Segundo as salas de concerto, o programa é comum aos três recitais: abre com Mozart, encerra com Beethoven, e combina obras que contrastam entre si, ou se complementam, como a Sonata K.545, em Dó maior, a chamada "Sonata Fácil" do compositor de Salzburgo, a Fantasia K.475 e a Sonata K.457, ambas em Dó menor, mais dramáticas, escritas pouco depois da chegada de Mozart a Viena.
Na segunda parte do recital, Sokolov entra na afirmação do Romantismo, com duas sonatas de Beethoven que, com dois andamentos, subvertem o desenho formal do período anterior: a Sonata n.º 27, em Mi menor, op. 90, de 1814, e a derradeira, a Sonata n.º 32, em Dó menor, op. 111, de 1822, que a musicologia identifica como exemplo de transformação da 'forma sonata' e da sua expressão.
A Gulbenkian lembra "o espanto" suscitado por cada apresentação de Sokolov e que "nem o contacto repetido com o pianista prepara o público" para o seu grande talento. O Convento São Francisco, em Coimbra, onde atua pela primeira vez na segunda-feira, define como lendárias as suas interpretações, e a Casa da Música assegura que cada recital do pianista russo é "um acontecimento inesquecível".
Grigory Sokolov atuou pela primeira vez em Portugal há 50 anos, a 14 de abril de 1967, no Teatro Tivoli, em Lisboa, com a antiga Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional e o maestro Silva Pereira, para interpretar concertos de Saint-Saëns e Beethoven (mais um 'encore' de Stravinsky).
A apresentação aconteceu pouco depois da sua vitória no Concurso Tchaikovsky do Conservatório de Moscovo, em 1966. Grigory Lipmanovich Sokolov tinha então 16 anos (nasceu em São Petersburgo em 1950), e conseguira uma decisão unânime do júri, presidido pelo pianista Emil Gilels.
Na altura, começou a desenhar uma carreira internacional. Mas a morte do agente, o isolamento durante a Guerra Fria, e a discrição habitual do pianista, que se dedicou ao ensino, limitaram o seu raio de ação ao Leste europeu.
Só nos anos de 1980 a sua presença no Ocidente readquiriu regularidade, confirmada na década seguinte. Datam desse período concertos em França, em particular, e as primeiras gravações para a antiga editora Opus 111 - oito álbuns, em mais de dez anos, e sempre de recitais ao vivo.
Em 2000, regressou a Portugal para o Festival de Música de Sintra, onde interpretou Schubert, Schumann e Chopin. Em março do ano seguinte, na Fundação Calouste Gulbenkian, ofereceu o 1.º Concerto para piano e orquestra de Tchaikovsky. Regressou em 2002, para os festivais de Sintra e da Póvoa de Varzim.
Desde então, tem sido regular a vinda de Grigory Sokolov a Portugal, sobretudo para as temporadas da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e da Casa da Música, no Porto.
A sua agenda de concertos expandiu-se igualmente a todos os continentes e, em 2014, passou a fazer parte do catálogo da editora alemã Deutsche Grammophon, onde acabou de publicar um novo álbum duplo, com o Concerto n.º 23, em Lá maior, de Mozart, e o 3.º Concerto, em Ré menor, de Rachmaninov.
Em mais de 50 anos de carreira, Sokolov deu poucas e curtas entrevistas. Entre as mais recentes está a dada há um ano ao jornal alemão Die Zeit.
Em quase todas confessou admiração pelos mestres da pintura europeia, como Rembrandt, Vermeer ou Van Gogh, por pianistas como Emil Gilels, Glenn Gould, Arthur Schnabel ou Rachmaninov, e recusou sempre a filiação na chamada "escola russa de piano", por entender que esse tipo de catalogação aniquila a arte, "conduz à morte".
"O piano não é para mim um trabalho", disse. “É a minha vida, 24 horas por dia".
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