entra em digressão, com espetáculos agendados em Ponte de Lima (4 de outubro), Viseu (11), Torres Novas (18), Famalicão (25) e Coimbra (31).

Em novembro estará em Aveiro (2) e Portalegre (9).

A interpretar estão também Custódia Gallego, Duarte Melo, Lucília Raimundo e Rafael Carvalho.

A cenografia é de Samantha Silva, os figurinos de Ana Paula Rocha, e o desenho de luz de Pedro Nabais.